10 março 2012

Poder, podia... e até era bem melhor!

Depois de uma sabática de vários anos, voltei a uma sala Zon Lusomundo para ver o óptimo Shame de Steve McQueen. Os motivos prendem-se sobretudo com questões de ordem prática: trabalho perto de Oeiras, o Oeiras Parque fica a poucos minutos do emprego e é sempre útil poder jantar a preços acessíveis antes de ir ver o filme. Por outro lado, a hipótese não me agradou muito: tenho um ódio figadal a tudo o que diga respeito ao “amigo Joaquim”, à forma como tornou o DN um jornal da direita mais grunha, à falta de isenção da informação que os seus orgãos de comunicação prestam e a um dos maiores exemplos de integração vertical da economia nacional.

Este último ponto é particularmente visível na experiência de ir a um cinema Zon Lusomundo. Se o acto de os cinemas passarem publicidade comercial (não confundir com os trailers de outros filmes, que ajudam o espectador a saber o que pode ver futuramente em sala) já de si é abjecto, porquanto representa uma feia maximização do lucro à custa da disponibilidade mental de alguém que, lembremos, já despendeu um valor significativo para ali estar, no caso da Zon Lusomundo isso é ainda pior. Porque cerca de metade da publicidade que os cinemas Zon Lusomundo passam é a produtos da própria Zon. Se a isto juntarmos o facto de grande parte das pessoas que vão a cinemas do grupo o fazem por terem um cartão do serviço de tv por cabo da empresa, que lhes dá um bilhete grátis na compra de outro, o que fica é a sensação de o cinema ser apenas uma pequena roda na engrenagem de muitos milhões que rege a companhia.

Se as salas têm óptimas condições de imagem e som e são amplamente confortáveis, continuo a preferir outras (algumas, como o Monumental, também situadas em centros comerciais), onde parece que o cinema está mais alto na hierarquia de preocupações. Porque, para a Zon Lusomundo, vender é vender, seja filmes, couves ou cães de loiça. O tempo dos cinemas isolados, com maus cafés ou sem café de todo, parece ter terminado (compare-se o King ao arejadíssimo CinemaCity Classic Alvalade, com um bom café à entrada), mas tem de haver melhor solução do que este mercantilismo desenfreado, ainda para mais em prol de outros produtos.

06 março 2012

They Live! (John Carpenter, 1988)

They Live! é a carta de ódio de John Carpenter à administração Reagan e, num sentido mais lato, ao neo-liberalismo que este passou, como uma doença contagiosa, ao resto do mundo. Como sempre acontece, a ficção científica serve aqui como comentário e intervenção sobre o tempo presente, embora, nas sequências em que o wrestler e protagonista Roddy Piper põe os óculos escuros, haja também um visual vintage que serve de homenagem ao passado do género. Filme, então, sobre a desigualdade e a alienação geradas pelo capitalismo desenfreado, ganha uma nova dimensão na segunda parte, quando se torna um pastiche dos filmes de acção da década de 80, dois brutamontes ao tiro a tudo o que mexa e a debitar one-liners pelo caminho. Acima de tudo, é isto They Live!: uma sátira irrisória a um tempo, feita de acordo com as regras do seu tempo mas que, na sua essência, é como se tivesse sido feita de 2008 para cá.