25 setembro 2007

Rali das Capelas (3)

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Por último e por uma questão de elementar justiça, falta trazer à conversa a Lusomundo, o Mundial e o Nimas.

A Lusomundo, não tenho vergonha de o dizer, foi uma escola para mim. Lá, vi Bringing out the dead, The 25th Hour, Space Cowboys, Moulin Rouge, American Psycho e Kill Bill Vol I, todos filmes relevantes e o hábito de ir regularmente ao cinema foi aí ganho, em saudosas sextas-feiras após jantar de fast-food, acompanhado pela minha prima Patrícia. Não os frequento hoje em dia, porque sei que tenho outras alternativas (incluídas no Medeia Card), porque a esmagadora maioria dos filmes que quero ver não lá passam e porque teria de levar com um público caótico e imaturo, mastigando alarvemente comestíveis doces. Se critico o modo de ver cinema que estes espaços preconizam, não deixaram de ser, contraditoriamente, importantes para mim.

No Mundial, outro galo cantou. Nunca o frequentei em período nocturno, aquele que, previsivelmente, mais gente lá levava. De tarde, deu-me sempre a impressão de ser um espaço decadente, que agradava apenas a meia dúzia de indefectíveis. Fica na minha história por ter sido onde vi Y tu mama tambien e In the mood for love e por ser um cinema onde havia sempre lugar para ler ou apenas descansar antes de cada sessão. A sua transformação em sala de teatro comercial não me surpreendeu, mas até gostava daquela enorme sala 1, ocupada por quatro ou cinco “fanáticos” e uns quantos reformados na sessão das 16:00.

Finalmente, o Nimas agrada-me pelas reposições e pela sua frescura. No Verão, mais do que no anódino Monumental, é na 5 de Outubro que a temperatura lisboeta baixa. Lá, lembro-me de não ter visto o Triple Agent (história guardada a sete chaves…), de ter tido azar com o lugar na reposição de O Leopardo e de ter descoberto Playtime e o genial Jacques Tati. E, reitero, lembro-me de aí ter encontrado um refúgio climatizado em muitos verões tórridos.

Rali das Capelas (2)

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O texto anterior, bem como todos os desta série, foi inspirado pela exibição recente de Colorado Territory de Raoul Walsh na Cinemateca. É que foi numa passagem deste western, antecedida de The Great Train Robbery de Edwin S. Potter, que fui pela primeira vez à Barata Salgueiro. Pouco me lembro do filme (ficou-me na retina uma muito bem construída sequência ilustrativa da convivência com a morte, onde um agente da autoridade acende um fósforo na sola da bota de um enforcado recente), mas voltei uma e outra vez e outra e outra. E espero voltar muitas mais.

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No entanto, antes de lá ter ido ver ainda ontem A tree grows in Brooklyn, (estreia de Elia Kazan e, como assistente de realização, de Nicholas Ray), há muito que lá não ia. Numa altura em que tenho de conciliar dois empregos para pagar as despesas mais elementares, dificilmente lá voltarei, nos próximos tempos, com a regularidade com que gostaria. E, de certo modo, ainda bem.

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A Cinemateca deu-me a ver grandes filmes de cineastas como Pasolini (O Evangelho Segundo S. Mateus), Preminger (Where the sidewalk ends), Ozu (Floating Weeds) Rosselini (Europa 51), Ford (Stagecoach, The grapes of wrath, The quiet american), Malle (Les Amants) e Ray (Bitter Victory e Bigger than life). E foi lá que tentei dar um impulso mais académico à minha cinéfilia, com a pesquisa bibliotecária sobre O Couraçado Potemkin (para Análise de Imagem, a re-publicar aqui em breve), The bend of the river (para História do Cinema) e sobre Once upon a time in America de Sérgio Leone (para Análise Fílmica).


