Quando, no inicio do ano, soube que O Segredo dos Seus Olhos derrotara o magnífico Un Prophète de Jacques Audiard na corrida ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, atribui a decisão ao carácter farisaico da Academia. Tendo visto o filme de Juan José Campanella, realizador do esquecivel O Filho da Noiva, continuo a preferir o filme francês. Mas fiquei fã desta história de um jubilado funcionário do Ministério Público argentino que resolve, anos depois, escrever acerca de um caso particularmente violento enquanto negoceia os seus sentimentos relativamente à sua superiora hierárquica. Filme confiante e inteligente na maneira como mescla thriller e retrato político de uma época sobre um alicerce melodramático, possui um argumento clássico filmado com ocasionais de modernidade e com assinalável destreza, um belíssimo conjunto de actores (Ricardo Darìn cabeça) e uma intriga amorosa francamente enternecedora. Sobretudo, lembre-se a maravilhosa perseguição em plano sequência no estádio do Huracan, um dos momentos cimeiros do ano cinéfilo de 2010. Em tempo de Mundial, apetece dizer desta pequena maravilha que não é nenhum Messi mas é um Mascherano de excepção.
19 junho 2010
18 junho 2010
Saramago RIP
No meio de uma crise que lhe dava razão em muitas coisas, partiu um dos maiores. Com Pasolini, Gramsci ou Garcia Marquez, um homem dos que não vergam as costas.
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Despedida,
José Saramago
07 junho 2010
Carlos Lima (1962-2010)
Não me lembro se era 1996 ou 1997. Ao seu sobrinho Miguel, melómano antes de ser cinéfilo, o meu tio Carlos ouviu um dia dizer que queria uma guitarra acústica pelo Natal. Queria aprender a fazer música, quem sabe um dia ter uma banda. Os pais do Miguel não acreditaram, se calhar com razão. Mas num Natal, lá estava a caixa triangular suspeita. Chegada a meia-noite, foi aberta perante o espanto do Miguel. Não a aprendi a tocar e não sei se ele alguma vez reparou nisso.
Mais ou menos na mesma altura. Um Benfica miserável joga contra um Porto que iria eventualmente sacar 5 campeonatos seguidos. Saio de casa, ainda no Catujal e dirijo-me à sua, literalmente no outro lado da rua, para ver o jogo, que já tinha começado. Toco à porta e esta abre-se. Do cimo das escadas, oiço “Corre que ainda vês o golo!” Quando chego, afogueado, ao apartamento, vejo Valdo marcar o penálti e fazer o 1-0 (o jogo acabaria 2-1, para o Benfica marcou também João Pinto, o Porto reduziu por Emerson). Quando soube da sua morte, foi o som da sua voz a chamar-me o que primeiro me veio à cabeça.
2002. Anos depois de um divórcio turbulento da minha tia, vejo-o na sala de espera da clínica de Sto António, em Sacavém. A minha avó, que me acompanhava numa visita à médica de família, chama-o e tem um discurso que agora não interessa. Quando, ao fim de algum tempo, lhe aponta o Miguel e lhe pergunta se não o reconhece (e eu no meu canto, sempre muito envergonhado nestas situações), a frase do meu tio Carlos é lapidar: “Imaginava-o mais alto.”
Mais ou menos na mesma altura. Um Benfica miserável joga contra um Porto que iria eventualmente sacar 5 campeonatos seguidos. Saio de casa, ainda no Catujal e dirijo-me à sua, literalmente no outro lado da rua, para ver o jogo, que já tinha começado. Toco à porta e esta abre-se. Do cimo das escadas, oiço “Corre que ainda vês o golo!” Quando chego, afogueado, ao apartamento, vejo Valdo marcar o penálti e fazer o 1-0 (o jogo acabaria 2-1, para o Benfica marcou também João Pinto, o Porto reduziu por Emerson). Quando soube da sua morte, foi o som da sua voz a chamar-me o que primeiro me veio à cabeça.
