08 abril 2008

Notas da 'teca (4)


Último filme realizado por Nicholas Ray em Hollywood (posteriormente viriam vários filmes “independentes” como The Savage Innocents ou 55 Days in Pecking), Party Girl foi, à sua época e sobretudo pela Cahiers du Cinéma, louvado como o melhor filme do cineasta. Há, efectivamente, aspectos muito salutares nesta história de um casal, ela esperta dançarina de clube nocturno que não se quer perder na espiral de desespero que vitimou a sua colega e ele, advogado de crápulas que usa todos os truques sujos para os safar, que utilizam os conhecimentos adquiridos para mudarem de vida. Entre eles contam-se os grandes desempenhos de Robert Taylor (viperino), de Cyd Charisse (grandiosa e magnética) e de Lee J. Cobb (um dos mais esquecidos grandes actores da década de 1950, aqui como em On The Waterfront ou em Twelve Angry Men sempre à beira da explosão). Adicionalmente, pode-se também lembrar o excelente trabalho ao nível cromático, onde os tons de vermelho e de verde abundam, respectivamente, em momentos de paixão e em momentos de violência, dando ao filme o tom de sonho em ‘technicolour’ característico de algum do melhor cinema da época e prolongando o experimentalismo gráfico já patente em Rebel Without a Cause ou em Bigger than Life.

Contudo, no final de uma visão de Party Girl, a pergunta que apetece fazer é: estará este filme ao nível de obras como They Live By Night, In a Lonely Place, The Lusty Men, Bitter Victory, Johnny Guitar, etc? No fundo, estará Party Girl no mesmo campeonato dos filmes que compõem o cânone de Nicholas Ray? E aí, sinceramente, a resposta parece ser negativa. Partindo de uma história que mistura vários géneros – o filme de gangsters, o melodrama, o filme de tribunal e o musical, género que, de acordo com a folha da Cinemateca, Ray terá sempre querido experimentar – é irregular nalguma da sua concretização e do seu encadeamento. Se o filme de gangsters – aproveitando a óptima estilização do ambiente da época – e o melodrama são muito bem feitos, não se percebe muito bem a finalidade dos números musicais envolvendo Charisse – se bem que ter Cyd Charisse num filme e não a fazer dançar é como ter Mitchum num filme senão o fazer calmo e estóico -, do mesmo modo que é algo confrangedora a sua representação da Europa aquando da viagem dos dois protagonistas. Mas a sua maior pecha será, no limite, a de não ser uma história de condenação de uma ou duas personagens, sós contra o mundo e a quem este já derrotou ou acabará por derrotar, como é apanágio de grande parte do melhor cinema de Ray.

Muito bem filmado, com uma excelente utilização do Cinemascope, nomeadamente na cena da conversa na ponte entre Charisse e Taylor, Party Girl tem alguns momentos dignos de nota, como o rápido ‘travelling’ para baixo aquando da descoberta do suicídio da colega de quarto de Charisse ou o espancamento de John Ireland com uma escova de cabelo, mas falta algo de tão apelativo, de tão forte, de tão humano e de tão convulsivo quanto nos filmes supracitados. Não é mau; mas é menor.

1 comentário:

C. disse...

Vi-o na teca também, mas há 1 ano e tal. Concordo, é um Ray menor se pensarmos nas suas grandes obras. Mas do que vi até agora, e foram muitos, ele não sabia fazer maus filmes!