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Quando vou à Cinemateca, saio de lá com vontade de ver as sessões seguintes ou de voltar no dia a seguir. De escolher os filmes, escrever sobre eles, vê-los e revê-los, ler e organizar os documentos da biblioteca, escolher os títulos a vender na livraria, como se tudo me pertencesse. Como se eu aí pertencesse. Ainda assim, apesar de todas as vantagens, quando de lá saio sinto-me também como o narrador do texto de Almada Negreiros que, ao ver as obras expostas numa livraria, afirma ser a salvação impossível se esta depender de ler todos os livros. Por outras palavras, ao percorrer aquele longo corredor em direcção às salas, penso: “Conseguirei ver todos os Ford? Todos os Hawks? Todos os Fassbinder?" E com essas perguntas vejo a salvação afastar-se.

Rali das Capelas (1)

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A minha cinefilia começou nos cinemas King. Já gravava filmes, já ia ao cinema – algum S. Jorge e muito Lusomundo, o primeiro por ser no centro da magnífica Lisboa, os segundos por serem os mais publicitados e pelo facto de o Olivais Shopping e o Vasco da Gama serem perto onde apanhava transportes para casa – mas foi aí que que tive o primeiro vislumbre do que o cinema pode dar e de como se passa a ver a vida através de margens rectangulares.

Da primeira vez que fui ao King, para ver O Grande Lebowski (no tempo em que ainda me interessava o que faziam os irmãos Coen) não tive o espaço em grande conta. Comparado com a sofisticação “pipoqueira” dos Lusomundo ou com a imponência do edifício do S. Jorge, pareceu-me encolhido, antiquado, refém de não ser um cinema para as massas. A segunda experiência foi determinante, para a minha cinéfilia e para o meu desenvolvimento pessoal.

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Sábado à noite. Estava em casa, desesperado – como quase sempre acontece quando temos 15 anos – com a sensaboria dos sábados à noite. E resolvi chagar os meus pais para me levarem ao King, para ver o “Tudo sobre a minha mãe” de Pedro Almodôvar. A minha capacidade inata para chatear quem quer que seja conseguiu vergá-los, e lá me foram levar e, passadas duas horas, buscar.

Fui a última pessoa a comprar bilhete para aquela esgotadíssima sessão. Fiquei com uma coxia bafienta, daquelas antigas do King em que se o ocupante se inclinasse demasiado toda a fila corria o risco de ceder. A sala estava expectante e o filme instalou nela um silencio reverente. Não falarei aqui do “Tudo sobre a minha mãe”, um dos meus preferidos de sempre, mas filme e circunstância fundiram-se num momento único, ao ponto de hoje não me saber tão bem vê-lo em casa.

A partir daqui o King foi, no meu glossário, sinónimo de descoberta contemporânea. Lá, vi Rosetta dos irmãos Dardenne, Breaking the waves de Lars von Trier, O Quarto do Filho de Nanni Moretti, entre muitos outros. E foi lá, creio que numa sessão de A Pianista de Michael Haneke, que descobri o tremendo prazer invernil de entrar num filme à luz fria da tarde e sair dela na limpidez luminosa da noite gelada. Mais recentemente, vi lá diversas sessões do IndieLisboa, com um ambiente frenético. E ultrapassei o trauma de uma época menos bem conseguida na história daquele cinema, documentada aqui.

Finalmente, foi no King que, durante um momento, até pensei em ser crítico de cinema. A junção da palavra posterior com o cinema anterior é o mais belo coito existente. Foi naquele hall, entre as páginas dos jornais e as suas fotocópias, que o percebi. Para o bem e para o mal, foi lá que me nasceu o sonho.



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12 setembro 2007

Desafio

Desafiado pelo Luís Alves, respondo:

1) Pegar no livro mais próximo: A Ronda da Noite de Agustina Bessa-Luís
2)Abri-lo na página 161
3) Procurar a quinta frase completa
4) Colocá-la blogue: "Desapareceram, foram roubados?"
5) Usar o mais próximo: Estava em cima da secretária quando li o post.
6) Passar o desafio a cinco pessoas:

- passo apenas às duas que, por norma, respondem aos meu desafios: a Sandra e a Diana.


