Era claro, para quase toda a gente, que o cinema de Pedro Almodóvar precisava de um choque eléctrico. Los Abrazos Rotos era um filme frouxo, estéril, derivativo, que não adiantava nem atrasava nada relativamente à filmografia do espanhol. La Piel que Habito tenta, de forma muito concreta, ser o contraponto a esse filme, pegando nas obsessões habituais, aqui filtradas pelo romance Tarantula de Thierry Jacquet, e tenta reanimá-las à força. Falha, embora na minha opinião não tão clamorosamente quanto alguns, inclusivamente parte do grupo que come tudo o que o "génio" Spielberg lhes enfia pela boca abaixo, querem afirmar.
Se esta história de um cirurgião plástico com toques de psicopatia e da sua relação obsessiva com a "mulher" que rapta e a quem dá uma nova pele, é efectivamente um falhanço, não o é tanto por motivos formais. Almodóvar, autodidacta das formas fílmicas, continua destro na filmagem e organização do filme não se coibindo inclusivamente de organizar o núcleo central da obra em duas analepses virtuosas no estabelecimento das motivações iniciais da narrativa. Adicionalmente, consegue algumas imagens assombrosas, nomeadamente na sequência do rapto e nos momentos que Antonio Banderas (em bom nível) aparece filmado contra o plasma gigante que projecta a imagem de Vera. Todos estes momento positivos têm, porém, de conviver com a sequência do assaltante mascarado de tigre, que parece vir de outro filme e que se conta entre os momentos menos conseguidos da carreira do cineasta.
Os principais problemas de La Piel que Habito centram-se, então, no argumento. Em primeiro lugar, pela sua inverosimilhança. Todo o desenvolvimento narrativo é demasiado escabroso para ser provável e e o espectador questiona frequentemente se o realizador não terá ido longe demais na premissa que escolheu para o filme. Em segundo lugar, porque toda a estética de choque aqui parece demasiado premeditada, pouco orgânica, uma acção concerta no sentido de recuperar a iconoclastia com que, antes da inflexão com A Flôr do Meu Segredo (1994), era identificado. Em terceiro e último lugar, porque enquanto os seus melhores filmes se configuram como uma metáfora da Espanha pós-franquista, este quer apenas o "thriller" pelo "thriller", num vazio conceptual (apesar de uma ou duas referências à bio-ética) que, longe de o tornar mais abstracto, apenas lhe retira força e eficácia, sem sequer aflorar as questões de género e identidade sexual que uma história deste tipo necessariamente gera.
Tivesse todo o filme a secura e a economia do "dénouement" e a conversa seria outra. Por um lado, prefiro esta tentativa de mudança, com todos os seus desequilíbrios, à normalidade passiva do filme anterior. Por outro, até eu, fã assumido de Pedro Almodóvar, começo a notar o progressivo esgotamento criativo do seu cinema. Talvez uma pausa mais prolongada do que o habitual lhe fizesse bem, para voltar com a verve que lhe é reconhecida.
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