29 setembro 2009

Polanski


Declaração de interesses: não tenho especial admiração por Roman Polanski. Gosto muito de Rosemary's Baby (1968)... e é basicamente isso, embora confesse que ainda não vi filmes como Repulsion (1965), Cul-de-sac (1966), Chinatown (1974) ou Tess (1979) com a atenção devida. The Ninth Gate (1999), por exemplo, pareceu-me, à época, francamente medíocre. Mas a sua prisão em Zurique - onde ia a convite do festival de cinema local - não me parece muito bem.


Vamos aos factos: Polanski confessou o crime, perante a promessa do juíz de que não cumpriria mais do que uma pena de internamento numa instituição psiquiátrica, promessa que estaria na eminência de ser quebrada. O procedimento do mesmo juíz é contestadíssimo e, em Los Angeles, são frequentes os casos de ciladas montadas às estrelas. A vítima diz ter perdoado o autor do crime e afirma que a frequente menção do caso a prejudica. Polanski tem uma casa na Suíça, país que acolhe sem grandes problemas os dividendos de criminosos, desde dinheiro mafioso a ouro roubado pelos nazis e que o poderia ter prendido antes. Finalmente, falamos de um homem de 78 anos que cometeu este crime há 32.


Não digo que o crime e o modus operandi não sejam particularmente repugnantes. Mas a pergunta que me ocorre é: não há outros criminosos cuja captura se afigure mais urgente?

23 setembro 2009

Os escaravelhos somos nós


Arrisco dizer desde já: District 9 é o mais surpreendente filme de ficção científica desde que os irmãos Wachowski nos enganaram relativamente ao seu talento com o primeiro Matrix (1999) e um dos mais inesperados filmes da década. Desde logo, pela sua proveniência: nada diria que seria da África do Sul que surgiria a revitalização de um género venerável mas actualmente pouco relevante. O filme de Neil Blomkamp, embora apadrinhado por Peter Jackson e feito com um parco orçamento (considerando os efeitos especiais usados e comparativamente aos orçamentos de muitos filmes de Hollywood) de 30 milhões de dólares, utiliza as desigualdades, a guetização, o recente crescimento e a história ainda não esquecida da sua pátria (nomeadamente o apartheid) , fazendo um objecto estimulantemente sediado e, ao mesmo tempo, completamente global. É, em suma, um filme que injecta no blockbuster uma saudável dose de inteligência e inventividade.

A surpresa começa, precisamente, na fascinante inversão posicional que District 9 opera. Uma nave extra-terrestre escolhe, na década de 1980, a cidade de Joanesburgo para aportar. Após três meses, as autoridades resolvem enviar uma equipa que, no interior da nave, descobre mais de um milhão de extra-terrestres - todos da “classe operária” do planeta, visto que as chefias morreram misteriosamente - subnutridos e incapazes de se defender. Estes são colocados no titular nono distrito, um misto de favela com Faixa de Gaza com Guantanamo, até que, no presente, a criminalidade força as autoridades a mudá-los, sob o comando de um tolo genro de uma empresa a quem foi feito o outsourcing da mudança, num procedimento mudará radicalmente o estado das coisas. A inversão é então clara: mais do que perguntar o que eles nos fariam, Blomkamp escolhe perguntar o que lhes faríamos nós. E o perturbante é que a resposta não difere muito do que temos feito uns aos outros nos últimos milhares de anos.

Ao transformar os humanos nos opressores e os invasores nos oprimidos, District 9 espelha brilhantemente aspectos das sociedades actuais como a exclusão dos diferentes (a chegada dos alienígenas mimetiza a chegada dos imigrantes à Europa ou aos Estados Unidos), a cumplicidade entre a governação e as empresas (há muito de Halliburton no conglomerado Multi-National United), o poder violento do Estado, a sua burocracia controladora e o sensacionalismo da informação. Pode-se dizer que nenhum dos problemas é mais do que enumerado, sendo somente um filme de diagnóstico, mas cumpre optimamente a função de espelho do real que a ficção científica sempre teve. E funde-a com a tradicional história, de claros fins sociais, de um membro da classe dominante que acorda para as injustiças do seu tempo: o protagonista Wikus torna-se um “deles”, literal como figurativamente, operando uma pequena grande revolução no modo como passa de inapto capacho que lucra com o nepotismo a alguém que conhece por dentro as vicissitudes e as dificuldades dos depreciativamente nomeados “escaravelhos”.


Não nos iludamos, no entanto: há problemas em District 9. O maior deles a forma como a segunda parte do filme é mais blockbuster que exposição, privilegiando a explosão em detrimento do pensamento. Outro, o facto de a humanização da mais importante personagem extra-terrestre ser discutível, mero método meta-cinematográfico, custando a acreditar (como no ET de Spielberg, já agora) que um ser espacial tivesse os mesmos valores que os humanos. Finalmente, se o final em aberto é assustador e característico da melhor ficção científica e do melhor terror, não garantindo qualquer regresso a uma normalidade anterior, deixa uma porta demasiado aberta para sequelas inferiores e descaracterizadoras.

