31 dezembro 2011

2011 - Filmes

Foi um ano de muitas falhas. Todas as listas são seguramente provisórias, mas esta é mais que a dos outros anos. Aqui vai:

1. Sangue do meu sangue de João Canijo
2. Isto não é um filme de Jafar Panahi
3. O estranho caso de Angélica de Manoel de Oliveira
4. Meek's Cutoff de Kelly Reichardt
5. Essential Killing de Jerzy Skolimowski
6. Road to Nowhere de Monte Helman
7. True Gritt dos irmãos Coen
8. Winter's Bone de Debra Granik
9. Tournée de Mathieu Almaric
10. Another Year de Mike Leigh

BOM 2012!

28 dezembro 2011

2011 - Discos (Ordem Alfabética)

Bon Iver - Bon Iver
Death Cab for Cutie - Codes and Keys
Feist - Metals
Fleet Foxes - Helplessness Blues
James Blake - James Blake
Linda Martini - Casa Ocupada
Metronomy - The English Riviera
Paus - Paus
PJ Harvey - Let England Shake
Real Estate - Days
The Black Keys - El Camino
Tom Waits - Bad as Me

26 dezembro 2011

2011 - Livros


Em termos de livros, 2011 foi marcado essencialmente por dois escritores.


Um, o norte-americano Jonathan Franzen, e Freedom (2010) e The Corrections (1999), lidos por esta ordem, dois preciosos frescos de duas épocas diferentes filtrados pelo olhar de duas famílias do Midwest, pais e filhos em busca da melhor forma de lidarem com as suas vontades e desejos. Extensos e pormenorizados, ou não fosse Franzen um seguidor da escola russa do seculo XIX, são dois livros fantásticos para se compreender as respectivas épocas em que foram escritos.


Outro, o português João Tordo e O Bom Inverno (2010) e Hotel Memória (2008), também lidos por esta ordem. O primeiro é um extraordinário romance contemporâneo, cinematográfico e acessível, onde a premissa "à Antonioni" é desenvolvida com destreza e de forma empolgante. O segundo é um livro menor, mais fragmentado e com uma evolução narrativa desigual, que ainda assim não esconde o talento do seu autor.




Menos importante durante o ano que correu foi a leitura de dois tomos de Roberto Bolaño. Depois da leitura marcante de 2666 (2004), Estrela Distante (1996), novela sobre um escritor chileno desaparecido de tons autobiográficos e Nocturno Chileno (2000), febril noite de recordações de um padre poeta e crítico literário passando em revista uma vida cheia de eventos, aparecem como que ensaios para o livro supra-citado, compêndio das obsessões do autor. O primeiro ainda é um livro embrionário, segunda tentativa de um escritor marcado para voos mais altos, o segundo se aproxima mais, no seu onirismo e no seu stream of consciousness, do virtuosismo que depois lhe seria reconhecido. Ainda assim, continuo a achar que a leitura das mil páginas de 2666 poderá facilmente substituir a destes dois pequenos livros.


De resto, houve Livro (2010) de José Luis Peixoto, um Peixoto menor, competente mas a faltar-lhe o fôlego e a originalidade de Nenhum Olhar (1999); O Tigre Branco (2008) de Aravind Adiga, entusiasmante olhar sobre os novos ricos da Índia enquanto potência emergente; Aproveita o Dia (1956), a minha saborosa introdução aos homens em queda de Saul Bellow; comecei a ler o apocalipse dos trabalhadores (2008) de valter hugo mãe, mas não apreciei nem o tom sentimental omnipresente nem a grafia apenas em caracteres minúsculos; seis anos depois de o adquirir, terminei finalmente a leitura de The Plot Against America (2005) de Philip Roth, extraordinario “what if” histórico onde o autor se confronta não com a posição histórica dos judeus na América como com as tendencias isolacionistas de alguma direita republicana; e, com Extensao do Dominio da Luta (1994), estreei-me na obra de Michel Houelbecq com uma novela tremenda de mal-estar civilizacional e desespero urbano, com um estilo afiado e conciso num ambiente geral de cortar a faca.



Como o Natal trouxe Just Kids (2011) de Patti Smith e Anatomia dos mártires (2011) de João Tordo, serão esses os primeiros livros a ser lidos em 2012.

12 dezembro 2011

O apocalipse privado de Lars von Trier


O impulso apocalíptico prende-se amiúde não com qualquer fenómeno intrinsecamente natural ou independente dos humanos mas, precisa e limitadamente, com aquilo que é mais humano. No limite, é mais um fenómeno em que os seres humanos projectam toda a sua culpa, a um tempo lamentando quer a morte quer o sofrimento que tal acontecimento traria mas igualmente exultando não só na libertação do sofrimento causado pela vida como na expiação final de todos os seus pecados. É isso que explica a marcação constante de datas para o fim do mundo (2012 como antes 2000) bem como as múltiplas indústrias que se constroem sempre à volta do fim iminente.

É assim também Melancholia, novo filme de Lars von Trier, que como o anterior Antichrist serve de purga que o próprio realizador faz pela depressão de que padece há alguns anos. A história de duas irmãs que se confrontam com o embate de um planeta chamado Melancholia com a terra e que, no meio deste acontecimento extremo, gerem as suas vidas e os sentimentos face a tudo o que os rodeia, apresenta o apocalipse como a única saída, o fim natural e purificador de um mundo que se tornou maligno em todas as suas vertentes. É, mais do que qualquer outra coisa, da sua mundividência (auto-)destrutiva de que von Trier fala e o mais estranho é que o faça num filme esteticamente tão trabalhado.

Reminiscente tanto dos Dogma que fez no meio da década anterior, na sua câmara à mão e som directo, quanto de Visconti e Resnais (respectivamente, nos momentos mais épicos que tem e no jardim onde grande parte do filme tem lugar, que parece retirado de O Último Ano em Marienbad), Melancholia tem como principal característica o vazio que o percorre. Para um filme tão preenchido visualmente (mais um falhanço no prólogo wagneriano, a fazer lembrar os piores momentos de Antichrist; tons omnipresentes de dourado na sequência do casamento a contrastar com azul quando o planeta se aproxima; e uma atenção quase maníaca ao enquadramento, sobretudo num filme que depende tanto da câmara à mão), todas as personagens, mesmo aquelas a que Kirsten Dunst e Charlotte Gainsburg emprestam a sua generosidade, falham em espessura e algumas delas, mormente os pais Charlotte Rampling e John Hurt e o planeador Udo Kier parecem estar lá mais para fazer um número e sairem de cena do que para serem parte integrante do filme. Acontece que, por uma vez, todo este vazio, que em von Trier era cada vez mais uma falta de ideias e uma certa incapacidade para perceber para onde iria a sua própria carreira, aparece aqui, neste filme longo mas de enredo esparso e com muito espaço entre cada cena, como parte integrante do objecto, da supra-citada mundividência e menos como um tique catastrofista de cineasta diletante com jeito para o escândalo fácil. Que von Trier tenha deixado o escândalo para uma conferência de imprensa a raiar o patético só abona a favor de Melancholia.

Por mim, não tendo gostado particularmente, há muito que não gostava tanto de um filme de von Trier (talvez desde Dogville). Há momentos que considero sublimes (a cena final, culminar da catástrofe em surdina num dénouement simultaneamente explosivo mas trabalhado de modo a afastar-se dos filmes à Roland Emmerich, procurando que à catarse moral equivalha uma catarse pictórica; a apoteose aquando da primeira passagem do planeta, uma lindíssima cena familiar por onde, pela única vez neste filme, passa um sentimento de amor à vida e à beleza), contrabalançado por toda a narrativa exangue e vazia com que von Trier enche os restantes minutos e que, como referi anteriormente, faz sentido mas não faz do filme uma obra-prima. Porém, há muito tempo que não tinha qualquer esperança de que von Trier voltasse a fazer um filme ao nível de Europa ou Breaking The Waves. Que parte, ainda que mínima, dessa esperança tenha renascido é a principal vitória do dinamarquês.

05 dezembro 2011

O Amor de um Psicopata


Era claro, para quase toda a gente, que o cinema de Pedro Almodóvar precisava de um choque eléctrico. Los Abrazos Rotos era um filme frouxo, estéril, derivativo, que não adiantava nem atrasava nada relativamente à filmografia do espanhol. La Piel que Habito tenta, de forma muito concreta, ser o contraponto a esse filme, pegando nas obsessões habituais, aqui filtradas pelo romance Tarantula de Thierry Jacquet, e tenta reanimá-las à força. Falha, embora na minha opinião não tão clamorosamente quanto alguns, inclusivamente parte do grupo que come tudo o que o "génio" Spielberg lhes enfia pela boca abaixo, querem afirmar.

Se esta história de um cirurgião plástico com toques de psicopatia e da sua relação obsessiva com a "mulher" que rapta e a quem dá uma nova pele, é efectivamente um falhanço, não o é tanto por motivos formais. Almodóvar, autodidacta das formas fílmicas, continua destro na filmagem e organização do filme não se coibindo inclusivamente de organizar o núcleo central da obra em duas analepses virtuosas no estabelecimento das motivações iniciais da narrativa. Adicionalmente, consegue algumas imagens assombrosas, nomeadamente na sequência do rapto e nos momentos que Antonio Banderas (em bom nível) aparece filmado contra o plasma gigante que projecta a imagem de Vera. Todos estes momento positivos têm, porém, de conviver com a sequência do assaltante mascarado de tigre, que parece vir de outro filme e que se conta entre os momentos menos conseguidos da carreira do cineasta.

