11 fevereiro 2008

Requiem por um cineasta muito prezado

Woody Allen tem utilizado o crime como método de encenação da sua problemática das relações humanas desde, pelo menos, o sucesso de Crimes and Misdemeanours, em 1989. Neste método, longe das comédias dramáticas (ou dramas cómicos) de relações humanas de que fazem parte os seminais Annie Hall (1977), Manhattan (1979) ou Hannah and Her Sisters (1986), encontrou espaço para explorar um muito Bergmaniano tema da sua predilecção: o sentimento de culpa, tanto maior quanto não é acompanhado de uma punição por parte do mundo exterior. Neste novo Cassandra’s Dream, que de novo pouco mais tem do que a data, volta a fazê-lo, tomando de novo Londres como local do crime. Após o seu visionamento, a pergunta que se apraz fazer é: o que é que Woody Allen ainda quer do cinema? É que, cada vez mais, o cinema parece já ter recebido tudo o que tinha a receber de Woody Allen.

História de dois irmãos proletários ingleses com a mania das grandezas (competentes Ewan McGregor e, estranhe-se, Colin Farrell), sempre em busca de um esquema que os liberte da sua condição social – a sociedade de classes britânica foi bem apreendida por Allen – que, a pedido do tio que sempre lhes amparou os golpes (clássico Tom Wilkinson), assassinam uma testemunha incómoda, não ofende ninguém. Pelo contrário, são 108 minutos razoavelmente bem burilados e filmados com uma sabedoria feita de muitos anos, onde até pode ser encontrada uma síntese de algumas das obsessões do nova-iorquino. O problema é o tom mecânico, habitual, paradigmático de uma história que desaproveita o sangue novo trazido pela Londres de Match Point (2005), numa história indiferente e banal, um pouco à imagem do que já fazia Scoop (2006).

O que levanta uma questão: até que ponto, caso haja alguma nova vitalidade com a mudança para Barcelona, essa não será prontamente eliminada pelo lado esquemático e habitual do cinema de Allen? Há razões para que a carreira de Allen tenha dado esta volta, em que o cinema mais parece um emprego do que uma arte: a idade já não perdoa e as conquistas foram mais do que muitas, podendo estar o cineasta num período de descanso do guerreiro. Nada de novo, num fundo: o mesmo parece ter acontecido, em larga medida, no final da carreira de Billy Wilder. Mas custa ver um cineasta de que se gosta muito enveredar por filmes menores (mesmo que nunca maus). E, custa ainda mais ter a consciência de que isso já dificilmente mudará.

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