27 fevereiro 2008
Noites Brancas
(Outro) Mundo Fantasma
História de uma gravidez indesejada que se torna numa lição de maturidade para a personagem-título (se o Óscar tivesse ido para Ellen Page, teria sido muito bem entregue), Juno é um filme quente e acolhedor sobre encontrar um lugar no mundo e sobre o difícil caminho para a felicidade. Situado numa small town, preenche a sua hora e quarenta minutos com interessantes pedaços de idiossincrasia humana, dando o cunho de liberdade a um espaço que, muitas vezes ao longo da história do Cinema, é tido como claustrofóbico – veja-se a madrasta fetichista por canídeos e o interesse amoroso misto de marrão e jock de Michael Cera para se ter uma ideia.
Jason Reitman, filho de um dos mais bem-sucedidos tarefeiros norte-americanos das ultimas duas décadas, Ivan Reitman, demonstra ter um bom sentido de imagem (como na cena inicial, o olhar sobre o cadeirão que se abre para toda a narrativa) e forte capacidade para utilizar a música enquanto meio de reflexão e concretização das suas ideias cinematográficas (lembremo-nos da cena final, deliciosa de contenção no meio da sua descoberta amorosa). Não se pode, contudo, é dizer que, pelo menos de momento, tenha demonstrado capacidade ou vontade de inovar dentro do género que escolheu para este filme. Inversamente, dá a ideia de que segue uma espécie de livro de estilo sobre o que é “fazer independente” , não sendo um objecto particularmente pessoal. Pior, há a sensação de que Juno se esgota em si mesmo, não ficando muito em que pensar ou que tratar depois da sua visão.
É pela sua personagem principal que Juno será recordado. Neurótica, distante e com algo de profundamente agressivo na sua eloquência, Juno é, por si só, um mundo fantasma, um exemplo de uma adolescência que descobre ter tudo a ganhar com a sua abertura ao mundo e uma deliciosa portadora das dores de crescimento. Se o filme se bem e interessa enquanto dura é por ela e pelo garbo com que Ellen Page lhe dá vida. Não é Little Miss Sunshine (o destaque independente dos Óscares no ano passado), mas ao menos não chateia.
13 fevereiro 2008
Ficar é morrer
Esperar por algo melhor
11 fevereiro 2008
Requiem por um cineasta muito prezado
História de dois irmãos proletários ingleses com a mania das grandezas (competentes Ewan McGregor e, estranhe-se, Colin Farrell), sempre em busca de um esquema que os liberte da sua condição social – a sociedade de classes britânica foi bem apreendida por Allen – que, a pedido do tio que sempre lhes amparou os golpes (clássico Tom Wilkinson), assassinam uma testemunha incómoda, não ofende ninguém. Pelo contrário, são 108 minutos razoavelmente bem burilados e filmados com uma sabedoria feita de muitos anos, onde até pode ser encontrada uma síntese de algumas das obsessões do nova-iorquino. O problema é o tom mecânico, habitual, paradigmático de uma história que desaproveita o sangue novo trazido pela Londres de Match Point (2005), numa história indiferente e banal, um pouco à imagem do que já fazia Scoop (2006).
O que levanta uma questão: até que ponto, caso haja alguma nova vitalidade com a mudança para Barcelona, essa não será prontamente eliminada pelo lado esquemático e habitual do cinema de Allen? Há razões para que a carreira de Allen tenha dado esta volta, em que o cinema mais parece um emprego do que uma arte: a idade já não perdoa e as conquistas foram mais do que muitas, podendo estar o cineasta num período de descanso do guerreiro. Nada de novo, num fundo: o mesmo parece ter acontecido, em larga medida, no final da carreira de Billy Wilder. Mas custa ver um cineasta de que se gosta muito enveredar por filmes menores (mesmo que nunca maus). E, custa ainda mais ter a consciência de que isso já dificilmente mudará.
08 fevereiro 2008
Nunca Mais!
4 meses, 3 semanas e 2 dias de Cristian Mungiu, Palma de Ouro em Cannes no ano transacto, estava obviamente na linha da frente para receber aquele prémio. É um filme duro, impressionante, de uma base realista sem contemplações para com o espectador, num tipo de cinema que recentemente tem encontrado aclamação crítica nos filmes dos irmãos Dardenne. A história de duas colegas de faculdade que, durante o “reinado” de Ceausescu, são obrigadas, respectivamente, a fazer e a criar condições para um aborto clandestino é filmada num estilo de betão, que contribui grandemente para a imersão na realidade demonstrada.