Os principais problemas de La Piel que Habito centram-se, então, no argumento. Em primeiro lugar, pela sua inverosimilhança. Todo o desenvolvimento narrativo é demasiado escabroso para ser provável e e o espectador questiona frequentemente se o realizador não terá ido longe demais na premissa que escolheu para o filme. Em segundo lugar, porque toda a estética de choque aqui parece demasiado premeditada, pouco orgânica, uma acção concerta no sentido de recuperar a iconoclastia com que, antes da inflexão com A Flôr do Meu Segredo (1994), era identificado. Em terceiro e último lugar, porque enquanto os seus melhores filmes se configuram como uma metáfora da Espanha pós-franquista, este quer apenas o "thriller" pelo "thriller", num vazio conceptual (apesar de uma ou duas referências à bio-ética) que, longe de o tornar mais abstracto, apenas lhe retira força e eficácia, sem sequer aflorar as questões de género e identidade sexual que uma história deste tipo necessariamente gera.

Tivesse todo o filme a secura e a economia do "dénouement" e a conversa seria outra. Por um lado, prefiro esta tentativa de mudança, com todos os seus desequilíbrios, à normalidade passiva do filme anterior. Por outro, até eu, fã assumido de Pedro Almodóvar, começo a notar o progressivo esgotamento criativo do seu cinema. Talvez uma pausa mais prolongada do que o habitual lhe fizesse bem, para voltar com a verve que lhe é reconhecida.

28 novembro 2011

Frio e clínico


Por esta altura, a ladainha dos filmes "pouco cronenberguianos" de David Cronenberg começa a não fazer sentido. Quanto mais não seja pela quantidade de filmes "pouco cronenberguianos" já existentes, estes começam a constituir um grupo suficientemente grande para terem de ser vistos como parte integrante da filmografia do canadiano. A Dangerous Method é um desses filmes e um, apesar de tudo, com o seu quê de misterioso.

Adaptado de uma peça de Christopher Hampton (autor da versão de palco de Dangerous Liaisons), A Dangerous Method retrata o triângulo intelectual, com o seu jogo de afinidades e sentimentos, entre Carl Jung, Sigmund Freud e Sabina Spielrein, quer na relação sentimental que Jung manteve com a sua paciente tornada médica, quer na relação mestre/discípulo de Freud com Jung e as ríspida cisão que se deu entre ambos, mantendo-se o primeiro firme nas suas crenças científicas e avançando o segundo para terrenos mais "místicos". Afinal de contas, a ciência e o seu conflito com os desígnios insondáveis do ser humano sempre foram a temática de eleição de Cronenberg e aparecem aqui perfeitamente consubstanciados na evolução dos dois psicanalistas.

Aqui há uns tempos, quando revia Scanners (1981), pensava em como, pese embora a (pós-) modernidade evidente dos seus temas, Cronenberg sempre filmou de forma clássica. A Dangerous Method confirma o classicismo do cineasta, a sua forma de filmar racional e clínica, aqui auxiliada não apenas pela económica reconstituição de época como por um argumento baseado em pormenores, nos diálogos densos e nas diferentes entoações, tudo num contexto quase bergmaniano no tratamento da temática da patologia e da doença. Não há, para todos os efeitos, qualquer emoção ou sentimento em A Dangerous Method e cada qual decida se isso é bom ou mau.

E mais não sei dizer. Confesso achar A Dangerous Method desconcertante, não sabendo muito bem o que achar dele, em todo o seu lado teatral, frio e analítico. Do mesmo modo que só a uma segunda visão me apercebi da magnitude de A History of Violence (2005) e da qualidade de Eastern Promises (2007), creio que também só após uma revisão verei este filme em toda a sua profundidade. O que, por sua vez, não implica que não o considere uma obra que de forma alguma desmerece o estatuto merecido de mestre contemporâneo justamente atribuído a David Cronenberg.

23 novembro 2011

O carro era uma mulher!



Quando Christine (1983) surge, John Carpenter vinha de diversos tiros certeiros seguidos. A verdade é que depois de Assault on the 13th Precint, Halloween, The Fog, Escape from New York e The Thing, muito do que hoje associamos de mais mítico ao cineasta, que com o tempo se tornou cada vez mais raro, já estava feito. Christine, das poucas, se não mesmo a única, adaptação literária que me lembro de Carpenter ter feito, não partilha desse mesmo estatuto. Pode-se até dizer que, juntamente com o seguinte Starman, forma uma dupla de filmes considerados menores, antecipando um pouco o que viria a ser a carreira de Carpenter, com filmes idolatrados pelos fãs mas que passam ao lado do grande público.

O lado mais apelativo de Christine prende-se com o seu retrato e exposição da mentalidade adolescente que, longe de datado, aparece como transversal. Arnie Cunningham, interpretado pelo futuro realizador Keith Gordon, é o marrão típico, com dificuldades em abrir cacifos e ainda mais em arranjar miúdas. Quando compra um Plymouth Fire de 1958 por 250 dólares a um velhote sinistro, a sua personalidade passa por uma metamorfose ímpar: rebela-se perante os pais, começa a namorar com a miúda jeitosa acabada de chegar ao liceu 8Alexandra Paul na fase pré-Baywatch) e passa a vestir-se como um rebelde sem causa dos anos 50, dedicando o melhor da sua existência à viatura que apelida com o título do filme. No limite, o que vemos é o carro, na sua componente mais fetichista, servir como catalisador da masculinidade e da independência de um jovem, dando-lhe a força que ele não sabia ter mas, de caminho, colocando-o numa espiral maníaca de obsessão que o afasta de todos e culmina num final trágico.

Ah, o carro também corresponde aos sentimentos exarcebados de Arnie e mata quem se mete no seu caminho, demonstrando toda uma série de comportamentos humanos bem como uma inesperada capacidade de auto-regeneração. Fruto da imaginação de Stephen King, que no início dos anos 80 era adaptado por mestres a uma velocidade avassaladora (lembremos o Shinning de Kubrick e o Dead Zone de Cronenberg), o imaginário automobilistico encontra aqui uma utilização dupla: por um lado, sempre foi um simbolo de independência e liberdade de movimentos bem como da sua posse como ritual de passagem à idade adulta, no que funciona como metáfora da transformação da personagem principal, e como símbolo da América, naquilo que esta de mais industrial e simbólico tem. Este lado americano, aliás, encontra perfeita correspondência perfeita em todo o imaginário visual do filme, que filtra os anos 50 de que Carpenter tanto gosta através dos anos 70, no retrato dos subúrbios como nas roupas das personagens, desde o herói vestido à personagem dos filmes de Nicholas Ray ao vilão com casaco de cabedal e calças de ganga. Como os melhores filmes de Carpenter e de terror em geral, Christine encerra também em si um exacerbado aspecto moralista. Se em Halloween quem sobrevivia era a única adolescente que não cedia às tentações da carne, aqui quem destrói o carro são os dois jovens bem comportados, aqueles que, ao contrário da personagem principal, não tentam mudar de posição social nem desrespeitam os adultos.

Há ainda que referir a qualidade técnica generalizada do filme, desde a belíssima fotografia à iluminação (notáveis as cenas de perseguição em que a viatura é filmada como se fosse Michael Meyers), passando pelo elenco cheio de “character actors” de qualidade, terminando nos efeitos especiais das cenas de reconstrução claramente feitas com o rebobinar da película à magnífica cena em que o carro, para matar um bully, entra por um beco no qual não cabe, num saber fazer artesanal de que vamos sentir falta quando, mais dia menos dia, Hollywood fizer um remake cheio de CGI.

Para se apreciar totalmente Christine, tem de se saber ultrapassar o rebuscado, para não dizer ridículo, da premissa, tipica de Stephen King na sua inverosimilhança. Em bom rigor, não o consigo fazer, até por não me rever nos valores de masculinidade assolapada verificados no automobilismo e no fetichismo que muitos atribuem aos seus carros. Não me sinto, então, tão próximo deste filme quanto de outros do cineasta, desde cedo alguém cujos filmes aprendi a prezar como preciosidades (por influência do meu ex-padrasto, Starman foi um dos filmes que mais vi na minha infância). O que não significa que não deixe de lhe reconhecer a coerência, a qualidade estética e a proficiência de recursos que exibe a cada momento.

16 novembro 2011

Claustrofobia a céu aberto

The Red Badge of Courage (1951) aparece-nos hoje como um objecto problemático. Em primeiro ligar, porque foi adulterado pelo estúdio depois de visionamentos de teste mal sucedidos, que lhe juntou a narração e a introdução a referir conspicuamente a componente de adaptação literária do romance homónimo publicado em 1895 por Stephen Crane. Por outro, aparece na filmografia de John Huston entre The Asphalt Jungle (1950) e The African Queen (1951), possibilitando que seja ignorado a não ser pelos grandes fãs do realizador. Só mesmo estes factores impedem que seja um filme tido como um dos melhores do cineasta, uma quase obra-prima cujo estatuto poderia ter crescido não fossem os factores acima referidos.

História de um jovem combatente na Guerra Civil americana que, durante a primeira batalha em que participa, foge assustado e tem de lidar com a sua consciência depois de ter fugido, The Red Badge of Courage está na exacta antítese dos panegíricos da Cavalaria realizados por John Ford. Em primeiro lugar, porque não se foca tanto na ética e na nobilidade do exército quanto nos tempos mortos da vida militar, as caminhadas, as marchas e os rituais massificadores, mais do que em batalhas e em momentos de acção. Em segundo lugar, porque este é um filme sobre o horror da guerra e sobre a cobardia humana, trocando o que há de heróico na guerra por um olhar aproximado no conflito moral surgido do medo em estado puro. E é, também, um filme sobre as dificuldades de assunção da masculinidade num contexto em que, mais do que exigida, esta é ritualizada e implementada a cada momento.

