25 janeiro 2011

Sumaríssimos (15)


Quando a Natureza finalmente levar a melhor, será duro passar o início do ano sem um novo filme de Woody Allen, há muito um ritual do Inverno cinéfilo nacional. No entanto, You Will Meet a Tall Dark Stranger quase que minimiza essa situação: como só por duas vezes na última década não aconteceu (Match Point e Vicky Christina Barcelona), esta nova incursão londrina (e que poderia ter sido feita em qualquer outro local) é a mais recente variação das suas histórias de maridos e mulheres e dos seus crimes e escapadelas. Allen já faz filmes destes de olhos fechados e You Will Meet a Tall Dark Stranger ressente-se disso, sendo algo previsível, parecendo uma sucessão de colagens de outros momentos da sua filmografia. As duas melhores cenas do filme (o momento em que Anthony Hopkins confronta a infidelidade da esposa e uma Naomi Watts vulnerável como nunca vi a declarar-se e a ser rejeitada por um Antonio Banderas estranhamente envelhecido) são fruto do talento dos actores e os seus méritos (o savoir faire da estética de Allen, fácil e fluida; a atmosfera omnipresente de morte; a surpreendente fotografia solar) não chegam para ganhar um filme sem som nem fúria. Irei sempre ver os filmes de Woody Allen, mas começo a estar demasiado habituado à sua rotina.

16 janeiro 2011

Eram os anos 90 (I)


Eram os anos 90. Não havia sinal do FMI, acreditávamos que podíamos ser prósperos, o futebol passava em canal aberto e o terrorismo era coisa que acontecia em países pouco civilizados. Havia empregos para lá dos call centers, a cerveja era mais barata e os GNR eram uma banda de topo. Para o que interessa aqui, havia também um canadiano de ascendência arménia chamado Atom Egoyan que encantou muito boa gente com dois “clássicos” da década. Exótica (1994) e The Sweet Hereafter (1997). Filmes escuros, subtis, baseados ambos em eventos traumáticos que limitam as vidas das personagens, cujos calvários pessoais acompanhamos, foram dois protótipos de um certo “cinema Atalanta”, aquilo que era concebido como alternativo durante essa década, filmes de um grão muito próprio na imagem e quase sempre vistos nas salas de Paulo Branco (lembram-se do Naked de Mike Leigh ou do Breaking the Waves de Lars von Trier?).

A partir de Felicia’s Journey (1999), Egoyan perdeu-se um pouco. Não vi o seu projecto-fétiche, Ararat (2002), sobre o genocídio arménio às mãos dos turcos, mas o anterior Where the truth lies (2005) era um banalíssimo exercício hollywoodiano, algo que parecia ter como objectivo mostrar aos produtores que conseguia cumprir prazos e orçamentos bem como gerir um elenco de actores de primeira linha. Na mesma senda, o canadiano atira-se agora a Chloe (remake do francês Nathalie de Anne Fontaines). Com Julianne Moore inexcedível e Liam Neeson e Amanda Seyfried em bom plano, esta é mais alguma história de alguém preso num momento de que não consegue sair e com alguns dos toques habituais de Egoyan: a sexualização do imaginário, a imagem escura e granulada, a filmagem da disrupção do quotidiano familiar e pessoal, no fundo, os cenários de crise a que nos habituou. Há talento na filmagem (caso raro, as cenas de sexo não são nem pirosas nem ordinárias), o filme vê-se bem e envolve o espectador do início ao fim mas saí-se da sala com a sensação de que nada ultrapassava uma normalidade auto-imposta, como se Egoyan se houvesse rendido à mediocridade do sistema e lá sentisse inteiramente confortável, no meio de um cinema comercial do qual, há pouco mais de dez anos, se encontrava confortavelmente à margem. Até na sua intriga proto-telenovelesca de uma mulher abastada que suspeita da infidelidade do marido e contrata uma jovem prostituta para o testar, encontra um toque final de reconciliação e retorno à normalidade que o coloca nos antípodas do Intimidade de Patrice Chéreau – todo ele um filme sobre rupturas.

Não posso dizer muito mal dele, mas posso dizer o seguinte: fiquei com algum receio de rever aqueles dois filmes, que tanto me fascinaram no início da minha cinefilia.

