04 agosto 2012
30 julho 2012
20 julho 2012
Magic Mike (Steven Soderbergh, 2012)
Magic Mike, apesar de ter sido encomendado a Steven Soderbergh pelo actor e produtor Channing Tatum, mantém uma elevada coerência dentro da obra do realizador. Como o anterior The Girlfriend Experience, estamos perante um filme que se quer como documento da crise que, desde 2008, assola o mundo ocidental. Duas partes de uma mesma moeda, estes filmes lidam com o sexo como comodidade e como refúgio económico no meio da crise, enquanto os sonhos e as ambições são postas de lado (definitivamente?). Ambos os filmes são sobre o sexo enquanto fantasia, enquanto escape das dificuldades do mundo, ela como a namorada contratada, ele como fantasia de macho para meninas e senhoras em férias. Mais fluído e menos fragmentado que o seu duplo, Magic Mike joga também a sua relevância no facto de ser, cronologicamente, uma continuação de The Girlfriend Experience: se aquele se situava no início da crise, pouco depois do pânico em Wall Street e vendo a reacção deste mundo ao meltdown, este filme situa-se no presente, quando a crise que nos diziam ser passageira ainda perdura na economia real - a cena chave é claramente quando o empréstimo bancário é recusado a Tatum: três noites por semana pode ser o rei, no mundo real ninguém quer saber dele para nada, nem o banco nem a fuck buddy que só o quer bonito e calado. Assim, a crise aparece não apenas como um factor material mas também, ao não lhe permitir cumprir os seus sonhos, como um obstáculo à sua afirmação pessoal.
Se, então, sociologicamente, Magic Mike é um filme importante pelo modo como mede o pulso ao momento actual, por que não sou adepto incondicional do filme? Essencialmente, nem sempre gosto das opções estéticas tomadas por Soderbergh, nem neste filme nem em The Girlfriend Experience, de que este filme é um duplo não apenas temático mas também formal. Onde o anterior era filmado em tons de vermelho e azul, este é um filme predominantemente em tons (demasiado) saturados de amarelo e pastel (com a excepção das sequências no clube, em azul metalizado) que, se dão ao filme um tom condizente com a sua localização geográfica, na Florida, tornam-no algo enjoativo visualmente. Também desgosto das escolhas de objectivas que o cineasta faz, que dão, em muitas cenas, backgrounds desfocados ou a frente dos planos demasiado escura. Nada que impeça este filme de ser, sobretudo, uma importante visão sobre o momento actual, económica e humanamente, confirmando a relevância presente da carreira de Steven Soderbergh.
17 julho 2012
O Fim da Minha Vida Enquanto Festivaleiro
Durante anos dizia, e acreditava, que só aguentava toda a trampa que um gajo tem de aguentar durante o ano por causa dos festivais de Verão. Uma ou duas vezes por ano, em Julho ou em Agosto, passava um longo dia de Verão a ouvir boa musica, a beber cerveja fresca e a banhar-me em vento e sol. Vi coisas magníficas ao vivo, confirmei grandes artistas e também tive a minha quota parte de desilusões. Contudo, tendo ido a dois festivais de 3 dias neste Verão (incluindo o Primavera Sound, no Porto, no meu primeiro festival fora da área metropolitana de Lisboa), creio estar no fim da linha no que toca aos festivais.
Sempre achei que gostava dos festivais por tudo o que neles havia de mau - ou por achar que essas dificuldades faziam parte da mística dos eventos. Hoje em dia, já não aguento essas mesmas coisas. A multidão já não me parece uma comunidade ou uma reunião das tribos, mas uma chatice insuportável; a cerveja e a comida já não me parecem caras, parecem-me exorbitantes; os grunhos que vão buscar cerveja para eles e para os amigos e pisam toda a gente no regresso as filas da frente já só me parecem merecedores de um soco nas trombas, assim como aquele grupinho que não parava de conversar durante os Radiohead no Optimus Alive merecia ser corrido à mangueirada; as casas de banho já não me parecem apenas apenas sujas, parecem-me viveiros de infecções daquelas que aterrorizam qualquer antibiótico; e nem me façam falar da chatice que e passar de um palco para o outro, aos encontrões e tropeções numa corrente impenetrável.
