31 dezembro 2011
2011 - Filmes
28 dezembro 2011
2011 - Discos (Ordem Alfabética)
26 dezembro 2011
2011 - Livros
Em termos de livros, 2011 foi marcado essencialmente por dois escritores.
Um, o norte-americano Jonathan Franzen, e Freedom (2010) e The Corrections (1999), lidos por esta ordem, dois preciosos frescos de duas épocas diferentes filtrados pelo olhar de duas famílias do Midwest, pais e filhos em busca da melhor forma de lidarem com as suas vontades e desejos. Extensos e pormenorizados, ou não fosse Franzen um seguidor da escola russa do seculo XIX, são dois livros fantásticos para se compreender as respectivas épocas em que foram escritos.
Outro, o português João Tordo e O Bom Inverno (2010) e Hotel Memória (2008), também lidos por esta ordem. O primeiro é um extraordinário romance contemporâneo, cinematográfico e acessível, onde a premissa "à Antonioni" é desenvolvida com destreza e de forma empolgante. O segundo é um livro menor, mais fragmentado e com uma evolução narrativa desigual, que ainda assim não esconde o talento do seu autor.
Menos importante durante o ano que correu foi a leitura de dois tomos de Roberto Bolaño. Depois da leitura marcante de 2666 (2004), Estrela Distante (1996), novela sobre um escritor chileno desaparecido de tons autobiográficos e Nocturno Chileno (2000), febril noite de recordações de um padre poeta e crítico literário passando em revista uma vida cheia de eventos, aparecem como que ensaios para o livro supra-citado, compêndio das obsessões do autor. O primeiro ainda é um livro embrionário, segunda tentativa de um escritor marcado para voos mais altos, o segundo já se aproxima mais, no seu onirismo e no seu stream of consciousness, do virtuosismo que depois lhe seria reconhecido. Ainda assim, continuo a achar que a leitura das mil páginas de 2666 poderá facilmente substituir a destes dois pequenos livros.
De resto, houve Livro (2010) de José Luis Peixoto, um Peixoto menor, competente mas a faltar-lhe o fôlego e a originalidade de Nenhum Olhar (1999); O Tigre Branco (2008) de Aravind Adiga, entusiasmante olhar sobre os novos ricos da Índia enquanto potência emergente; Aproveita o Dia (1956), a minha saborosa introdução aos homens em queda de Saul Bellow; comecei a ler o apocalipse dos trabalhadores (2008) de valter hugo mãe, mas não apreciei nem o tom sentimental omnipresente nem a grafia apenas em caracteres minúsculos; seis anos depois de o adquirir, terminei finalmente a leitura de The Plot Against America (2005) de Philip Roth, extraordinario “what if” histórico onde o autor se confronta não só com a posição histórica dos judeus na América como com as tendencias isolacionistas de alguma direita republicana; e, com Extensao do Dominio da Luta (1994), estreei-me na obra de Michel Houelbecq com uma novela tremenda de mal-estar civilizacional e desespero urbano, com um estilo afiado e conciso num ambiente geral de cortar a faca.
Como o Natal trouxe Just Kids (2011) de Patti Smith e Anatomia dos mártires (2011) de João Tordo, serão esses os primeiros livros a ser lidos em 2012.
12 dezembro 2011
O apocalipse privado de Lars von Trier
O impulso apocalíptico prende-se amiúde não com qualquer fenómeno intrinsecamente natural ou independente dos humanos mas, precisa e limitadamente, com aquilo que é mais humano. No limite, é mais um fenómeno em que os seres humanos projectam toda a sua culpa, a um tempo lamentando quer a morte quer o sofrimento que tal acontecimento traria mas igualmente exultando não só na libertação do sofrimento causado pela vida como na expiação final de todos os seus pecados. É isso que explica a marcação constante de datas para o fim do mundo (2012 como antes 2000) bem como as múltiplas indústrias que se constroem sempre à volta do fim iminente.
É assim também Melancholia, novo filme de Lars von Trier, que como o anterior Antichrist serve de purga que o próprio realizador faz pela depressão de que padece há alguns anos. A história de duas irmãs que se confrontam com o embate de um planeta chamado Melancholia com a terra e que, no meio deste acontecimento extremo, gerem as suas vidas e os sentimentos face a tudo o que os rodeia, apresenta o apocalipse como a única saída, o fim natural e purificador de um mundo que se tornou maligno em todas as suas vertentes. É, mais do que qualquer outra coisa, da sua mundividência (auto-)destrutiva de que von Trier fala e o mais estranho é que o faça num filme esteticamente tão trabalhado.
Reminiscente tanto dos Dogma que fez no meio da década anterior, na sua câmara à mão e som directo, quanto de Visconti e Resnais (respectivamente, nos momentos mais épicos que tem e no jardim onde grande parte do filme tem lugar, que parece retirado de O Último Ano em Marienbad), Melancholia tem como principal característica o vazio que o percorre. Para um filme tão preenchido visualmente (mais um falhanço no prólogo wagneriano, a fazer lembrar os piores momentos de Antichrist; tons omnipresentes de dourado na sequência do casamento a contrastar com azul quando o planeta se aproxima; e uma atenção quase maníaca ao enquadramento, sobretudo num filme que depende tanto da câmara à mão), todas as personagens, mesmo aquelas a que Kirsten Dunst e Charlotte Gainsburg emprestam a sua generosidade, falham em espessura e algumas delas, mormente os pais Charlotte Rampling e John Hurt e o planeador Udo Kier parecem estar lá mais para fazer um número e sairem de cena do que para serem parte integrante do filme. Acontece que, por uma vez, todo este vazio, que em von Trier era cada vez mais uma falta de ideias e uma certa incapacidade para perceber para onde iria a sua própria carreira, aparece aqui, neste filme longo mas de enredo esparso e com muito espaço entre cada cena, como parte integrante do objecto, da supra-citada mundividência e menos como um tique catastrofista de cineasta diletante com jeito para o escândalo fácil. Que von Trier tenha deixado o escândalo para uma conferência de imprensa a raiar o patético só abona a favor de Melancholia.
Por mim, não tendo gostado particularmente, há muito que não gostava tanto de um filme de von Trier (talvez desde Dogville). Há momentos que considero sublimes (a cena final, culminar da catástrofe em surdina num dénouement simultaneamente explosivo mas trabalhado de modo a afastar-se dos filmes à Roland Emmerich, procurando que à catarse moral equivalha uma catarse pictórica; a apoteose aquando da primeira passagem do planeta, uma lindíssima cena familiar por onde, pela única vez neste filme, passa um sentimento de amor à vida e à beleza), contrabalançado por toda a narrativa exangue e vazia com que von Trier enche os restantes minutos e que, como referi anteriormente, faz sentido mas não faz do filme uma obra-prima. Porém, há muito tempo que não tinha qualquer esperança de que von Trier voltasse a fazer um filme ao nível de Europa ou Breaking The Waves. Que parte, ainda que mínima, dessa esperança tenha renascido é a principal vitória do dinamarquês.