23 março 2008

Dois corpos que se encontram - serem dois homens é pormenor

Se Les Chansons d'Amour cresce para o final, é em muito devido a esta prodigiosa cena, a coreografar uma das melhores canções que ouvi no ano passado. A emoção que falta ao filme de Christophe Honoré, muito mecânico e algo previsível, em todo o resto da sua duração explode aqui com todo o esplendor. Melhor que o "boy meets girl", só quando duas solidões se encontram. Podem fazer piadas como "Limitação da Vida - o blogue que abafa a palhinha", que estou-me a cagar. Para ver, muitas e muitas vezes.


21 março 2008

A gripe (com Woody Allen pelo meio)



Quinta-feira de ramos, 20 de Março de 2008. Acordo com a garganta inflamada e com quantidades copiosas de expectoração a quererem sair. Confirma-se o cenário que antevi na noite de quarta-feira, devido a uma secura na garganta maior do que a que habitualmente fustiga qualquer fumador ao fim da noite.

Visto-me e, sem querer quebrar compromissos previamente assumidos devido à doença, dirijo-me ao Campo Grande. Dizem-me que o almoço foi mudado para o Colombo depois de quarenta minutos à espera, tentando apertar as golas do casaco para que o vento forte e frio não piore a gripe. Tento começar a ler A Balada da Praia dos Cães numa daquelas edições do Público, baratuchas e descartáveis, mas um nariz progressivamente mais entupido e algumas dores no corpo impedem-me de me concentrar. Finalmente, apanho o 50 em frente à churrasqueira e vou até ao Colombo. Aí aproveito para tirar uma fotografia, em plano de conjunto minado pela minha falta de prática com a câmara do telemóvel, ao Estádio da Luz, futuramente disponível no meu hi5, antes de ir almoçar um Chao-Min de legumes no restaurante de comida rápida chinesa que há no referido centro comercial.

Ao dirigir-me para a mesa, vejo alguns dos responsáveis do meu anterior trabalho, editores de uma secção jornalística. Por muito que nada tenha contra eles especificamente, com quem pouco trabalhei, acabo por lhes atribuir algum do rancor que sinto por um meio que faz não do talento ou da vontade mas da capacidade anímica e financeira para aguentar a exploração inicial o principal factor de continuidade na profissão. Passo o resto do almoço a matutar nisto e, à medida que as dores no corpo aumentam, decido-me a passar pela farmácia do centro para ir buscar medicamentos.

Quando saio do centro, fumo um cigarro – quando estou doente, reduzo o numero de cigarros consumidos, mas nunca paro completamente - e meto no bucho gotas Nasex (as únicas que me desentopem o nariz), um comprimido Mucosolvan (o pior nome de medicamento que conheço) e uma drageia Mebocaína (não fazem grande coisa mas têm um sabor agradável). A minha namorada, antes de embarcar numas merecidas férias de Páscoa na fronteira entre o Alentejo e o Algarve, deixa-me na paragem do autocarro, onde apanho o 767 para o Campo Grande. Ligo ao meu chefe a perguntar se, por motivos de doença, poderia não ir trabalhar hoje e compensar as horas por fazer noutro dia. O meu chefe aceita e, de volta ao Campo Grande, apanho a camioneta 331 de volta a Loures onde, na principal avenida, apanho a 301 que me deixa mesmo à porta de casa.

Em casa, jogo este jogo, coisa que tenho feito uma vez por dia desde que o descobri, janto e saco, ao calhas como costumo fazer, uma cassete do monte. Sai-me a numero 48 onde, entremeadas por Edward Scissorhands (1992), estão duas películas de Woody Allen: Crimes and Misdemeanours (1989) e Husbands and Wives (1992).

Vejo o primeiro e, como das outras duas ou três vezes que o vi, assombro-me com a obra-prima. Escuro, em constantes tons de sépia ou em chiaroscuro (magnifica direcção de fotografia não me lembro de quem, se alguém souber diga), é um pujante filme sobre a vida na ausência de Deus e sobre uma das questões que mais assombram a humanidade desde os seus primórdios: porque acontecem coisas boas a gente má e vice-versa. De seguida, vejo o segundo que, igualmente como das outras visões que lhe dei, me parece ser um dos mais irritantes filmes de Allen. Tão neurótico em termos formais quanto as suas personagens, segue um esquema de falso documentário, e a câmara à mão, depois de uma segunda dose de medicamentos, parece-me enjoativa e equívoca do ponto de vista estético. Há o suposto lado biográfico, apregoado devido à turbulenta separação de Allen e Mia Farrow que ocorreria pouco tempo depois da sua feitura, mas nem isso me faz pensar que não seja um dos Allens mais fracos que vi.

Paro a meio, e mudo o canal da televisão para a Fox Life, cujas séries, com honrosas excepções (a demência de Desperate Housewives e a intriga medico-policial de Crossing Jordan) oferece dramalhões capazes de fazer as telenovelas da TVI parecerem sóbrias. Vejo o final de um episódio da segunda série referida e preparo-me para me deitar. Quando o faço, começa Everwood, um desses dramalhões, cujas vozes e a música têm, nos últimos tempos, tido o condão de me fazer adormecer tranquilamente. Antes, penso no fim-de-semana e em como, quando sair do trabalho, a única coisa de medianamente interessante para fazer será assistir à final da Taça da Liga, onde me parece que o Lumiarense Futebol Clube ganhará, apesar do Setúbal ter sido a melhor equipa da prova. E penso em como, no dia seguinte, já depois de terminada a visão de Husbands and Wives, tenho de escrever um texto sobre este dia no blogue, quanto mais não seja para lhe tentar dar um sentido.

