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06 setembro 2011

Ninguém disse que era fácil



Nos Estudos Culturais, dá-se o nome de “outrização” ao processo que consiste em criar uma entidade de oposição, um ser com caracteristicas específicas mais ou menos estereotipadas, para lá do seu caracter pessoal e independente enquanto ser humano, que tanto pode ser motivo de medo como foco de discriminação. É sobre este processo, de quatro ou cinco maneiras diferentes, que se debruça Venus Noire, quarto filme de Abdellatif Kechiche, actualmente em exibição nas salas portuguesas.

Contando a história de Sartjes Baartman, mulher pertencente à etnia hotentote que é trazida para a Europa do século XIX e aí utilizada, sucessivamente numa gradação que constitui a narrativa do filme, em espectaculos circenses em Londres, como atração exótica em salões parisienses, como motivo de estudo para cientistas interessados em provar a superioridade da raça branca e, finalmente, como atracção maior num bordel, é um filme que percorre os mesmos caminhos estéticos dos filmes anteriores, apenas expandindo o seu escopo. De câmara digital naturalista, acompanhando as suas personagens de muito perto e seguindo os seus movimentos em panorâmicas rápidas, passa dos subúrbios de Marselha que compunham o seu universo para se focar numa narrativa circular que percorre a Europa oitocentista com pleno engenho na criação de ambientes e no estabelecimento de cenários, bem como com precisão na reconstituição de época.

Ninguém disse que era filme fácil e a recepção no Festival de Veneza em 2010, onde foi vaiado, demonstra-o plenamente. Porém, coloca-se a questão: tinha de ser assim tão difícil? É que Venus Noire, com as suas duas horas e meia de duração, demonstra-se sempre algo exagerado no tom e na forma de expor as desventuras da sua heroína, como se, num fenónemo de catarse forçada, o espectador fosse obrigado a expiar pela sua visão do filme as desventuras da sua heroína. Semelhante factor torna o filme numa experiência cansativa e que poderia ter sido feita sem alienar o seu próprio espectador, que a páginas tantas não tem alternativa senão pensar que o filme perdura muito para lá da sua demonstração do que é o Outro.

De referir também que há, no genérico final, uma compilação de imagens do regresso dos restos mortais da “venus hotentote” à sua África do Sul natal, que redunda num posicionamento que me parece “incorrecto” por parte do cineasta: Venus Noire ganha muito mais força, nos seus melhores momentos, quando se propõe a explanar a sua ideia central do que visto, à luz destas imagens, como mera biografia da sua personagem principal. Assim, é um filme que, apesar da força do seu assunto, se acaba por auto-limitar bastante em termos de propósito.

14 junho 2008

Revisão da Matéria Dada - II

1.The Happening. Shyamalan está cansado. The Happening começa bem, com algumas boas ideias visuais (a pistola que percorre um caminho de suicídio entre várias pessoas; o contra-picado dos trabalhadores da construção civil a caírem), mas cedo se transforma num objecto rotineiro, despachado o mais depressa possível. Pior, não possui qualquer densidade dramática, nem humana nem pós-11 de Setembro. Depois da religiosidade foleira de Lady in the Water (o realizador parece nunca ter visto Dreyer ou Breson), outro espalhanço.

2.Sex & the City. Duas horas e quinze minutos depois, chega-se à conclusão de que este filme não existe. É um buraco negro cinematográfico, que cospe o interesse da série num lixo inane e óbvio para consumo rápido.

3.La Graine et le Mullet. Um fantástico épico proletário sobre a vontade de ser alguém e de deixar legado, mesmo que à beira da morte. Kechciche possui um estilo maleável e fortemente realista, procurando, com os seus planos muito fechados, quase imiscuir-se na realidade daquilo que filma. Habib Boufares e Hafsia Herzi são fantásticos, a gestão do tempo é admirável (duas horas e meia que passam num ápice) e, no final, ficamos com a sensação de termos estado in loco com aquelas pessoas, produtos da descolonização e vítimas da globalização. Fantástico.