Um padre, um rabi, um pastor e o Joaquin Phoenix entram num bar...


O que pensar, antes de I’m Still Here, de Joaquin Phoenix? No meu caso, tinha-o como um bom actor (não excelente) com bons papéis no curríclo (é o melhor que há em Gladiator e um belíssimo Johnny Cash em Walk the line) mas com uma tortura interior, um qualquer trauma escondido, que me pareceu sempre mais pose do que substância. A minha estima aumentou por ele à medida que se sucederam as colaborações com James Gray e só nesses filmes (mais nos últimos We Own the Night e Two Lovers) comecei a ver nele algo de aliciante.

E I’m Still Here, mockumentary realizado pelo cunhado Casey Affleck, só piora este cenário. Porque, num sentido, tem um lado corajoso e moderno: Phoenix predispõe-se a viver-se a si mesmo como personagem, arriscando durante um ano a sua carreira e reputação para se encenar enquanto vedeta torturada que na sua procura de significado e metamorfose encontra apenas a auto-destruição, moldando a sua imagem pública de acordo com a sua nova persona (há algo das personagens do medíocre The Prestige aqui, a ideia de que é preciso viver diariamente o truque). Mas, em primeiro lugar, o truque rapidamente se transforma numa mera sequência de peripécias patéticas, cansando o espectador com o seu número de vedeta em crise. E, em segundo lugar, por muito que se queira dizer que não, o conhecimento prévio do carácter fársico da obra, ainda para mais inscrito no próprio filme através de referências múltiplas àqueles que duvidam da crise, realçam o carácter risível dos acontecimentos.

Nem sequer há qualquer redenção para I’m Still Here na realização de Casey Affleck, quase sempre limitada ao documentarismo mais banal, tentando, durante grande parte do tempo, limitar-se a filmar os “acontecimentos”, quase sempre desinteressantemente fabricados. Não, por acaso, o filme é mais interessante precisamente nos momentos que traem a sua encenação, nomeadamente o concerto em Miami ou a belíssima cena do desaparecimento final. No resto do tempo, I’m Still Here está tão obcecado com a sua própria piada que não passa de uma anedota pouco engraçada.

02 janeiro 2011

Melhores de 2010 - Cinema

1- Mistérios de Lisboa de Raoul Ruiz
2- Lola de Brillante Mendoza
3- Cópia Conforme de Abbas Kiarostami
4- A Rede Social de David Fincher
5- As Ervas Daninhas de Alain Resnais
6- O Ilusionista de Sylvain Chomet
7- Um Homem Singular de Tom Ford
8- 24 City de Jia Zhang-ke
9- Wendy & Lucy de Kelly Reichardt
10- O Fantástico Sr Fox de Wes Anderson

Menções Honrosas (ordem alfabética):

Fantasia Lusitana de João Canijo
Guerra Civil de Pedro Caldas
O Laço Branco de Michael Haneke
Líbano de Samuel Maoz
Noite e Dia de Hong Sang-soo
O Segredo dos Seus Olhos de Juan Luis Campanella
O Tempo que Resta de Elia Suleiman
Tony Manero de Pablo Larraín

Falhas mais relevantes (ordem alfabética):

36 vues du Pic Saint-Loup de Jacques Rivette
Eu Sou o Amor de Luca Guadagnino
Irène de Alain Cavalier
Shirin de Abbas Kiarostami
Vão-me Buscar Alecrim dos irmãos Safdie

Estatísticas 2010 - Cinema

Pela primeira vez, anotei religiosamente todos os filmes que vi num ano. Assim, aqui vão os dados: em 2010, vi um total de 149 sessões, com alguns filmes a serem vistos duas ou mais vezes. Desses, 63 foram vistos em sala, 66 vistos em casa, 14 em festivais de cinema (13 no IndieLisboa, 1 no Motelx) e, vergonhosamente, apenas 5 na Cinemateca. Ano beneficiado, na primeira metade, a meias pelo desemprego e pela colaboração com a Take, palpita-me que será mais difícil manter a média em 2011. Ainda assim, o objectivo mantém-se: tentar chegar a final do ano com 365 sessões vistas, completando a média de um por dia.