O que acaba por ganhar The Red Badge of Courage, para lá de todos os problemas que o filme enfrentou, é a forma como Huston gere brilhantemente os meios para atingir os seus fins. Não apenas na forma como filma, com predominância dos grandes planos, com uma personagem à frente, de um dos lados e a outra mais atrás, do lado contrário, potenciando uma claustrofobia a céu aberto que transmite muito bem o medo e o nervosismo das personagens, mas também na escolha de um elenco onde os actores principais, desconhecidos, eram veteranos da Segunda Guerra Mundial. Tamanho realismo e destreza na transmissão das suas ideias acaba por tornar desnecessária a narração; The Red Badge of Courage sobreviveria perfeitamente no silêncio que se confunde com o medo. Ainda assim, excelente filme, ainda para mais disponível no Youtube.

08 novembro 2011

Dardenne, agora a cores



No edificio que os irmãos Dardenne vêm construindo desde meados dos anos 90, Le Gamin au Vélo representa a mudança de tom que o anterior Le silence de Lorna(2008) já antecipava. Por um lado, embora isso não explique tudo, é um filme rodado no Verão, muito menos cinzento do que os anteriores. Por outro, a cinematografia sublinha as opções pictóricas dos cineastas, que aqui optam por corres berrantes, nas roupas dos actores como nos próprios cenários, num todo mais quente e que acaba por tornar este no filme mais acessível que os belgas fizeram até agora.

Cyril, o miúdo do título, é mais um dos meninos selvagens retratados pelos belgas, em que a violência congénita dos que têm de aprender a virar-se sozinhos convive com uma necessidade avassaladora de ser amado, mormente pelo pai, que procura avidamente sem grande sucesso. Este, interpretado pelo habitual Jeremie Renier, é o maior repositório da amoralidade que marca os filmes dos Dardenne, e depois de demonstrar por todos os sinais de que não está interessado, pelos seus próprios interesses, em tê-lo sob o seu cuidado, afirma-o premptoriamente perante a criança. É então que é adoptado por Samantha (Cécile de France, a primeira actriz “famosa” do cinema europeu a filmar com os realizadores), que parece apostada em lhe dar o lar que nunca teve. E aí aparece Wes, dealer adolescente que convence Cyril a entrar num assalto que acaba por correr mal.

A mudança de tom não muda, no entanto, o fulcro do cinema dos Dardenne e, mesmo com as suas diferenças, continua um tijolo no edifício coerente, sólido e bressoniano erigido desde La Promesse (1996). Não só no estudo das suas personagens e no retrato do meio social em que se inserem, como na própria estética persecutória, sempre atrás das personagens, muitas vezes seguindo-as quando estão de costas. Aqui, porém, tudo é mais quente, o universo, em toda a sua dor, é mais acessível e, nesta sua permeabilidade, mais eficaz. Aqui, inclusivamente, na estrutura tripartida (primeiro, a procura do pai; depois, a indefinição entre as figuras paternais; por último, as consequências do assalto que Cyril perpetra) é um filme que até se pode referir ter morais muito concretas, quer no seu estudo do amor incondicional de Samantha (que abdica da sua relação sentimental por Cyril) quer pela lição que o miúdo vai aprendendo: a de que todas as acções acarretam consequências.

Na sua menor austeridade, Le Gamin au vélo consegue acabar como um “feel good movie”, onde, ao contrário do que costuma acontecer, parece ficar presente a ideia de felicidade por vir. É, a um tempo, uma mudança radical e uma continuação de percurso. E, juntamente com Rosetta (1999, completamente inverso no seu desespero e no seu cinzentismo), é o meu filme preferido dos Dardenne.

21 outubro 2011

Mudar de ares faz bem



No inter-rail em que se transformou a carreira de Woody Allen nos últimos anos, a primeira paragem é sempre a melhor: veja-se o exemplo de Inglaterra, onde Cassandra’s Dream e You Will Meet a Tall Dark Stranger não conseguiram acompanhar o nível de Match Point; e especule-se sobre se, voltando à Catalunha, Allen conseguiria replicar os resultados amplamente positivos de Vicky Cristina Barcelona. Chegados a Paris, aproveitando todo o charme e toda a história da cidade, Allen opta por uma comédia romântica esdrúxula, nostálgica e apostada em encantar o espectador. Consegue-o. Mesmo não sendo uma obra-prima, Midnight in Paris é um dos mais agradáveis filmes de Woody Allen em décadas e um onde, contaminado talvez pela cidade-luz, se mostra mais optimista e menos cínico do que alguma vez me lembro de o ver.

E isso é visível desde logo na escolha de Owen Wilson para alter-ego de Allen, muito longe, por exemplo, do cinismo destrutivo de Kenneth Brennagh em Celebrity. Em Paris numa viagem que antecede o seu casamento com a materialista e acelerada Inez (Rachel McAdams de tom correcto), com a qual é, desde o início do filme, vincadamente incompatível, o escritor Gil Pearson, angustiado pela incapacidade de passar de argumentista sensaboração de Hollywood para escritor de pleno direito, começa a passear à noite por Paris, até lhe ser dada uma boleia, num Peugeout antigo, por nada menos que F. Scott e Zenda Fitgerald. O percurso que acompanhamos, num filme que, como muitos Allen, parece ser cronometrado para não ultrapassar a hora e meia, é o de uma descoberta e um espanto quase infantis de todas as figuras que perfazem o modernismo parisiense, desde Ernest Hemingway e Gertrud Stein a Buñuel e Dali, todos caricaturados de acordo com as suas personas históricas (Fitzgerald mortificado pelo seu amor por Zelda, Hemingway sempre lapidar e másculo, Stein matriarcal e pragmática). Aí, nesse mundo que Allen retrata através de tons dourados e quentes e sem nunca o definir liminarmente como imaginação ou sonho, por entre uma Marillon Cottillard luminosa e uma Carla Bruni meramente decorativa, Pearson, que via os anos 20 parisienses como uma era dourada, descobre que os seus habitantes também viam noutras épocas aquilo que a sua não possuía. O que o futuro escritor percebe é que se o passado permite chegar a um presente e melhorá-lo pela experiência e pela memória, permitindo assim o futuro, é que também há um caminho no momento presente para ser traçado e aspectos positivos a descobrir. Não há, então, “épocas douradas”, todas as épocas terão as suas vantagens para quem as quer descobrir. A nostalgia é agradável mas não deve ser impeditiva.

Será que podemos ver aqui um explanar da posição de Allen numa altura em que a sua carreia, do ponto de vista crítico e popular, já viu melhores dias? Creio que sim. Midnight in Paris é um bom Allen, uma auto-afirmação de vitalidade de um cineasta dado como preso na rotina do extertor final da sua carreira e que parece aparecer aqui mais leve, mais despreocupado e até mais sedutor do que ultimamente. Veremos se consegue, caso haja uma segunda obra em Paris (ou no próximo filme, que terá lugar em Roma), manter o bem que lhe fez a mudança de ares.

09 outubro 2011

Portugal no Coração


Aqui há uns tempos, queixei-me de que havia poucos filmes portugueses que falavam da “vida real”, dos subúrbios, das dificuldades financeiras, do ambiente desesperançado, utilizando o vernáculo comum. Não é preciso procurar mais: Sangue do meu sangue é esse filme. Pela primeira vez desde que me lembro, vejo um filme nacional com uma sopeira como personagem principal (Rita Blanco para a qual faltam adjectivos, a mostrar a tremenda actriz que é) secundada por uma filha que tenta superar as limitações do seu meio, cursando enfermagem (belíssima Cleia Almeida), por uma cabeleireira (excelente Anabela Moreira), com personagens que trabalham no Pingo Doce e com dealers em bairros degradados. As ruas estão escuras e sujas, cheias de grafitti e, pormenor fundamental, por trás de toda a acção, aparecem as telenovelas da TVI, os programas de televisão vespertinos e as canções de Tony Carreira. É como se, tendo sempre procurado o “país real”, Canijo o tivesse encontrado com maior veemência e maior relevo não no interior desertificado, mas nos subúrbios onde se tenta viver por entre o aguentar, nas enormes períferias urbanas geralmente preteridas por histórias passadas nos meios mais abastados. Parecendo esta alteração do Portugal profundo para os subúrbios coisa pequena, ao seguir a evolução demográfica o filme ganha mais actualidade, os cenários tornam-se mais reconhecíveis e adquire um lado quase documental. Portugal 2010/2011 passa mais por aqui do que por qualquer outro filme/livro/disco que tenha ouvido.

E, ao mesmo tempo, como em Noite Escura (2004), também aqui estamos sobre a égide da tragédia grega. Todas as personagens de Sangue do meu sangue sofrem precisamente pela sua hybris, pelo desafio ao destino que fazem, por tentarem viver as suas vidas fora das limitações que o seu contexto lhes impõe. Márcia, a matriarca da família, sofre as consequências de uma noite de sonho há vinte e tal anos; Cláudia paga não só pelos pecados da mãe como pela sua vontade de extravasar o seu meio, deixando o namorado de sempre por uma paixão perigosa por um professor; e Joca, o filho mais novo, acaba por arrastar a tia num percurso perigososo, por tentar ultrapassar a hierarquia do mundo em se escolheu movimentar. Neste contexto, a solução ou o paliativo para este sofrimento acaba por ser o sacrifício pessoal, as coisas que as personagens, sobretudo a mãe e a tia cabeleireira, optam por fazer para manter a unidade familiar, para proteger o futuro e por amor àqueles que as rodeiam. Por muito disfuncional ou esquálida que pareça aquela família, é a realidade que aquelas pessoas conhecem e a que pertencem e por ela dão tudo o que têm. É também sobre isso que fala Sangue do meu sangue, sobre a capacidade de amar do "bas fond" português e é esse facto que o agiganta, que o transforma de uma simples crónica familiar num épico proletário em surdina, um filme naturalista e que disseca toda uma facção do povo português.

