30 agosto 2011

O ponto em que estamos




1.Numa perspectiva mais geral, o governo PSD/CDS saído das últimas eleições já demonstrou a sua postura. A corporação é raínha, tudo pela empresa, nada contra a empresa, co-adjuvada pelo seu grande aliado, os números. O contribuinte serve apenas para gerar cada vez mais verbas para salvar o país de uma crise que este não criou e para proteger os que a criaram. Os jogos linguísticos são fenomenais: por um lado, só se fala de mercado mas o consumidor cada vez tem menos dinheiro para consumir, mesmo o que é de primeira necessidade; por outro, fala-se muito em reformas, mas essas reformas são sempre no sentido do retrocesso, não do progresso. Uma pura agenda neo-liberal, cuja eficácia até ao momento foi nula e que, tendo em conta os excessos que redundaram na crise mundial de 2008, não augura nada de bom.


2.Se a orientação ideológica deste governo é por demais evidente, qual será a sua manifestação em termos de políticas culturais? A primeira foi por demais evidente, com o fim do Ministério da Cultura e a passagem da pasta para Seretaria de Estado, com a nomeação de alguém que nunca escondeu a sua simpatia pelo PSD, a sua preferência, acima de quaisquer outras artes, pela literatura e um claro desprezo pelo cinema que se faz contemporâneamente em Portugal – li, aquando do seu centésimo aniversário, na sua crónica no Correio da Manhã (um burguês bon vivant a escrever no Correio da Manhã, ao que chegámos...) que Manoel de Oliveira era o cineasta que mais tinha custado aos contribuintes, sem qualquer outra consideração de ordem estética ou artística. Assim, conjugando a crise com o pensamento, o que será feito será cortar no máximo que se possa e, preferêncialmente, criar uma mercantilização da cultura, tentando que esta seja ainda mais geradora de dinheiro do que é, mas não através da maior preparação dos cidadãos, antes através de tornar mais comercial o que se produz. O público, como não poderia deixar de ser, não terá qualquer melhoria na sua instrução e no seu acesso a bens culturais, mas poderá ver a boçalidade tão útil aos nossos governantes recompensada com cunho ministerial. Tudo o que não for a literatura estará em dificuldades.

3.No cinema, o primeiro ataque já começou, com a revelação de que a bilheteira passará a ser o factor que primeiro orientará a atribuição de subsídios. Falácia e das grandes. Em primeiro lugar, porque já há mecanismos que possibilitam essa incorporação do comercial nos subsídios, como a atribuição de subsídio automático a qualquer cineasta cujo filme anterior tenha tido 20 mil espectadores em sala. Em segundo lugar, porque não há qualquer menção a que sejam incorporados os resultados de bilheteira feitos no estrangeiro, em cineclubes ou em sessões especiais, um dado que poderia pôr de lado definitivamente a ideia de que os filmes portugueses não são vistos. Por último, porque filmes com uma ou duas cópias serão forçados a competir, neste capítulo, com filmes com mais cópias, dando à partida uma vantagem injusta aos que tiverem maior orçamento e maior potencialidades comerciais. Neste contexto, importa fazer duas perguntas: i) não seria melhor contabilizar receitas em vez de número de espectadores? ii) num contexto em que a bilheteira vale mais que tudo o resto, como se avaliará quais as primeiras obras a subsidiar? Será pela quantidade de glândulas mamárias que exibem?

4.O segundo ataque faz-se agora à Cinemateca. Depois de um corte de verbas brutal, que redundou na redução do número de sessões diárias de cinco para três (situação que, felizmente, regressará ao normal em Setembro), saiu há dias a notícia de que a Cinemateca vai ser sujeita a uma sondagem de opinião dos espectadores para inquirir acerca do seu grau de satisfação. Curioso como aqui, as óptimas médias de ocupação e de bilheteira da Cinemateca já não interessam, interessa o que pensam os espectadores. Por mim, não me importaria, pois considero que a referida instituição nada deve e nada teme. Mas perturba-me o tom quase pidesco do anúncio, que parece ter como objectivo mais descobrir uma falha por onde poder pegar do que avaliar realmente qual o grau de satisfação do consumidor. Do mesmo modo que considero que seria uma prioridade era ver qual o grau de satisfação dos utentes com a lentidão das repartições de finanças, com a má-educação dos funcionários da Segurança Social e com os funcionários públicos e os seus longos cafés, longos cigarros e longas horas de almoço, sobretudo no que ao atendimento à população diz respeito. Acontece que há 750 mil funcionários públicos e outros tantos votos a ganhar; frequentadores da Cinemateca há bem menos.

5.Neste contexto, o cinema feito em Portugal definha, com 12 curtas-metragens a sair em 2011 e apenas oito programadas para 2012 – só para termos uma ideia, oito filmes produz num ano apenas a região da Galiza. Neste aspecto, embora muitos digam que o nosso cinema está desfasado da nossa realidade, filmes e país confundem-se: o futuro parece ser negro.