2002. Anos depois de um divórcio turbulento da minha tia, vejo-o na sala de espera da clínica de Sto António, em Sacavém. A minha avó, que me acompanhava numa visita à médica de família, chama-o e tem um discurso que agora não interessa. Quando, ao fim de algum tempo, lhe aponta o Miguel e lhe pergunta se não o reconhece (e eu no meu canto, sempre muito envergonhado nestas situações), a frase do meu tio Carlos é lapidar: “Imaginava-o mais alto.”
06 junho 2010
Take 24 - Junho
01 junho 2010
Do eternamente adiado pólo da Cinemateca no Porto
Em lead, para não haver dúvidas: sou a favor de um pólo da Cinemateca no Porto ou, mais importante ainda, de algo que desempenhe função idêntica. A segunda cidade do país, mesmo de um país minúsculo, pode e deve ter instituições culturais que criem riqueza, material e humana. No caso do Porto como muito bem frisou Maria João Seixas, é também uma justiça histórica, por a cidade ter sido o berço do cinema em Portugal. Apesar disto, acho importante ressalvar as seguintes questões:
i) É asquerosa a retórica bairrista que tomou conta da zona de comentários da entrevista. Já não há paciência para a ideia, mentirosa e bafienta, de que Lisboa vive à conta dos impostos pagos pelos portuenses, aproveitando as verbas para pavimentar as ruas de ouro e e comprar veículos topo de gama. Cá em baixo também trabalhamos e também pagamos impostos, que o belo governo nacional não olha à proveniência dos fundos. E, tal como vós, não temos qualquer poder de decisão na utilização do dinheiro. Aí, mouros e tripeiros são exactamente iguais.
ii) Quando se fala do centralismo, papão lisboeta cujo único objectivo é denegrir a qualidade de vida do Porto, não seria positivo lembrar as responsabilidades da edilidade no presente estado de coisas cultural? Afinal de contas, estamos a falar do município que inaugurou duas obras estruturais fundamentais para a Capital Europeia da Cultura 2001 (Metro e Casa da Música) anos depois do fim da iniciativa ; da cidade que ofereceu o seu maior teatro a Filipe La Féria; que votou ao abandono o (segundo as imagens que vi) lindíssimo Cinema Batalha e que se prepara fazer o mesmo com o histórico Teatro Sá da Bandeira; e que tem um autarca que fingiu que ia resolver o défice financeiro da cidade através do corte da meia dúzia de tostões que supostamente esbanjava nos apoios culturais – incluindo à maior bandeira cinematográfica do município, o Fantasporto. Tudo isto numa região em que a vizinha Vila Nova de Gaia, que poderia albergar as estruturas que Rui Rio não quisesse, erigiu e ofereceu um centro de estágio ao um clube de futebol riquíssimo, cobrando de renda o equivalente à de um apartamento, num valor que nem sequer paga o consumo mensal de àgua no Olival. Antes de culpar Lisboa, não seria melhor fazer uma auto-análise que permitisse mudar as condições futuras da cidade?
iii) A história contada por Maria João Seixas, acerca da sessão em Serralves com a presença de Pedro Costa, lança-me uma dúvida: até que ponto esta questão não é mais uma cause célèbre interessada em ter algo com o nome igual a um nome de Lisboa ou se é mesmo um desejo saudável de mais e melhor cinema – lembremos também o insucesso do ciclo da Cinemateca realizado na Invicta durante a Capital Europeia da Cultura 2001, que justificou a posição de JBC até à sua morte. Espero que seja a segunda. O meu conselho é que os portuenses prezem as oportunidades que, mal por mal, ainda lhes são dadas. Se não o fizerem, a margem de manobra para exigências decresce substancialmente.
iv) Há algo de muito contraditório em dizer-se que se quer uma rede de cinemas com projecção digital “até ao Pico” e depois dizer-se que começar pela segunda cidade do país “não é prioritário”. Afinal de contas, os meios para fazer algo na área do cinema serão decerto maiores no Porto do que na Guarda, em Coimbra, em Évora ou em Portimão.