Atinge aqui o seu corolário o percurso que João Canijo começou com Sapatos Pretos (1998 – se calhar até antes, que as duas primeiras longas, Três Menos Eu e Filha da Mãe escaparam-me), de mostrar o Portugal dos nossos dias, os seus recantos escuros, as suas limitações, o seu atavismo mas também as suas superações, a sua generosidade e a sua beleza. Não sei o que fará a seguir, mas Sangue do meu sangue parece um fim de ciclo. Sei apenas que pela sua força, pelos seus actores (de referir, por exemplo, os sempre excelentes Nuno Lopes e Beatriz Batarda em papéis secundários), pelo retrato que faz de um país por onde não passaram fundos europeus ou expos nem passarão tgvs ou fundos de resgate, é uma obra monstruosa, que merece que o Portugal contemporâneo veja e nele se reveja. Muito do que somos hoje está aqui contido dentro.

04 outubro 2011

A curva errada




Senna (2010) não consegue nem pode esconder ao que vem. No final, conspícuamente antes dos créditos finais, aparece o simbolo da fundação do corredor, dedicada a ajudar crianças pobres no Brasil. Não há qualquer pejo em assumir o panegírico, a homenagem sentida, o lado elegíaco do documentário de Asif Kapadia, onde não lhe é apontado uma única vez focado qualquer defeito ou qualquer imperfeição. Mais, este é um filme puramente desportivo, tratando a vida da sua personagem principal apenas e só na sua componente de corredor de automóveis, recriando-o como um bom filho de pais ricos, atraente, que corre como que por um puro sentido de competitividade, por uma obsessão por ganhar que o define enquanto pessoa. Ayrton Senna é, então, aqui o desportista total, alguém que conta com uma crença sobrenatural em si mesmo e num deus que lhe dará o que merece, justificando assim a sua temeridade num desporto em que um milésimo de segundo separa a vida da morte e, no meio de todo este processo, se torna um símbolo de um país a emergir de duas décadas de ditadura e a lutar com as suas dificuldades sociais.

No entanto, Senna é um filme muitíssimo incompleto. Sem qualquer insight profundo sobre a personalidade da figura que trata, vemos somente o recapitular do seu percurso público; mostra as inúmeras mulheres de quem Ayrton se rodeava mas retrata-o como um bom rapaz, o filho perfeito dos pais e de uma nação, deixando do lado a sua fama de playboy; pouco ou nada explica a turbulência que o país passava naquela altura e, por isso, justifica a adoração nacional que, essa sim, não se coíbe de dar a ver; aflora apenas tenuamente os meandros da política da Fórmula 1, deixando entrever que muito é jogado nas salas de reuniões mas pouco ou nada mostrando do que lá passa; e é um pouco exagerado no último terço quase que dando a entender que Senna, a passar um mau bocado com o bólide que lhe tinha sido entregue pela Williams-Renault e obcecado em recuperar as vitórias e as pole positions, esperava a sua morte, numa visão posterior manipuladora e impossível de comprovar. Objecto cinematográficamente limitado, sem grandes golpes de asa (com a excepção do momento em que Senna vê em directo o acidente que, apenas 24 horas antes do de Ayrton, tira a vida a Roland Ratzenberger na pista de Imola, em Itália), usando apenas imagens da época e colocando todos os depoimentos dos intervenientes em voice over, vê-se melhor enquanto documentário televisivo desportivo e nem dos melhores (The Two Escobars, de Jeff e Michael Zimbalist, sobre a relação entre o traficante Pablo Escobar e a selecção que representou a Colômbia no Mundial de 94 e que passa no ESPN, é bem mais profundo e mais interessante).

E porém, dois factores redentores podem-lhe ser apontados: um, a rivalidade de Ayrton Senna com Alain Prost, o primeiro o jovem candidato temerário mas sem conhecimento dos bastidores, o outro uma raposa velha que se vê ultrapassada pela puto maravilha, que por si só dava um filme. E, outro, concentrando temporalmente as temporadas do desporto, a capacidade de encontrar nas imagens da época (muitas filmadas a partir do próprio monolugar) e na montagem o entusiasmo que falta à Fórmula 1, um desporto que, visto em directo, faz o curling parecer interessante. Vale essencialmente como compêndio histórico de uma época melhor de um desporto que hoje, empurrado para a Ásia pelas restrições publicitárias, parece decadente (e ainda bem que já não dá em canal aberto).

19 setembro 2011

Matar o pai ao bilhar



The Color of Money, sequela de The Hustler (Robert Rossen, 1961) lançada em 1986, parte tanto das dificuldades por que passava a carreira de Martin Scorsese em meados da década de 80 (King of Comedy, de 1982, tinha sido um fracasso comercial e crítico e After Hours, de 1985, também não tinha sido propriamente um sucesso) quanto da vontade do realizador de se inscrever na história de Hollywood. Scorsese sempre se viu numa tradição, sempre fez os seus filmes quer como oposição quer como complemento quer como homenagem a toda a história do cinema e, juntamente com o potencial comercial deste filme, trazido pelas vedetas Paul Newman e Tom Cruise, terá tambem nele visto uma oportunidade de relançar uma carreira a caminho da meia década de dificuldades. Assim, The Color of Money tresanda a encomenda por todos os lados e, inclusivamente, em vários momentos, parece constituir-se como um veículo para Newman, que passeia, sem esforço, a sua classe por todo o filme. É até legítimo perguntarmo-nos qual o grau de influência que terá tido o venerado actor na feitura do filme, pois saindo este do mesmo ele não se poderia realizar, dando que mais ninguém poderia fazer de “Fast” Eddie Felson.

Coincidentemente ou não, The Color of Money aparece como que prejudicado por estes factores. Bastante datado, cromomatica, imagética e musicalmente (a banda sonora de Robbie Robertson, líder dos The Band, tem escolhas manifestamente infelizes), com alguns dos tiques do cinema dos anos 80 (o que aquela gente adorava planos de carros a andar ao sol e com música em fundo), é um filme mais centrado no desenvolver do enredo do que na voracidade da filmagem, apenas a espaços existentes, nomeadamente nas diversas partidas de bilhar, que como no primeiro filme parecem bastantes verosímeis. O lado de encomenda é também por demais evidente, e ainda que seja um filme bem feito e que consegue captar a atenção com a sua narrativa, também parece claro que se trata de um objecto que não tem totalmente a devoção incondicional do seu realizador (que, a título de exemplo, também realizou nesta época o videoclip de Beat It de Michael Jackson, pela singela soma de um milhão de dólares).



Como encontramos então Fast Eddie, 25 anos depois? Depois daquela noite infernal, percurso ao mesmo tempo iniciático e final e que acaba com o protagonista banido dos salões de bilhar, vemo-lo enquanto fornecedor de bebidas alcóolicas, envelhecido, maduro e com a capacidade de leitura de todos os sinais que lhe faltava aquando do primeiro filme. Neste, vê no talento imenso da personagem de Cruise e na matreirice da sua companheira mais velha não só o emular das suas características de juventude, como a hipótese de ganhar tudo o que não ganhou no seu tempo. Com o foco presente no dinheiro, o arranjo negocial corresponde também a uma situação de Felson poder viver por interposta pessoa, não fosse o enorme problema de a personagem de Cruise já ter “matado o pai” há muito tempo. Com o progredir da narrativa, e depois de se deixar enganar por um hustler muito bem interpretado por um jovem Forest Whittaker, Felson percebe o quão afastado está do seu eu, da sua vontade de ganhar, da capacidade de superação que está no cerne de qualquer competição. O que vemos no restante filme é então o retorno de Felson em direcção a si mesmo, ao prazer do jogo e ao prazer da vitória.

Tudo isto seria muito mais recompensador e muito mais interessante se sentíssemos entusiasmo, verve e coração no filme. Não sentimos e The Color of Money é uma encomenda bem concretizada à qual falta o sentido de urgência do melhor Scorsese. Por outro lado, temos de lhe agradecer: é bem possível que tenha sido o crédito granjeado por este filme que tenha permitido ao cineasta fazer, dois anos depois, o pessoalíssimo The Last Temptation of Christ. Só por aí, já não é mau.

13 setembro 2011

Moral de Guerra



Baseado numa história verídica, retirada de uma peça publicada na revista New Yorker em 1969, Casualties of War (1989), um dos dois filmes de guerra de Brian DePalma (sendo o outro Redacted), é vincadamente um filme de tese, até anunciada em grande plano pela personagem de Michael J. Fox: a de que numa situação-limite como a guerra, é ainda mais importante do que normalmente os intervenientes regerem-se por claras regras morais. O relato feito por um soldado acabado de chegar ao Vietname de uma patrulha de rotina em que um sargento acaba por ordenar o rapto, a violação e o posterior assassinato de uma civil autóctone prende-se com a hipótese de uma moral de guerra, ainda para mais uma travada, supostamente, para defender a população local, e a forma como essa moral esbarra com a falta de força prática para a ímpor. Assim, pode-lhe assistir toda a razão, mas é o seu superior, interpretado com uma dose brutal de overacting por Sean Penn, com a força das armas, que leva a sua avante. E todas as suas atitudes, bem como do seu ajudante de campo, demonstram um contexto em que o ódio sentido pelos soldados americanos é já tão vincado que estes deixaram completamente de ver os vietnamitas como pessoas e vivem a guerra como um jogo, uma sucessão de acções com vista a prolongar as suas demonstrações de masculinidade e poder.