E essa realidade é uma terra queimada, onde quase nada se pode fazer ou consumir mas onde tudo pode ser feito ou consumido numa economia paralela que se aproveita da situação. Na Roménia de 1987, mil olhos parecem vigiar tudo e todos a cada momento. Filme inesperadamente sensorial (depois de o ver, nenhuma falha numa lâmpada fluorescente tem o mesmo efeito em nós), segue sempre Otília, a colega de quarto que ajuda a sua amiga grávida. Mungiu é extremamente destro no tratamento da tensão dramática subjacente ao percurso da personagem principal, que tem de tratar de todos os aspectos burocráticos, sem saber como terá Gabriela reagido à intervenção. O efeito gerado é o de uma corrida contra o tempo, povoada de obstáculos e de final incerto – a qualquer momento, perante as suas acções, e num país onde para qualquer coisa se tem mostrar a identificação ou de prestar favores sexuais em troca de algo mais, a prisão é uma hipótese concreta. Que o espectador seja convidado para esta viagem é, mais do que uma fórmula estética, um testemunho histórico. Não é por acaso que, por muita documentação existente sobre a vida debaixo do jugo dos regimes comunistas, são filmes como este e As Vidas dos Outros que mostram a real dimensão da opressão política.
Em entrevista ao Público, Mungiu diz não ter vontade de enveredar pela nostalgia que alegadamente pontuava o sucesso Goodbye Lenin. É discutível que o filme de Wolfgang Becker seja assim tão nostálgico – o realizador decerto não quereria voltar a viver naquele contexto. A indignação de Mungiu prende-se com outro factor: Goodbye Lenin é o filme de um país já em paz consigo próprio. 4 meses, 3 semanas e 2 dias é, ao invés, o filme de um país ainda em guerra com o seu passado, de quem o senhor Bebe e, não esquecer, os familiares do namorado de Otília, muito bem-intencionados mas, na sua vida confortável, completamente ignorantes das dificuldades que se desenrolam naqueles quartos de hotel e outros lugares infectos, são meras consequências. A esses, Mungiu prefere a capacidade de sobrevivência e a solidariedade daquelas duas jovens. Pelo meio, ficou aquele feto abortado, símbolo de tudo o que morreu naqueles tempos.
06 fevereiro 2008
As inúmeras capacidades de Wes Anderson
Se há uma ideia de cinema, há também uma ideia de literatura em toda a obra de Anderson. O segredo da densidade extrema das suas personagens reside, maioritariamente, na sua capacidade de serem extremamente complexas dizendo apenas palavras das mais banais, quando não mesmo monossílabos e fazendo os actos mais simples – é incrível a densidade que os gags do cinto e dos passaportes adquirem. Na melhor tradição pragmática da literatura americana do pós-guerra (passam por aqui ecos de Hemingway e, sobretudo, de J.D. Salinger), vale pelo que mostra, pelos imensos silêncios, pelo não dito no meio da torrente de palavras. A estes junta-se a capacidade poética de fazer sobressair, com uma tremenda ajuda da capacidade técnica, os momentos à primeira vista menos importantes e até, à partida, mais banais: só por aquele "ralenti" e pela sua conjugação com a música se safa um momento tão óbvio como os três irmãos livrando-se da sua bagagem emocional ao livrarem-se das malas que herdaram do pai. As imagens de Anderson são, então, nos seus aspectos formais ou imaginativos, uma arte da superação da banalidade, do seu embelezamento e da absorção de todo o seu significado escondido.
Poderá sempre ser afirmado que nada de original há aqui e que Anderson mais não faz do que continuar o caminho iniciado com Bottle Rocket (1994). Se assim é (o tema tratado é, como de costume, a dissolução familiar; alguns dos actores – Jason Schwartzman, Owen Wilson e Bill Murray – são presenças recorrentes), o que se pode ver é que o virtuosismo demonstrado começa a depurar-se e a manifestar-se apenas em função do retrato feito. Por exemplo, o corte transversal no barco de Steve Zissou, grande truque do filme anterior, também aqui aparece mas de forma muito mais sóbria, simples e directa. Cinema de um conhecimento total das suas capacidades, avança calmamente na construção de uma obra, de um tecido contínuo, onde cada peça mantém o seu valor próprio para além do seu valor colectivo. Dentro desse valor, se o filme anterior era menos bom, mero paliativo depois da excelência de The Royal Tenenbaums, este torna a levantar a fasquia. E depois de The Darjeeling Limited, esta talvez esteja mais alta do que alguma vez esteve.
E se não se fala dos sentimentos gerados por The Darjeeling Limited, é porque este encontrará a sua forma de se relacionar com cada espectador, sendo inútil reduzi-los a uma visão pessoal. Como todos os grandes filmes, aliás.
03 fevereiro 2008
A Fome e a Fartura
Filmes do Mês - Janeiro de 2008
Call Girl de António Pedro-Vasconcelos (3)
4 meses, 3 semanas e 2 dias de Cristian Mungiu (8.5)
Cristovão Colombo - o Enigma de Manoel de Oliveira (5)
The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford de Andrew Dominik (8)
The Darjeeling Limited de Wes Anderson (8.5)