24 fevereiro 2010

Fucking & Punching (Californication em versão Gonzo)





Na altura, deixei aqui grandes reticências relativamente ao modo como o argumentista Tom Kapinos iria conseguir dar uma segunda temporada a Californication. No final da primeira, apesar do "cliffhanger" do romance roubado, tudo parecia resolvido, pelo menos o mais importante. Hank tinha recuperado a família, tudo parecia encaminhado. Por isso, o meu obrigado à equipa que produziu e realizou a segunda temporada de Californication, continuando a dar-nos uma das mais estimulantes e hilariantes séries de televisão contemporâneas. Daquelas que nos fazem ter vontade de ter uma garrafa na mão e guiar um Porsche todo fodido por Mulholland.

Se dúvidas havia acerca de como perpetuar esta história, Kapinos resolveu-as criando diversas narrativas paralelas: as aventuras “baixo coturno” de Charlie Runkle, vicio e pornografia à mistura; a possível nova paternidade de Hank, o vicio da cocky smurf, como lhe chama Moody; ou, sobretudo, the life and times of Lew Ashby, produtor musical que não desdenharíamos, pela vida que leva e pelo mundo interior que, apesar de tudo, ainda vai tendo, ver almoçar com Frank Zappa ou gravar Vol. 4 com os Black Sabbath. Ao redor de tudo, Hank e Karen como uma das mais belas histórias de amor do nosso tempo, dois seres que se amam até à morte mas que, por isto, aquilo ou aqueloutro, acabam sempre separados.

Mas a segunda série marca também o aprofundamento da personagem Hank Moody . A lover, not a hater, diz Mia (que é precisamente o contrário…). Alguém que perdoa sempre tudo e a quem nada é perdoado. Com uma conduta moral perfeitamente delimitada, a quem tudo acontece e que sonha com uma redenção que, a vir, estará sempre longe demais. E que nunca deixou de se apaixonar por cada mulher que conheceu, por dez minutos ou dez anos. Fox Mulder, enfia os homenzinhos verdes pelo cú acima que é o que fazes melhor. David Duchovny, no trabalho da sua vida, volta a mostrar como a decadência assenta melhor aos belos.

E, por último, há aquela cidade. Devorando quem por ela passa, semeando seres sós. Como um Coronel Kurtz que escreve livros em vez de os habitar, é dela que Moddy tira os seus estímulos. E é dela que Moody recebe as suas ordens. E é por causa dela que está perdido.

23 fevereiro 2010

Sumaríssimos (11)


Depois de O Maldito United, o novo filme de Ken Loach, Looking for Eric, é a segunda fita britânica em pouco tempo com o futebol como pano de fundo. Filme sobre as fantasias que criamos para nos proteger, sobre segundas oportunidades e sobre a solidariedade da classe operária britãncia, é uma obra de ritmo fácil, que junta um ou outro grande momento (o raid da polícia à casa de Eric; a vingança dos carteiros Cantona) ao cânone de Loach. Não é tão bom quanto o cortante Chuva de Pedras (1994), mas ninguém pode dizer que não resulta. Sobretudo, tem uma excelente sequência: a da conversa sobre a transformação do Man United de clube popular em símbolo do sucesso globalizante e desigual. É quem ficou de fora desta mutação que Loach continua a acompanhar, num percurso que, quando muito, só pode pecar por excessiva coerência. E ainda bem.

21 fevereiro 2010

Um dia na vida


I read the news today oh boy

About a lucky man who made the grade

And though the news was rather sad

Well I just had to laugh

I saw the photograph


He blew his mind out in a car

He didn't notice that the lights had changed

A crowd of people stood and stared

They'd seen his face before

Nobody was really sure

If he was from the House of Par.


I saw a film today oh boy

The English Army had just won the war

A crowd of people turned awaybut I just had to look

Having read the book


I'd love to turn you on


Woke up, fell out of bed,

Dragged a comb across my head

Found my way downstairs and drank a cup,

And looking up I noticed I was late.

Found my coat and grabbed my hat

Made the bus in seconds flat

Found my way upstairs and had a smoke,and

Somebody spoke and I went into a dream


I read the news today oh boy

Four thousand holes in Blackburn, Lancashire

And though the holes were rather small

They had to count them all

Now they know how many holes it takes to fill the Albert Hall.


I'd love to turn you on..................................................................


A Day in the Life, The Beatles

17 fevereiro 2010

Como se já não bastasse tê-lo visto, também perdi tempo a escrever sobre ele...