Apesar de tudo, mesmo no Optimus Alive deste ano ainda houve dois momentos extra-musicais memoráveis: o pão com chouriço ainda quente comido a ouvir os Cure interpretar "The Lovecats" ou o por-do-sol ameno que, sentado no chão do passeio marítimo de Algés, me batia na face ao som de "Naive", a única boa canção que os medíocres The Kooks alguma vez escreverão. Não posso dizer que seja a ultima vez que irei a um festival, tudo dependera dos nomes em cartaz (se os Smiths se reunissem, até a um festival no Tibete eu ia vê-los) , mas a partir de agora darei prioridade a concertos de sala onde possa ver a face dos artistas e onde não tenha que levar com cinco bandas fracas antes de ver aquelas que eu quero ou de deixar o carro (literalmente) a 3 km de distância e ter de andar 45 minutos depois dos concertos para ir para casa. No futuro, então, festivais só por causa de bandas que me sejam muito, mas mesmo muito queridas. Obrigado, então, às bandas que vi em festivais ao longo destes 14 anos - estreei-me no SBSR realizado dentro da Expo 98: Morphine (a poucos dias da prematura morte em palco de Mark Sandman), Franz Frdinand (no primeiro festival que vi com a minha mulher) , Editors, The National, Gogol Bordello, Vampire Weekend, The Strokes, Arcade Fire, Stone Roses, James, The Cure, Suede, Flaming Lips, Beach House, Radiohead e muitos outros. Pode ser que nos vejamos num Pavilhão Atlântico, num Coliseu, num Campo Pequeno ou numa Aula Magna.
03 julho 2012
Faustrecht der Freiheit (Rainer Werner Fassbinder, 1975)
As histórias de casais onde um
ama demais e se sacrifica por um escroque explorador são abundantes na tradição
ocidental. Em 1975, Rainer Werner Fassbinder transformou-as com o seu 23º (!!)
filme, Faustrecht der Freiheit, ao ser capaz de colocar uma dessas histórias no
meio homossexual, que ainda para mais é retratado com realismo: há drag queens,
saunas e soirées, mas sobretudo a surpresa deste não ser um panegírico gay, mas
antes um filme onde os homossexuais são retratados com os mesmos defeitos que
os heterossexuais, numa formulação mais literal que propagandística. Fox, o
protagonista, jovem homossexual proletário e intelectualmente limitado,
trabalhador de uma deprimente feira ambulante e que acaba por ter um golpe de
azar quando lhe saem 500 mil marcos na lotaria e que se passa a dar com a elite da comunidade homossexual de Munique é, então, vítima do amor que sente
por Eugen, ao ser limitado, controlado e expropriado pelo objecto do seu amor,
que nunca o deixa evoluir. Porém, Fassbinder tem a inteligência de dispensar o
fait-divers e de inclusivamente dar um lado quase ontológico à sua narrativa: o
que está em causa é também a forma como a sociedade capitalista, mesmo uma
social-democracia à época evoluída como a Alemanha, é capaz de maltratar e espoliar os seus elementos proletários, não apenas espoliando-os mas também
impedindo-os de se exprimirem na sua individualidade (é Fox, simbolicamente interpretado pelo
próprio Fassbinder, que diz que só quer ser ele próprio e é belíssima a sequência
do jantar com os pais de Eugen, onde todas as atitudes do protagonista são
julgadas pelo crivo da posição social da família do seu amante). Vejamos também
o seu pessimismo latente, senão atente-se na atitude das crianças que perpetram
o último roubo contra o herói, símbolo de um futuro que não mudará. Filme subversivo no conteúdo mas não nas formas,
competentemente clássicas e lineares, dá-nos porém algumas sequências superlativas – a melhor
de todas a sequência final, a única em que o cineasta germânico opta por
estilizar verdadeiramente e mostrar Fox na sua verdadeira luz: uma pietà gay e
proletária que não encontra sequer mãe que a chore.
28 junho 2012
Revisão da Matéria Dada - VI
2 Days in Paris de Julie Delpy - Como o recente Le Skylab, o filme anterior da actriz e realizadora francesa colmata os seus defeitos com uma dose notável de charme que o torna encantador. Bem-humorada crónica de umas férias parisienses de uma francesa radicada em nova-iorque e do seu namorado americano, é uma comédia sobre as diferenças culturais nas relações amorosas e, no limite, sobre as dificuldades de um homem em lidar com o passado sexual da sua companheira. Nada de novo, mas enquanto dura entretém e diverte.