Lançado em 1989, depois de The Untouchables e antes do genial descalabro de The Bonfire of Vanities, Casualties of War apresenta-nos um DePalma mais contido do que habitualmente, apagando, o mais das vezes, o seu virtuosismo exibicionista em detrimento de um virtuosismo mais contido, mais focado na narrativa do que nas formas fílmicas. Existem momentos de suspense muito bem conseguidos (veja-se a sequência inicial, com a progressão de um vietcong num túnel em direcção a Michael J. Fox) e este, sendo temáticamente um filme de escopo pequeno, é tecnicamente um filme que deverá ser visto em ecrã grande para se apreender totalmente a qualidade dos enquadramentos de DePalma em scope bem como os seus travellings de aproximação e distanciação e, por último, a sua utilização criteriosa mas abundante do plano subjectivo, essencial numa história que parte do confronto de um ponto de vista pessoal com uma realidade exterior. De realçar também a sequência, abstracta, grandes planos com vozes fora de campo, do tribunal marcial, económica e eficaz. A novidade aqui é que mais do que filmar bem com qualquer principio exibicionista ou até lúdico (como faz em Raising Cain, 1992, ou em Femme Fatale, dez anos depois) fá-lo em pleno controlo e com o propósito único de dar a ver os dilemas morais que o interessaram no filme. Deste ainda para Michael J. Fox, muito mais contido do que Penn e que num desempenho subtil consegue largar a sua imagem de comediante adolescente, granjeada na mítica sitcom Family Ties.

O pior de Casualties of War acaba mesmo por ser a sua estrutura em flashback, complementada com prólogo e epílogo passados no início dos anos 70, em que a personagem de Fox encontra absolvição num pequeno diálogo com uma jovem asiática radicada nos EUA. Se o objectivo parece ser o de consubstanciar uma absolvição nacional de uma América que ultrapassou os traumas do Vietname (facto desmentido pela profusão de filmes sobre esta guerra que foram feitos na década de 80) bem como a garantia de que Fox agiu correctamente, também é verdade que a existência deste apêndices retiram tensão à narrativa, ao garantir desde o início ao espectador que a personagem principal sobreviverá às agruras da guerra. Na generalidade, um DePalma algo menor, sabendo que os seus filmes menores nunca deixam de ser interessantes.

08 setembro 2011

Carpenter vive!



Dez anos depois de The Ghosts of Mars, encontramos Carpenter exactamente no mesmo sítio onde o deixámos. Interessado em labirintos, pondo as personagens a percorrer corredores e a passar por portas, quase sempre perdidas entre as suas alucinações, filmando em tons metalizados e frios num perfeito classicismo. The Ward, como os seus outros filmes, caracteriza-se pela completa ausência de qualquer tipo de desconstrução; ao contrário de um Tarantino, eterna e genialmente perdido em desconstruções, reciclagens e regurgitações, Carpenter, no filme de monstros, no slasher, na ficção ciêntifica, na comédia de acção ou no filme de terror puro, faz os filmes não para citar ou considerar um género ou um grupo de cineastas de um ponto de vista histórico, mas para fazer um filme. Os seus filmes existem e são assim por visão autoral e por coerência pessoal, não para “fazer à maneira de”. E a ideia que dão é que seriam assim fosse qual fosse a época da sua realização. Nesse sentido, é insustentável a ideia de que Carpenter fez um filme que não parece ser seu. Em cada filme, em vez de se contruir e de inovar, Capenter, enquanto autor, é. Querer malabarismo autoral ou imagens de assinatura é trocar a personalidade pelo fogo de artifício. Carpenter nunca o faz.

Em The Ward, história de uma jovem internada num hospício de alta segurança depois de incendiar uma casa que começa a ser perseguida por uma estranha criatura que mata todas as suas companheiras de hospital, tem as suas coordenadas bem definidas. Por um lado, o filme de terror, neste caso aproveitando a herança de um filme de hospício como o Shock Corridor de Samuel Fuller. Por outro, no elenco predominantemente feminino e em cenas como a do duche, todas as personagens femininas nuas, a serem mostradas em travelling de costas pela câmara, há sempre a sombra do exploitation a espreitar ao perto. No entanto, o maior terreno é o do terror puro. Num argumento algo previsível (e com uma ou outra semelhança com o de Shutter Island de Scorsese), Carpenter burila no melhor das suas capacidades o susto, o medo e a emoção bruta e primal, utilizando como maior aliada a alucinação. Ao vermos a naturalidade com que se processa esta narrativa típica, o que sobressai é o trabalho de artesão de Carpenter nos ambientes e na potenciação dos efeitos perante o espectador, aqui amplificados pelos filtros de imagens azuis e cinzentos, relevando a frieza da instituição, e no aproveitamento da concentração espacial, propiciando uma exemplificação da claustrofobia a que as personagens estão sujeitas.

Há, efectivamente, um ou dois defeitos em The Ward: o já referido carácter estereotipado da narrativa, mormente no seu final, que parece uma saída fácil, e a música, da autoria do próprio Carpenter, pouco original e algo excessiva nos seus coros celestiais. Podemos até dizer, com propriedade, que não está no grupo das obras-primas de Carpenter, com The Assault on Precint 13, The Thing, The Fog, They Live!, Vampires, Ghosts of Mars ou o episódio Cigarrette Burns para a série Masters of Horror. Mas, por um lado, não conhecemos filmes maus a Carpenter e é uma honra ser colocado ao lado de supostos filmes menores como Starman, In the Mouth of Madness ou Children of the Damned. Mas aqui radica a inscrição de Carpenter no paradigma do cinema clássico americano: se virmos as filmografias de Hawks ou Walsh, vemos que as obras-primas são bem mais espaçadas do que pensamos e que havia filmes que apenas existiam e com toda a normalidade estavam ali para ser vistos. The Ward não pede mais do que a oportunidade de ser The Ward. Não o desmereçam.

06 setembro 2011

Ninguém disse que era fácil



Nos Estudos Culturais, dá-se o nome de “outrização” ao processo que consiste em criar uma entidade de oposição, um ser com caracteristicas específicas mais ou menos estereotipadas, para lá do seu caracter pessoal e independente enquanto ser humano, que tanto pode ser motivo de medo como foco de discriminação. É sobre este processo, de quatro ou cinco maneiras diferentes, que se debruça Venus Noire, quarto filme de Abdellatif Kechiche, actualmente em exibição nas salas portuguesas.

Contando a história de Sartjes Baartman, mulher pertencente à etnia hotentote que é trazida para a Europa do século XIX e aí utilizada, sucessivamente numa gradação que constitui a narrativa do filme, em espectaculos circenses em Londres, como atração exótica em salões parisienses, como motivo de estudo para cientistas interessados em provar a superioridade da raça branca e, finalmente, como atracção maior num bordel, é um filme que percorre os mesmos caminhos estéticos dos filmes anteriores, apenas expandindo o seu escopo. De câmara digital naturalista, acompanhando as suas personagens de muito perto e seguindo os seus movimentos em panorâmicas rápidas, passa dos subúrbios de Marselha que compunham o seu universo para se focar numa narrativa circular que percorre a Europa oitocentista com pleno engenho na criação de ambientes e no estabelecimento de cenários, bem como com precisão na reconstituição de época.

Ninguém disse que era filme fácil e a recepção no Festival de Veneza em 2010, onde foi vaiado, demonstra-o plenamente. Porém, coloca-se a questão: tinha de ser assim tão difícil? É que Venus Noire, com as suas duas horas e meia de duração, demonstra-se sempre algo exagerado no tom e na forma de expor as desventuras da sua heroína, como se, num fenónemo de catarse forçada, o espectador fosse obrigado a expiar pela sua visão do filme as desventuras da sua heroína. Semelhante factor torna o filme numa experiência cansativa e que poderia ter sido feita sem alienar o seu próprio espectador, que a páginas tantas não tem alternativa senão pensar que o filme perdura muito para lá da sua demonstração do que é o Outro.

De referir também que há, no genérico final, uma compilação de imagens do regresso dos restos mortais da “venus hotentote” à sua África do Sul natal, que redunda num posicionamento que me parece “incorrecto” por parte do cineasta: Venus Noire ganha muito mais força, nos seus melhores momentos, quando se propõe a explanar a sua ideia central do que visto, à luz destas imagens, como mera biografia da sua personagem principal. Assim, é um filme que, apesar da força do seu assunto, se acaba por auto-limitar bastante em termos de propósito.

01 setembro 2011

Argel Cidade Aberta




Encomendado, em 1966, pelo governo argelino, La Bataille d’Algiers permanece hoje como pedra de toque do cinema político europeu, especificamente, de um cinema de cariz marxista e revolucionário que entretanto desapareceu – nem Nanni Moretti, cineasta de esquerda se algum houve, pode merecer o epiteto de revolucionário. No retrato da tentativa de descolonização forçada pela Frente Nacional de Libertação (FLN) entre 1954 e 1957, mal-sucedida mas percursora da revolução que se deu em 1962, o que se observa é a crença marxista de que a História se desenrola inexorávelmente no sentido da libertação e igualdade. Na estrutura episódica do filme, progressivamente mais violento, na pontuação do filme pela música de Ennio Morricone, com motivos recorrentes a sublinharem a carnificina e nos sucessivos planos do luto feito pelas mulheres argelinas, a sensação é a de uma maré imparável de acontecimentos a redundarem na libertação, que o espectador sabia já ter acontecido quatro anos antes da saída do filme.