O texto é este. O sentido ainda não apareceu.

05 março 2008




I won’t go down in History, but I will go down on your sister – Hank Moody, um Bukowski moderno

Uma grande notícia, para todos nós que na nossa infância/juventude sintonizávamos a TVI às sextas-feiras para ver The X-Files: Fox Mulder está definitivamente morto, e o responsável por isso é o escritor Hank Moody, centro nevrálgico desta belíssima Californication.

Série sobre a decadência e a progressiva vontade de redenção, Californication é uma carta de ódio ao estado norte-americano que lhe dá título. Hank Moody, autor que abalou o meio literário norte-americano com os primeiros conto e romances, foi para a Califórnia seduzido, aliás, derrotado pelos milhões que a indústria cinematográfica atira à cara dos romancistas desde que estes estejam disponíveis para destruir as suas criações. Acontece que, habituado ao meio literário e artístico nova-iorquino, nada mais vê na sua nova e solarenga terra que falsidade, corrupção e laxismo. Quando a esposa (Natascha McElhone) o deixa, e leva atrás a filha (Madeleine Martin, a melhor actriz jovem que vi em muito tempo), Moody entra em bloqueio criativo e divide o seu tempo entre cigarros, drogas, álcool, mulheres (a sea of pointless pussy, diz a ex-mulher), álcool, drogas e cigarros, até que decide que é tempo de mudar.

Prodigiosamente bem escrita (ideia e argumento de Tom Kapinos), com noções muito precisas de ritmo e de construção frásicos, Californication é uma chapada no politicamente correcto, uma série que, nos primeiros oito episódios dos doze que compõe a temporada de estreia, vai ao ponto de mostrar actos sexuais entre um quarentão e uma menor de idade, rituais sadomasoquistas entre patrão e secretária e, logo na introdução do primeiro episódio, uma freira como interesse sexual. Enquanto a excelente Sex and the City aproveita o sexo para questionar papéis sociais e sexuais na sociedade americana do presente, Californication foca-se na solidão, na frustração e na incapacidade para, pelo menos momentaneamente, não conseguirmos expor todo o nosso talento. Aproveitando a deixa de Sex and the City, juntamente com Oz (nada coincidentemente, como a primeira também da cadeia por cabo HBO), uma das primeiras séries televisivas onde o palavrão é essencial, é também uma série imensamente realista em termos verbais, onde as pessoas dizem palavrões e se insultam mutuamente, tal como na vida real - o diálogo de Moody com o pai, num dos episódios mais tocantes da série, é exemplificativo de um tratamento das relações que nada tem a ver com o dramalhão contemporâneo e em que, pasme-se!, uma série admite que há relações familiares que nunca resultarão. Por último, há momentos delirantes de comédia escatológica, como Moody a vomitar para cima de um caríssimo exemplar de pop-art.


Para o futuro, uma questão se coloca a Tom Kapinos: valerá a pena fazer uma segunda temporada de Californication, quando, com a excepção do “cliffhanger” do que acontecerá ao novo romance de Moody, tudo o resto parece estar resolvido? Sobretudo, a série perde um pouco em termos de qualidade para o final da temporada, quando a redenção se sobrepõe à decadência, numa tendência que, a continuar, pode prejudicar o produto final. O melhor seria ficarmos por aqui, e lembrarmo-nos de uma das personagens mais explosivas e mais tresloucadas que vimos nos últimos tempos.

Voltamos, então, a David Duchovny, que com apesar do seu ar de “boy next door” se enquadra sempre melhor em bombas ao retardador do que em homens ditos “normais”. Numa carreira que nunca se reencontrou após o sucesso de The X-Files, Hank Moody é a nova bomba relógio, o novo homem em queda e sempre contra o mundo. Não sei se é um renascimento profissional; mas sei que para mim, Fox Mulder morreu. Sem Duchvny, Californication não teria metade da sua humanidade e do seu realismo. Consequentemente, sem Duchovny, Californication não teria metade do seu interesse.

03 março 2008

Filmes do Mês - Fevereiro de 2008

Cinema

Daqui prá frente de Catarina Ruivo (3)
Sweeney Todd de Tim Burton (8)
Cassandra's Dream de Woody Allen (4.5)
Juno de Jason Reitman (6)

Casa

We own the night de James Gray (8.5)
The Royal Tennenbaums de Wes Anderson - revisão (8)
Á Nous Amours de Maurice Pialat - revisão (9)

Séries

Californication de Tom Kapinos (7.75)

90's

A convite do Daniel, cá vai alho:

1. Close-up de Abbas Kiarostami
2. Crash de David Cronenberg
3. Magnolia de P.T. Anderson
4. Tudo sobre a minha mãe de Pedro Almodovar
5. O Sabor da Cereja de Abbas Kiarostami
6. Unforgiven de Clint Eastwood
7. Jackie Brown de Quentin Tarantino
8. Goodfellas de Martin Scorsese
9. Pulp Fiction de Quentin Tarantino
10. Ed Wood de Tim Burton