A referência a Agustina não é pedantismo. Tentei lê-lo e, pelo menos neste momento, de convulsão pessoal e profissional, não consegui. Quando tudo estiver melhor, tentarei de novo.

11 setembro 2007

O que o Céu lhe permitiu (Wyman RIP)

Jane Wyman (1914-2007)


The Lost Weekend (1945) de Billy Wilder



Stage Fright (1950) de Alfred Hitchcock




Magnificent Obsession (1954) de Douglas Sirk



All That Heaven Allows (1955) de Douglas Sirk

06 setembro 2007

Da pertinência do subsídio


(inspirado por este texto, embora não dirigido ao seu autor)


A questão dos subsídios na produção cultural portuguesa parece não ter fim. Os anos passam e parece não haver solução à vista, os argumentos são amiúde demagógicos e já não há, naqueles que recebem, nos que não recebem e nos que dão, quaisquer inocentes.

No meu humilde contributo para a questão, começo por dizer que não gosto do método dos subsídios. Pelos seguintes motivos:

i)cria uma competição nociva entre artistas;

ii)coloca a opinião pública contra os meios culturais, tidos como esbanjadores;

iii)presta-se, pelo motivo supracitado, à demagogia política à la Rui Rio;

iv)não força os artistas a procurarem meios criativos de promover e financiar as suas obras;

v)haverá sempre a apontar a escolha deste cineasta/encenador/exibidor em detrimento de outros tantos.

De todos, creio que o mais difícil de resolver é o iv. Uma estratégia de marketing eficaz poderia multiplicar exponencialmente o número de espectadores, do mesmo modo que um “product placement” inteligente e q.b., à maneira dos filmes de Almodôvar, poderia ajudar a suportar (e muito) os custos existentes.

O problema prende-se, em igual medida, com a mentalidade e com a lei. Algumas empresas, como o Millenium BCP, começam já a perceber que o mecenato é uma forma extremamente eficaz de promover a sua imagem e que, utilizada em eventos à partida mais “marginais”, poderão fazê-los chegar a segmentos de mercado onde tinham pouca penetração. Pena é que algumas outras grandes empresas (como a Sonae) não dêem um tostão para nada que não o multiplique em pouquíssimo tempo. Por exemplo, uma lei de mecenato que, no final do ano fiscal, descontasse em 125 por cento nos impostos as verbas gastas na cultura seria um bom incentivo. Com o papão do défice, haverá vontade e coragem para o fazer?...

Agora, é importante lembrar um aspecto: alguém como eu, menor de 30 anose, como tal, provavelmente em trabalho precário, paga, por normas, 6,50 euros para ir ver uma peça na Conucópia. Com uma perda do subsídio, já de si bastante parco, em quanto ficaria o bilhete? E será que as pessoas como eu o poderiam pagar? Parece que, na cultura como em tudo o resto, um cenário puramente neoliberal acarretaria uma perda de democracia. O Estado não pode fazer tudo por todos, dirão algumas trupes blogoesféricas. Até concordo. Mas deverá sempre fazer alguma coisa. Senão, mais vale não existir.

Os subsídios são, neste momento, a melhor hipótese. Não me importava de ver uns cartazes da Optimus ou da Somague no meio do Juventude em Marcha se ajudassem a fazer um filme, do mesmo modo que não me importo de ouvir António Pedro Vasconcelos vociferar contra o sistema que me permite ver Transe e Noite Escura. Se a situação mudar um pouco (creio que um certo grau de subsidio à arte será sempre necessário), melhor. Se não, pedia que os demagogos do costume se calassem, que eu também pago impostos para muitas coisas com que não concordo.