14 dezembro 2007

Três pequenas notas sobre três grandes filmes

1) Fazendo a analogia com o Futebol Clube do Porto, de que Aki Kaurismaki é adepto, o cinema do finlandês não é feito de Quaresmas. Não há irregularidade, nem há momentos de magia que justifiquem os momentos mortos em campo. A arte de Kaurismaki é mais como o antigo centro-campista André: rigor, disciplina, capacidade de trabalho e perseverança. Luzes no Crepúsculo é frontal, não inventa para lá da sua visão, é brutalmente eficaz e tem uma visão ética e estética própria, de que não abdica por nada. Nos seus sentimentos puros, na sua economia, na perfeição dos seus planos e na humanidade das suas personagens, é de longe um dos melhores do ano. Os Quaresmas ganham jogos; os Andrés ganham campeonatos, mesmo que não se lhes preste a atenção devida.
2) “The self-destructive tortured-artist routine was bullshit when Kurt Cobain did it, it was bullshit when Elliott Smith did it, and it's bullshit now”, escreve Douglas Wolk no Pitchfokmedia. Control, estreia de Anton Corbjin na realização, vale precisamente pela sua recusa do martírio da estrela rock. Não é que os casos citados em epígrafe, tal como Ian Curtis, não tenham resultado em dois suicídios, atestando assim alguma verosimilhança aos sentimentos cantados; trata-se antes da desmistificação do lugar comum da estrela de rock torturada no que isso tem de mais previsível, de mais codificado e, consequentemente, de menos humano. Control é extraordinariamente bem filmado, num estilo directo e realista que não descura nunca o cuidado e a beleza formais – com especial destaque para o contraste do seu preto e branco – sabendo que os sentimentos ficaram em quem morreu e que qualquer palpite acerca do estado de espírito de alguém não passa disso mesmo. Com o Bird de Clint Eastwood, é o melhor biopic de uma figura ligada ao meio musical. 3) Terminando com um regresso à analogia futebolística, Gus van Sant parece um daqueles avançados que fazem sempre a mesma desmarcação e marcam sempre golo. Continuando ma sua viagem pelos abismos da adolescência e com um constante fascínio pela desconstrução do movimento – presente nas inúmeras imagens em câmara lenta, técnica que o norte-americano parece ser dos poucos a dominar no presente – van Sant constrói com Paranoid Park mais um andar no seu sólido edifício estético, continuando a ser o mais próximo que temos de Tarkovsky. Nada acrescente ao que já lhe vimos, mas o maravilhamento não cessa. Porquê? Vejam a sequência da fogueira purificadora ao som de Elliott Smith e digam-nos quem mais faz cenas tão belas…