Por último, uma nota. É legítima a preocupação de Maria João Seixas de que uma Cinemateca do Porto retire fundos à de Lisboa. Do mesmo modo que não quero retirar a tripeiros para meter na boca de alfacinhas, não espero que aconteça o contrário. Se a ideia do Ministério for não a de aumentar recursos mas sim a de dividi-los entre duas cidades a 300 km de distância, estive aqui este tempo todo a escrever para o boneco. Afinal de contas, metade de pouco é quase nada.
i) É asquerosa a retórica bairrista que tomou conta da zona de comentários da entrevista. Já não há paciência para a ideia, mentirosa e bafienta, de que Lisboa vive à conta dos impostos pagos pelos portuenses, aproveitando as verbas para pavimentar as ruas de ouro e e comprar veículos topo de gama. Cá em baixo também trabalhamos e também pagamos impostos, que o belo governo nacional não olha à proveniência dos fundos. E, tal como vós, não temos qualquer poder de decisão na utilização do dinheiro. Aí, mouros e tripeiros são exactamente iguais.
ii) Quando se fala do centralismo, papão lisboeta cujo único objectivo é denegrir a qualidade de vida do Porto, não seria positivo lembrar as responsabilidades da edilidade no presente estado de coisas cultural? Afinal de contas, estamos a falar do município que inaugurou duas obras estruturais fundamentais para a Capital Europeia da Cultura 2001 (Metro e Casa da Música) anos depois do fim da iniciativa ; da cidade que ofereceu o seu maior teatro a Filipe La Féria; que votou ao abandono o (segundo as imagens que vi) lindíssimo Cinema Batalha e que se prepara fazer o mesmo com o histórico Teatro Sá da Bandeira; e que tem um autarca que fingiu que ia resolver o défice financeiro da cidade através do corte da meia dúzia de tostões que supostamente esbanjava nos apoios culturais – incluindo à maior bandeira cinematográfica do município, o Fantasporto. Tudo isto numa região em que a vizinha Vila Nova de Gaia, que poderia albergar as estruturas que Rui Rio não quisesse, erigiu e ofereceu um centro de estágio ao um clube de futebol riquíssimo, cobrando de renda o equivalente à de um apartamento, num valor que nem sequer paga o consumo mensal de àgua no Olival. Antes de culpar Lisboa, não seria melhor fazer uma auto-análise que permitisse mudar as condições futuras da cidade?
iii) A história contada por Maria João Seixas, acerca da sessão em Serralves com a presença de Pedro Costa, lança-me uma dúvida: até que ponto esta questão não é mais uma cause célèbre interessada em ter algo com o nome igual a um nome de Lisboa ou se é mesmo um desejo saudável de mais e melhor cinema – lembremos também o insucesso do ciclo da Cinemateca realizado na Invicta durante a Capital Europeia da Cultura 2001, que justificou a posição de JBC até à sua morte. Espero que seja a segunda. O meu conselho é que os portuenses prezem as oportunidades que, mal por mal, ainda lhes são dadas. Se não o fizerem, a margem de manobra para exigências decresce substancialmente.
iv) Há algo de muito contraditório em dizer-se que se quer uma rede de cinemas com projecção digital “até ao Pico” e depois dizer-se que começar pela segunda cidade do país “não é prioritário”. Afinal de contas, os meios para fazer algo na área do cinema serão decerto maiores no Porto do que na Guarda, em Coimbra, em Évora ou em Portimão.
Por último, uma nota. É legítima a preocupação de Maria João Seixas de que uma Cinemateca do Porto retire fundos à de Lisboa. Do mesmo modo que não quero retirar a tripeiros para meter na boca de alfacinhas, não espero que aconteça o contrário. Se a ideia do Ministério for não a de aumentar recursos mas sim a de dividi-los entre duas cidades a 300 km de distância, estive aqui este tempo todo a escrever para o boneco. Afinal de contas, metade de pouco é quase nada.
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