Quer o realizador Gillo Pontecorvo quer o argumentista Franco Solinas eram membros do Partido Comunista Italiano e, como marxistas, sabiam também que uma estética equivale a uma ética. A ideia inicial de ter Paul Newman como um jornalista francês ex-combatente na Indochina e que reporta o crescendo da luta dos argelinos pela independência foi posta de parte, bem como o argumento comissionado por membros da FLN, considerado pelo realizador como demasiado propagandístico. La Bataille d’Algiers acabou por ser algo de estranho e incomum, para os pressupostos do filme político revolucionário: uma crónica tanto da batalha dos colonizados quanto da concomitante reacção dos colonizadores, mas estirpando qualquer pathos ou qualquer agit-prop, como que dizendo que se a ética já pressupõe quer a inevitabilidade da libertação quer a reacção de colonizados, é desnecessário sublinhar emocionalmente qualquer destes factores e antes vê-los como realidades inevitáveis no rumo da História.



Assim sendo, o retrato é o do conflito em toda a sua brutalidade, potenciado pelas escolhas estéticas de Pontecorvo. Reminiscente tanto da Nouvelle Vague francesa na sua urgência e febrilidade, quanto do neo-realismo italiano na sua preferência por intérpretes não-profissionais (somente o coronel Mathieu é interpreteado por um actor profissional, Jean Martin; Saadi Yassef, lider da FLN, participa no filme como o líder El-hadi Jaffar, versão ficcionada de si próprio) e nos cenários reais, quer na Argel colonizada quer nas regiões guetizadas do Casbah, onde viviam a maior parte dos autóctones, no que se junta a câmara à mão a fotografia granulada e as técnicas como o zoom constante, da responsabilidade do director de fotografia Marcello Gatti, que lhe dão o ar documental que contribui para a sua enorme urgência e febrilidade. Adicionalmente, o desenrolar dos episódios foca as atrocidades de ambos os lados, desde os atentados indiscriminados contra civis por parte da FLN até às cenas gráficas de tortura por parte das tropas francesas, arriscando até por caminhos ambíguos – veja-se o extraordinário discurso do coronel Mathieu afirmando, a meio termo entre a amoralidade e o pragmatismo, que o cerne da questão é que os argelinos querem a independência e os franceses o domínio colonial e tudo farão para a manter, e que isso incluirá necessáriamente o uso de todos os métodos à disposição). Apesar de, ideologicamente, Pontecorvo e Solinas estarem claramente do lado dos independentistas, o olhar é equilibrado, crú, informativo, até próximo da objectividade documental, para o que muito contribui, por exemplo, a influência de Roma Cidade Aberta (Roberto Rosselini, 1945) no modo como os acontecimentos se parecem desenrolar à nossa frente. Não é, afinal, coincidência que tenha sido incluído no filme um aviso inicial de que nenhuma imagem de newsreel da época foi usada na sua feitura, porque para quem vê, poderia perfeitamente ter sido.

É certo que há aspectos problemáticos no filme: os argelinos são sempre mais humanizados que os franceses, mormente os combatentes gauleses, que aparecem sempre como linhas na imagem e sem nunca terem direito a um grande plano, um pouco como fez Eisenstein na sequência da escadaria de Odessa n’ O Couraçado Potemkin (1927) ; que La Bataille d’Algiers parte de um princípio ideológico bem firmado e que poderá desagradar, por esse motivo, a espectadores do lado oposto da barricada; e que o filme é um produto do seu tempo, retratando, por exemplo, a imposição das leis islâmicas como necessário ao estabelecimento de uma identidade argelina e não como um factor problemático, sendo anacrónico face a questões como o laicismo social ou o multiculturalismo. Porém, parece claro que na sua energia, nas técnicas empregadas e no seu lado documental e informativo de um conflito hoje considerado pouco importante, La Bataille d’ Algiers representa o apogeu do cinema político de esquerda e uma poderosa obra-prima do cinema mundial dos anos 60 do século XX.

30 agosto 2011

O ponto em que estamos




1.Numa perspectiva mais geral, o governo PSD/CDS saído das últimas eleições já demonstrou a sua postura. A corporação é raínha, tudo pela empresa, nada contra a empresa, co-adjuvada pelo seu grande aliado, os números. O contribuinte serve apenas para gerar cada vez mais verbas para salvar o país de uma crise que este não criou e para proteger os que a criaram. Os jogos linguísticos são fenomenais: por um lado, só se fala de mercado mas o consumidor cada vez tem menos dinheiro para consumir, mesmo o que é de primeira necessidade; por outro, fala-se muito em reformas, mas essas reformas são sempre no sentido do retrocesso, não do progresso. Uma pura agenda neo-liberal, cuja eficácia até ao momento foi nula e que, tendo em conta os excessos que redundaram na crise mundial de 2008, não augura nada de bom.


2.Se a orientação ideológica deste governo é por demais evidente, qual será a sua manifestação em termos de políticas culturais? A primeira foi por demais evidente, com o fim do Ministério da Cultura e a passagem da pasta para Seretaria de Estado, com a nomeação de alguém que nunca escondeu a sua simpatia pelo PSD, a sua preferência, acima de quaisquer outras artes, pela literatura e um claro desprezo pelo cinema que se faz contemporâneamente em Portugal – li, aquando do seu centésimo aniversário, na sua crónica no Correio da Manhã (um burguês bon vivant a escrever no Correio da Manhã, ao que chegámos...) que Manoel de Oliveira era o cineasta que mais tinha custado aos contribuintes, sem qualquer outra consideração de ordem estética ou artística. Assim, conjugando a crise com o pensamento, o que será feito será cortar no máximo que se possa e, preferêncialmente, criar uma mercantilização da cultura, tentando que esta seja ainda mais geradora de dinheiro do que é, mas não através da maior preparação dos cidadãos, antes através de tornar mais comercial o que se produz. O público, como não poderia deixar de ser, não terá qualquer melhoria na sua instrução e no seu acesso a bens culturais, mas poderá ver a boçalidade tão útil aos nossos governantes recompensada com cunho ministerial. Tudo o que não for a literatura estará em dificuldades.

3.No cinema, o primeiro ataque já começou, com a revelação de que a bilheteira passará a ser o factor que primeiro orientará a atribuição de subsídios. Falácia e das grandes. Em primeiro lugar, porque já há mecanismos que possibilitam essa incorporação do comercial nos subsídios, como a atribuição de subsídio automático a qualquer cineasta cujo filme anterior tenha tido 20 mil espectadores em sala. Em segundo lugar, porque não há qualquer menção a que sejam incorporados os resultados de bilheteira feitos no estrangeiro, em cineclubes ou em sessões especiais, um dado que poderia pôr de lado definitivamente a ideia de que os filmes portugueses não são vistos. Por último, porque filmes com uma ou duas cópias serão forçados a competir, neste capítulo, com filmes com mais cópias, dando à partida uma vantagem injusta aos que tiverem maior orçamento e maior potencialidades comerciais. Neste contexto, importa fazer duas perguntas: i) não seria melhor contabilizar receitas em vez de número de espectadores? ii) num contexto em que a bilheteira vale mais que tudo o resto, como se avaliará quais as primeiras obras a subsidiar? Será pela quantidade de glândulas mamárias que exibem?

4.O segundo ataque faz-se agora à Cinemateca. Depois de um corte de verbas brutal, que redundou na redução do número de sessões diárias de cinco para três (situação que, felizmente, regressará ao normal em Setembro), saiu há dias a notícia de que a Cinemateca vai ser sujeita a uma sondagem de opinião dos espectadores para inquirir acerca do seu grau de satisfação. Curioso como aqui, as óptimas médias de ocupação e de bilheteira da Cinemateca já não interessam, interessa o que pensam os espectadores. Por mim, não me importaria, pois considero que a referida instituição nada deve e nada teme. Mas perturba-me o tom quase pidesco do anúncio, que parece ter como objectivo mais descobrir uma falha por onde poder pegar do que avaliar realmente qual o grau de satisfação do consumidor. Do mesmo modo que considero que seria uma prioridade era ver qual o grau de satisfação dos utentes com a lentidão das repartições de finanças, com a má-educação dos funcionários da Segurança Social e com os funcionários públicos e os seus longos cafés, longos cigarros e longas horas de almoço, sobretudo no que ao atendimento à população diz respeito. Acontece que há 750 mil funcionários públicos e outros tantos votos a ganhar; frequentadores da Cinemateca há bem menos.

5.Neste contexto, o cinema feito em Portugal definha, com 12 curtas-metragens a sair em 2011 e apenas oito programadas para 2012 – só para termos uma ideia, oito filmes produz num ano apenas a região da Galiza. Neste aspecto, embora muitos digam que o nosso cinema está desfasado da nossa realidade, filmes e país confundem-se: o futuro parece ser negro.

27 julho 2011

De férias...

... até um de Setembro. Depois, espero voltar com mais força do que nunca.