Já não é de agora: de quando em vez, os Coen perdem-se por entre uma vontade arty que só prejudica os objectos em causa. O melhor exemplo é Barton Fink: visualmente apelativo, com meia dúzia de ideias, neste caso sobre a época áurea de Hollywood, mas estéril quando reduzido à sua essência. Outro exemplo é o absolutamente bacoco O Brother, Where Art Thou, desenxabida transposição da Odisseia para um contexto norte-americano sulista. É pena, pois quando se preocupam apenas em filmar de frente, sem peneiras ou tiques, tendem a fazer belos filmes – o ponto onde atingem o equilíbrio é o ultra-maneirista mas consequente Blood Simple.

A Serious Man é o mais recente falhanço de uma carreira que nelas tem sido pródiga, e entre esses falhanços ocupa um dos locais cimeiros. Filme sobre as coisas más que acontecem a pessoas boas, passado nos anos 60 num subúrbio do Minnesotta e que segue um homem a quem tudo parece correr mal, pessoal e profissionalmente, descamba muito cedo. Explicitamente, no prólogo que tenta situar a narrativa num âmbito ancestral, com uma maldição judaica decorrente de um hipotético encontro de um casal com um fantasma. O problema é que esse prólogo, de tons tarkovskianos, é de utilidade e interesse muito duvidosos. O que se segue é do mesmo nível, desde os momentos mais derivativos dos filmes de Woody Allen até ao plano final absolutamente vazio, num filme que se compraz com a destruição sucessiva da sua personagem principal e que, por entre um pretenso simbolismo irritante, não tem um único momento memorável. O que parece evidente é o seguinte: perante a ausência de conteúdo, os Coen tudo fizeram para insuflar a forma. Não conseguiram e esteticamente este filme, quando não apenas enfadonho, é simplesmente grotesco. A Serious Man é para esquecer.

10 fevereiro 2010

Cagandamerda!


Se quiserem ver como se desbarata o crédito amealhado com dois filmes que vieram subir o nível da carreira dos irmãos Coen nos últimos dez anos, vejam A serious man. Isto é, se quiserem perder duas horas da vossa vida.


(A explicitar em breve)

01 fevereiro 2010

Cinema de época


Era simpático, Juno (2007). Filme pequenino, orgulhoso de si mesmo, que sofria apenas com um certo “fazer independente”, um conjunto de tiques que, no limite, por vezes formatam o cinema independente norte-americano de uma forma tão opressiva quanto o mais banal cinema comercial. O orgulho mantém-se em Nas Nuvens, mas este é um filme crescido, para adultos e que será decerto recompensado, pelo menos em nomeações, pela Academia. Filme sobre estratégias de sobrevivência e a forma de as ultrapassar em direcção a algo mais, conta com um extraordinário desempenho de George Clooney, versão crápula irresistível, no papel de Ryan Bingham, profissional do despedimento que estruturou toda a sua vida em redor da eficiência nas constantes viagens de avião e que anseia por angariar dez milhões de milhas de passageiro frequente. Até que o contacto com um equivalente feminino (regular Vera Farmiga) e com uma recém-licenciada da Ivy League (a revelação Anna Kendrick) o lembrarão do que anda a perder.


Vamos por partes: metade de Nas Nuvens é absolutamente fascinante e eminentemente recompensadora. Nela, explora-se Bingham, os mecanismos que povoam o seu mundo, o seu isolamento e a sua perturbante amoralidade, pessoal e profissional, que o tornam um delicioso exemplo máximo do capitalismo que, a um tempo, conduziu à presente crise e dela colhe os lucros – Billy Wilder teria gostado da personagem. Sobretudo, é nesta parte que há exemplos, do mais humano e comovente que vimos, dos efeitos reais da crise, na pessoa daqueles que são despedidos. Com The Girlfriend Experience de Steven Soderbergh é, até agora, o mais pertinente olhar sobre as alegrias que Wall Street nos trouxe nos últimos anos. No entanto, o realizador Jason Reitman (filho do tarefeiro Ivan), que filma com competência e alguma personalidade, não resiste a puxar Bingham para o reino da moral familiar e comezinha, que tem todo o seu encanto mas, esteticamente, é uma opção desinteressante, que acaba por amputar o efeito do filme.


Se o final o redime parcialmente, devolvendo Bingham à solidão que o caracteriza, deve-se prezar menos a coragem de um final infeliz moralista (a oportunidade de Bingham ser como os demais perdeu-se, devia ter pensado nisso antes) do que a tal componente “política” do filme: Bingham, enquanto emissário da crise, estará condenado ao purgatório das viagens constantes enquanto esta continuar. Afinal de contas, Nas Nuvens é um filme de época. A nossa.