O Ditador de Larry Charles - O pior filme que vi este ano em sala. Se os anteriores Borat e Bruno tinham o lado relevante de sátira social, este filme tenta ter um lado de sátira política ao totalitarismo mas cedo se transforma numa sucessão de piadolas entre o sexual e o escatológico. Também é, dos filmes feitos até agora a partir de personagens de Sacha Baron Cohen o menos anárquico e o mais controlado. A esquecer, depressa.
A Queda de Oliver Hischbiegel - Ao contrário de Pier Paolo Pasolini, que encena o fim do fascismo num clima de terror absoluto e dantesco, o cineasta alemão prefere antes a reconstituição histórica e o ambiente de telefilme, sem qualquer espessura de personagens e de enredo. Mesmo relativamente ao "polémico" retrato de Hitler enquanto ser humano, nada há a declarar: o Hitler de Bruno Ganz, tecnicamente perfeito em termos de imagem e maneirismo, é uma figura plana e tautológica. Sobra a personagem de Martha Goebbels, que escolhe assassinar os seus filhos para os poupar ao que virá depois e que, no seu ethos trágico, daria um filme interessante por si só. Pouco mais há.
Saw de James Wan - Lembram-se dos tempos em que os filmes de terror americanos não eram, visualmente, um misto de uma cópia de 3ª categoria do Se7en de David Fincher misturado com um videoclip nu metal de uns Mudvayne? Eu lembro, e em vez de escrever mais sobre isto vou tirar uns minutos para pensar nesses tempos.
[Rec] de Jaume Baleguero - Este sim um bom filme de terror, todo ele filmado em plano subjectivo, o do operador de câmara de uma equipa de reportagem que acompanha os bombeiros de uma cidade durante a noite que se transforma num pesadelo dentro de um prédio... Não vale a pena dizer muito mais, para não estragar o filme a quem o queira ver, resta dizer apenas que se as personagens não têm espessura, o realizador espanhol aproveita frequentemente o abanar da câmara como meio de tapar a visão ao espectador, minorando a necessidade de efeitos especiais, num método económico e sugestivo. Este é também, dos filmes que vi nos últimos tempos, aquele que melhor cria uma tensão palpável e um incómodo de grandes proporções. Numa época em que a esmagadora maioria dos filmes de terror são para miúdos, já não é nada mau.
15 junho 2012
Chasing Amy (Kevin Smith, 1997)
Chasing Amy é um filme de um tempo diferente, em que os nerds se
preparavam para dominar o mundo. Se hoje já o conseguiram (veja-se o sucesso da
trilogia Lord of the Rings e dos livros da saga Game of Thrones, por exemplo) e
se o cinema independente americano contribuiu decisivamente para esse sucesso
(é perfeitamente possível imaginar Tarantino, Solondz e PT Anderson de óculos
de massa a discutir os méritos dos seus filmes e livros de eleição), este é
ainda um filme que, apesar do poder da Miramax na época, se desenha como
independente, com valores de produção intermédios e com actores que, à época,
ainda não eram estrelas de lista A. Esse é definitivamente parte do seu
encanto, como o é o ambiente geração x e a enfase na vida sentimental de
personagens que, habitualmente são gozadas por não terem vida sentimental.
Kevin Smith, realizador entretanto caído em relativa desgraça, realiza aqui um
conjunto de conversation pieces admiravelmente escritas acerca de sexo, cultura
pop e sentimentos, num conjunto de diálogos que não perdem a coerência e a
qualidade estéticas mesmo apesar da coloquialidade e do vernáculo, que Smith
manipula habilmente. Sobretudo, na história de um desenhador de bd que se
apaixona por uma rapariga lésbica com uma história de experimentalismo sexual, há
aqui uma estupenda comédia romântica escondida com o rabo de fora, mormente na
forma como elimina a esmagadora maioria dos piores vícios do sub-género: mais
do que uma construção artificiosa no sentido de colocar obstáculos à frente das
personagens para as juntar no fim de uma maneira previsível e inconsequente,
este é um filme que levanta questões pertinentes acerca da bagagem sentimental
nas relações amorosas e que não entra na facilidade de acabar com as
personagens juntas apesar de tudo. No geral, uma interessantíssima surpresa
vinda de um realizador de quem nunca esperei muito, actualmente a ser exibida
no canal Hollywood.
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