Petição - Balanço final

Por motivos de saúde, tem-me sido difícil escrever e, como tal, atrasei o meu balanço final da Petição pelo Regresso da Exibição Regular de Cinema à RTP2. Tanto, que neste momento, com as perto de 3 mil assinaturas entregues e enquanto aguardamos a constituição da necessária comissão parlamentar, já os meus colegas e amigos do grupo-peticionário escreveram textos que exprimem, sem tirar nem pôr, aquilo que sinto. Deixo então aqui os links, para que os eventuais leitores deste espaço possam ter uma ideia de qual o ponto da situação.

Luis Mendonça
Ricardo Lisboa
João Palhares



Da minha parte, apenas expressar o prazer e a honra que foi conhecer-vos (a estes e a todos os outros) e trabalhar com vocês nesta causa. Enquanto houver gente como nós, a tão propalada morte do Cinema não ocorrerá.

21 julho 2011

2ª Série dos Planos (XVI)

Com algum atraso, revelo aqui que foi da minha responsabilidade a escolha de um plano para figurar no blog Cine Resort, do João Palhares, a quem agradeço aqui o convite. Passem por lá!

14 julho 2011

Optimus 2011 Alive - Não estou aqui





O primeiro dia do Optimus Alive 2011 foi para mim um dia de teste. Na fase em que estou, em termos de saúde, queria saber se aguentava fisicamente estas horas ao calor, se conseguia estar de pé tanto tempo e se me conseguia concentrar. Serviu, assim, para ensaio para o SBSR. O resultado foi misto, mas não foi nem de perto nem de longe o festival que queria ver.
Em primeiro lugar, uma nota sobre o próprio festival. Apenas lá tinha ido em 2007 e é salutar ver o quanto cresceu em quatro anos. Muito maior o recinto, maiores e melhores os lavabos, o palco secundário com muito mais condições e, em suma, uma dimensão de grande festival, a faltarem apenas alguns palcos para ser de nível europeu. Este aspecto é muito salutar, bem como a quantidade de grandes nomes internacionais a actuarem.

O Verão Azul ou Impróprio para diabéticos: A Amor Fúria, que no dia 06 de Julho ocupou o palco Optimus Clubbing, num tempo em que as editoras não têm um décimo da importância que costumavam ter, poderá vir a ser um fenómeno como foi a Ama Romanta (Pop Dell’Arte, Mler Ife Dada) nos anos 80. Bandas como Os Velhos ou Feromona têm energia, personalidade e contemporaneidade para dar e vender. Infelizmente, estas bandas só tocariam mais tarde, quando havia outros concertos para ver. Vi então, o duo electro-pop naif O Verão Azul e não fiquei nada impressionado. Delicodoces, com influências electrónicas como Animal Collective e Beirut, são enjoativos (as letras incluem sempre “o amor”, “a praia” ou “a cidade”), desinteressantes, repetitivos e inconsequentes. Não me parece que vão a grande lado.

The Naked and the Famous ou Banda a seguir: Vestidos e desconhecidos, estes neo-zelandezes, de quem vi as últimas 3 canções, fazem uma pop electrónica com laivos de shoegaze, a lembrar os MGMT antes de lhes dar a travadinha, e parecem ter animado os espectadores, sobretudo no final com o semi-sucesso "Young Blood", habitual na Radar. Não posso dizer muito mais, mas creio que podem ser banda a seguir e o público que já lá estava parecia ter-se divertido imensamente.

Twilight Singers ou Quem são estes velhos?: Quando, depois de meia-dúzia de canções em frente ao palco, volto para junto do grupo com quem vou, a minha amiga Andreia pergunta-me “Sabes quem são estes velhos?” A frase é sintomática da desapropriação da nova banda de Greg Dulli ao espaço e à hora, demasiado solar para o rock escuro, urbano e alcóolico que mostraram durante perto de uma hora, para desinteresse generalizado. Creio que teriam ficado melhor no palco secundário. Concerto sem incidentes nem momentos memoráveis.

Grouplove ou Quem?: Porque raio esta banda, com apenas um ep editado, toca no palco principal, depois dos Twilight Singers? Questão difícil de responder nas quatro ou cinco canções que deles vi onde mostraram o seu indie-rock enérgico, simpático, mas que não augura nada de transcendente para o futuro. É certo que alegraram o público e que tiveram dificuldades durante o espectáculo (o PA falhou duas vezes), mas é uma escolha que faria, também, muito mais sentido a abrir o palco Super Bock e que não deixou saudades.

James Blake ou Podes baixar isso?: Não tenho a mais pequena dúvida de que o disco de estreia de James Blake é dos momentos cimeiros do ano, pequena pérola silenciosa e austera em base de electrónica dub-step. Foi então com muita expectativa que me dirigi ao palco Super Bock para ver o primeiro concerto do britânico em Portugal. Tudo normal na primeira canção, mas antes da segunda, Blake pede audivelmente ao engenheiro de som que ponha os drones mais altos. Lentamente, o concerto torna-se dificil para mim e a pulsão dos graves, absurdamente altos quando saem das colunas, torna-se impeditiva. Também estava sozinho, o que não ajudou – quando se sai de um grupo para se ver um concerto sozinho é difícil não estranhar – e ainda aguento "I Don´t Blame You", mas com os ouvidos a rebentar saio da tenda e volto para o palco principal. Talvez um dia o veja na Aula Magna ou no Coliseu, de preferência longe das colunas. Infelizmente, uma oportunidade perdida.



Blondie ou Nossa Senhora da Geriatria: Os Blondie foram sempre das minhas bandas preferidas, um imenso caldeirão pop que ia do punk ao reggae e ao proto-hip hop, uma banda essencial na sua época e cujo sentido de mistura estética influenciou imensas bandas (não haveria, apesar das diferenças, uns Franz Ferdinand se não fossem os nova-iorquinos). Inclusivamente, vi-os em 2000 na Praça Sony e gostei imenso, pois nessa primeira reunião mostram energia, capacidade técnica e boas canções. Foi, então, um enorme choque o lastimável concerto que deram, uma banda decrépita a estragar as suas melhores canções (a minha predilecta "Hanging on the telephone", por exemplo, é totalmente insonsa) e uma líder que de bomba sexual passou a avózinha supostamente rock mas que mais facilmente imagino num sábado de manhã a comprar carapaus na praça enquanto fala dos netos. Triste.

Coldplay ou Trá-lá-lá pago a peso de ouro para delírio da populaça: De Parachutes (2000) até hoje, o percurso dos Coldplay foi de um crescimento desmesurado, de banda que passa despercebida em Paredes de Coura a banda que mete 50 mil pessoas num festival. Actualmente, mesmo canções mais intimistas como "Yellow" ou "Shivers" são hinos de estádio e a pirotecnia está presente em todos os momentos do concerto. No meu caso, apesar de não gostar particularmente dos Coldplay, já os vi 3 vezes ao vivo. Na primeira, porque até gostava do primeiro álbum, as duas outras para acompanhar a minha companheira. Esta foi a vez de que gostei menos: muito gigantismo, muita luz e muita cor, uma vontade de deixarem de ser a Chris Martin Band e passarem a ser um grupo de indivíduos, e todas as canções megalómanas, mesmo as mais vazias – e há bastantes. São esforçados, agradáveis e é divertido enquanto dura, mas sei por onde vou e sei que não vou por ali.

Ainda vi cinco ou seis canções dos Homens da Luta no coreto, mas acho que isso é mais pandega que música – e foi dos momentos deste dia em que me diverti mais. À saída, de rastos, pensava que nos dias seguintes ia perder Primal Scream, The Stooges, Fleet Foxes, WU LYF e Tv on the Radio, a juntar a Ana Calvi, que tristemente troquei pelos Blondie. Diverti-me neste dia, cortesia dos amigos com quem estava, mas, musicalmente, deixou muito a desejar.




29 junho 2011

Debate Cinema na RTP2 1/4

Eis a primeira das quatro partes relativas ao debate Cinema na RTP2, que vamos publicando até 5 de Julho, dia em que fechamos a nossa petição. Esta primeira parte é marcada, essencialmente, por intervenções do moderador Luís Mendonça e do meu colega peticionário, Ricardo Lisboa, o autor do blogue Breath Away, e pelas primeiras palavras proferidas pelo cineasta João Mário Grilo. A não perder.



DEBATE CINEMA NA RTP2 1/4 from Luis Mendonca on Vimeo.

Limpar a casa (1)

Numa altura em que, em mais do que um aspecto, aparece como fundamental limpar a casa e começar de novo, aqui fica a primeira parte de uma uma lista de filmes que tenho visto. A segunda parte, a publicar nos próximos dias, integrará também filmes vistos em casa.

The Adjustement Bureau de George Nolfi – Um dos piores do ano. Um blockbuster sem alma, que desbarata as enormes ideias de Philip K Dick (um escritor que, cada vez mais me convenço, é de ideias muito superiores à sua concretização) num thriller banal e mal amanhado, uma pretensa reflexão sobre o destino que não vai a lado nenhum. Resta apenas a invulgar química no ecrã entre Matt Damon e Emily Blunt, a serem futuramente emparelhados por um cineasta digno desse nome.

Winter’s Bone de Debra Granik – É um filme que pode ser visto como o salto do neo-neo-realismo (na terminologia do crítico norte-americano AOL Scott) na direcção do grande público. De narrativa menos esparsa do que Wendy and Lucy ou Shotgun Stories, é no entanto uma tocante história de superação e de sobrevivência, filmada de forma económica e ríspida, como filmaria Kaurismaki não fosse a sua ironia escarninha sempre presente. Cinzento e violento, road movie, melodrama e filme de terror num só, não poupa o espectador à dura realidade da vida dos esquecidos pela globalização e serve como mais uma demonstração da vitalidade deste cinema de guerrilha, apostado em mostrar-se como a fase menos vísivel mas mais vital do cinema americano contemporâneo.