Ainda assim, há muito que não via um filme destes, inteligentíssimo, credível e lógico, com diversas ideias de cinema (o horripilante laboratório onde são feitas as experiencias cientificas com os alienígenas, por exemplo, ou a poética cena final) e, sobretudo, com a coragem de fazer perguntas incómodas. District 9 é um filme virado para dentro mais do que para o espaço sideral. Que quem o for ver o perceba para lá do grande espectáculo que, liminarmente, também é.





21 setembro 2009

No Messanger às 2 da manhã

Miguel diz:
ah, já vi o arena
rende

jose diz:
tá bom

Miguel diz:
com o rapace, é a coisa mais entusiasmante que vi do cinema portugues dos putos

jose diz:
sim, eu geralmente tb fico muito lixado com as curtas metragens

Miguel diz:
sabes que para mim é um filme muito especial: a minha escola preparatória é por trás dos prédios que ele fica a olhar no fim do filme
aquele cenário é o da minha infância

jose diz:
grande cena
aconteceu-me o mesmo com a ultima curta do joão nicolau, "cançao de amor e saude"
o centro comercial onde ela se passa marcou a minha infancia

Miguel diz:
é uma sensação estranha
estamos tão habituados a ver sitios exóticos como Paris ou Nova Iorque no cinema que é esquisito ver sitios que conhecemos
digo eu

jose diz:
pois é..

17 setembro 2009

11 setembro 2009

Preston Sturges (1)


The Great McGinty (1940) permite antever as características dos melhores filmes futuros do argumentista e realizador Preston Sturges. História de um vagabundo transformado em gangster e, posteriormente, testa de ferro de um mafioso enquanto mayor de uma cidade e governador de um Estado que conta, anos depois, numa espelunca na América do Sul, o seu trajecto a dois clientes, é um filme sóbrio, sem grandes rasgos visuais. Com um elenco de segunda linha (Brian Donlevy, secundário em filmes de Fritz Lang, Henry King, King Vidor, Cecil B. DeMille e Joseph H. Lewis, entre outros; Muriel Angelus, que encerrou aqui a sua carreira no cinema; e Akim Tamiroff, actor de filmes de Welles, Godard e Sirk, entre outros) é um filme onde tudo é posto ao serviço de um argumento muitíssimo bem escrito, numa progressão linear e classicista ao nível de um romance. Curioso também é o pessimismo da visão da vida política americana, e não apenas o compadrio entre políticos e criminosos, mas também a impossibilidade de sobreviver no meio quando os valores morais se levantam, numa visão anti-capriana onde a ascensão ao poder cria a comédia e o despertar para a moral e a solidariedade traz a tragédia. É, no limite, um filme extremamente corajoso, ao pôr, em plena Segunda Guerra Mundial e face à visão idólatra da política que Franklin Delano Roosevelt criara um cenário de falsificação de eleições, construção de obras públicas com vista ao lucro pessoal e aceitação corrente de subornos, em tudo aplicável ao contexto português de 2009. Mesmo que não seja brilhante, é um filme actual e muito competente.


07 setembro 2009

Carpenter, o contrabandista


Durante a cobertura que fiz do festival Motelx (e que sairá numa das próximas Take), tive o prazer e o privilégio de entrevistar Stuart Gordon, autor do clássico Re-Animator (1985). Quando lhe peço para falar para o leitor de mp3 da minha mulher, um Sony preto de 2 gigabytes que utilizo como gravador de voz, Gordon pergunta-me, curioso acerca do formato do aparelho e no seu estilo amigável, se aquilo era um isqueiro. Também amigavelmente, disse-lhe que não e que, como fumador, se fosse já o teria experimentado. Palavra puxa palavra e digo-lhe "O John Carpenter tem fama de ser um grande fumador..." Gordon responde-me: "Sim. Quando fui com ele a Vancouver filmar um dos meus episódios da série Masters of Horror, ele escondeu maços de tabaco nas nossas caixas de efeitos especiais. A alfândega descobriu, apreendeu as caixas e por causa disso o meu episódio começou a ser filmado com atraso".


Um curioso caso de tabagismo passivo.


(Já agora, o festival é óptimo. Não tanto pelos fimes, irregulares na qualidade, mas pela energia, pelas salas cheias e pelo público jovem. Foi a primeira vez que lá fui, mas fiquei fã.)

04 setembro 2009

La movida

Na pesquisa que fiz para um texto sobre Pedro Almodóvar que sairá, tudo corra bem, no próximo número da revista Take, soube que o cineasta havia feito parte, nos tempos da Movida, do duo musical Almodóvar & McNamara. Viagem imediata ao Youtube onde me deparei com estes fantásticos exemplos de camp musical. Vejam, que vale a pena!