Tournée de Mathieu Almaric – Estranhamente baseado em Paulo Branco, numa visão diametralmente oposta à que aqui temos dele, Almaric continua o seu percurso superlativo tratando a fuga em frente de um produtor de um espectáculo itinerante de burlesco, a última oportunidade de alguém que desbaratou todas as anteriores e que continua em frente por ser a única coisa que sabe fazer. Misturando a seu bel-prazer a ficção e o documentário, através dos interlúdios que focam os números das artistas que interpretam as personagens, é um filme enérgico, ciente da sua dimensão e de um realismo estilizado que contrasta com muito do que se vê por aí. Não tinha visto O Estádio de Wimbledon, mas para além de actor fiquei convencido de que temos cineasta.

Kaboom de Greg Araki – Mais um belíssimo filme de Gregg Araki. Depois do mais comercial, mais “aberto” Mysterious Skin, este Kaboom é um filme mais de acordo com as coordenadas habituais do cinema de Araki, queer, pequeno, furiosamente independente e enérgico nas suas ideias. Misterioso, encena com orçamento reduzido e criatividade em roda livre um percurso de iniciação sexual num contexto universitário que funciona como período intermédio entre a adolescência e a idade adulta, ainda por cima sem medo de focar literalmente, em registo de fábula alucinada, o carácter apocalíptico das inquietações sentimentais da pós-adolescência, adicionando ainda um saudável lado lúdico na sua intriga. Uma boa surpresa e um bom caminho para o cinema Nimas, que pode bem continuar a mostrar, por períodos de tempo limitados, este objectos mais idiossincráticos.

Les Amours Imaginaires de Xavier Dolan – É demasiada a moda, é demasiado o lado chique, é demasiado o kitsch, é de menos o talento. Esgotadíssima a fórmula La maman et la putain, restam as cores, a música em formato pastiche e os péssimos interlúdios confessionais, a tentar dar uma ideia geracional que, valha a verdade, até pode haver – é um filme “da cena”, fácil de imaginar a ter lugar entre o Bairro Alto e o Cais do Sodré – mas que não substitui a falta de cinema que aqui se vê.

The Hangover II de Todd Philips – O primeiro já de si não era genial, longe disso, mas tinha uma premissa interessante, nomeadamente a reconstituição de uma “noite branca”, o último momento de perdição antes do mais prezado ritual de entrada na idade adulta. O segundo mais não é do que uma perfeita cópia do primeiro, mudando o contexto de modo a atrair mais espectadores, aproveitando o potencial turístico da Tailândia e tentando aproveitar o lado escuro da cidade de Banguecoque para extremar a acção. Falha redondamente. São muito menores os momentos de comédia (os gags envolvendo o brilhante comediante que é Zach Galiafinakis são quase todos desaproveitados) e, de caminho, chama de novo a atenção para o pudor que está por detrás da sua premissa: se é a noite que é de perdição, porque não mostrá-la, em vez de se focar na sua reconstituição elíptica? Resposta possível: porque assim, passa-se por transgressor e faz-se dinheiro ao mesmo tempo, não chocando muita gente. Fraquíssimo.

The Tree of Life de Terrence Mallick – Não há, em 2011 nem na última década, filme mais complexo, mais discutível nos seus propósitos e significados nem filme que dure mais além da sua visão, que gere dúvidas e inquietações em quem vê. No meu caso, tenho dois problemas, interligados, com ele: por um lado, a sua tentativa de evocação demiúrgica, darwiniana, que causa alguns dos mais penosos momentos de tédio que vivi numa sala este ano; e, por outro, como já me havia acontecido em The New World, a poesia visual de Mallick é-me, pelo menos de momento, bastante indegesta. Não tenho a mais pequena dúvida de que há nele um grande filme – o da família em luta consigo mesma – mas não contem comigo para entrar nos momentos iniciais e finais, onde essa mesma poesia visual atinge o seu expoente. Quem sabe como o verei daqui a alguns anos.

Valhalla Rising de Nicolas Winding Refn– Na projecção, a primeira coisa que vemos, em garrafais letras brancas sob fundo negro, é o nome do seu cineasta. No caso, mais do que declaração autoral, é um flagrante caso de narcisismo, confirmado pela estética vazia e insuflada desta história de um guerreiro zarolho que se escapa dos pagãos e vai como mercenário dos cristão nórdicos numa peregrinação à Terra Santa que se perde e acaba no Novo Mundo. De personagens e ideias uni-dimensionais, resta uma panóplia de recursos estéticos francamente irritantes, de tintagens a composições de planos a armar ao bergmaniano, de tons cinzentões e lutas alegadamente estilizadas a uma música que dá vontade de arrancar os tímpanos pelas orelhas. Falou-se de Mallick e Herzog, mas o pior lado da estética pessoalíssima destes cineastas é que se aplica a tudo o que tente armar ao pingarelho – eu apontaria mais o narcisismo e a vacuidade do von Trier de Antichrist como influência (deve ser coisa nórdica). Por mais que se o tente polir, no fim do dia um excremento é um excremento.

04 junho 2011

Sexy mother****er!




Parece impossível, mas houve um tempo em que as pessoas, quando algo não lhes agradava e a situação chegava ao limite do impossível, pegavam em armas e saíam à rua. Bombeavam, matavam e toda uma outra série de comportamentos inaceitáveis, mas ao menos não baixavam as calças e esperavam que doesse pouco. E, muitas vezes, faziam-no por todos os motivos errados: jovens burgueses, com a barriga cheia, viam na luta armada o paliativo para as suas existências ennuiées, como o caminho mais acessível para a glória ou como catalisador sexual. Carlos, o Chacal, desde 1997 numa prisão francesa a cumprir uma sentença perpétua pelo assassinato de quatro pessoas num apartamento parisiense, foi, mais até do que Guevera, homem de convicções profundas, o paradigma deste tipo de guerrilheiro. Sex symbol, fashion icon e ladies man de excelência, só era ultrapassado nestes campos pela sua falta de renitência em matar em nome de uma luta que, a certo ponto, já nem o próprio sabia qual era. Uma daquelas pessoas que mascara sob a abnegação um narcisismo absolutamente doentio, ajudou a cristalizar a imagem do terrorista na moda (a boina, a barba e o casaco de cabedal não enganam), teve alguns atentados irreais de tão desastrosos e deixou-se amigar por alguns dos regimes mais podres da história recente, tendo sido a principal vedeta do terrorismo islâmico-chique a soldo, por exemplo, da Síria e do Iraque de Saddam Hussein. Carlos, biopic realizado, primeiro enquanto série de televisão de cinco horas e agora enquanto filme de quase três, mostra-o assim, o definitivo sexy motherfucker, naquele que é um dos melhores filmes da carreira de Olivier Assayas.

Carlos corresponde claramente a um esforço de internacionalização de Olivier Assayas. Depois de dois filmes realizados em inglês (Clean e Boarding Gate) e depois daquele que considero o seu melhor filme (L'heure d'été, magnífico), surge agora o filme, filmado on location por todos os locais que na realidade viram os acontecimentos. E apetece-me dizer que era o filme de acção por que esperava: frenético, inteligente e que faz o tempo passar a correr, sempre num permanente sobressalto. Sempre achei que o cinema de Assayas, os seus enquadramentos sempre muito juntos dos actores e os seus movimentos de câmara constantes, longe da religião cinematográfica francesa do plano fixo, poderiam dar azo a algo de mais enérgico, de mais virulento, e foi aqui que o conseguiu. De fazer corar os filmes da saga Borne com o seu virtuosismo, aplicando diferentes tons cromáticos às diferentes épocas, lembrando os tons queimados do cinema americano da década de 70 e com sequências antológicas (todo o ataque à sede da OPEP em 1975, o maior de todos os seus muitos falhanços), nem sequer se esquiva a dar uma curiosa leitura freudiana à carreira do seu objecto de estudo - repare-se em como, aquando dos primeiros sucessos, vemos Carlos nú, saído do banho, contemplando a sua pujante masculinidade e como, no fim, gordo e desterrado no Sudão como relíquia do pós-Guerra Fria, sofre de... uma infecção nos testículos! Mesmo electrizante, Carlos não deixa de sofrer dos seus defeitos, nomeadamente a falta de aprofundamento das personagens, quase todas demasiado planas, bem como a falta de aprofundamento histórico das situações, o mais das vezes mais enunciadas do que contextualizadas, provavelmente o contexto cortado da série para dar origem ao filme. Ainda assim, é tão mais sério e mais atraente que os filmes de acção que por aí andam, é tão bem interpretado (Edgar Ramirez é pura e simplesmente genial, até ver o actor-revelação de 2011) e o seu ritmo é tão estonteante que merece todas as loas que lhe dêem.

E obviamente, é um filme ideologicamente complexo. Há uns anos, Slavoj Zizek referia que um dos aspectos complicados do cinema americano era que as únicas figuras carismáticas eram os vilões e Carlos mantém e amplia esse factor. E tem sucesso, porque todos gostamos destas figuras que pegam no seu destino e forjam a espada pela qual acabarão por morrer. Pelo Chacal da realidade, dificilmente mexeria uma palha. Pelo Chacal do filme, que como Aureliano Buendía nos Cem Anos de Solidão de Gabriel García Marquez, parece ter promovido dezassete levantamentos militares e tê-los perdido todos, de bom grado levava um balázio.