09 novembro 2007

Nem tudo é mau

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Hannah and her sisters (1986) é o mais optimista dos filmes de Woody Allen. Drama burguês de evidentes ressonâncias bergmanianas (que extravasam a simples presença de Max von Sydow), coloca em jogo uma série de personagem ligadas, por motivos familiares ou conjugais, à Hannah do título (Mia Farrow). Filme sobre a busca pela paz de espírito na vida amorosa, desenvolve-se em saudável clima de peça tchekoviana, a um tempo conhecedora das fragilidades do ser humano e de todo o potencial redentor de que este se reveste.

Em meados dos anos 80, Allen havia atingido o topo das suas capacidades técnicas e Hannah and her sisters ganha com esse facto. Poucas vezes a câmara do nova-iorquino foi tão fluente e tão dominadora do ambiente em que estava envolvida. Um dos mais fascinantes aspectos deste filme é a sua brilhante conjugação do humor das personagens com os elementos atmosféricos em que foi feito. Note-se a cena invernil de Barbara Hershey, depois de consumada a traição, a caminhar à chuva, numa ideia de tristeza e confusão interior transmitida da maneira mais simples. Ou na brilhante cena em que Allen, a braços com um possível cancro, pensa estar sozinho no mundo e sai do hospital para uma rua deserta, que subitamente ganha vida quando este entra em fase de negação. Se a ideia que perpassa hoje de Allen é que faz o filme do costume da maneira mais fácil (preguiçosa?) possível, há cerca de 20 anos Allen fazia simples porque podia transmitir mais eficazmente as suas ideias. Hannah and her sisters é, então, um singular prodígio de economia, para o qual é difícil de arranjar par na filmografia do cineasta.

Contudo, a maior parte do mérito por esta brilhante peça de câmara, melhor, por este mosaico de pequenas peças de câmara, tem de ser dada ao argumento trabalhadíssimo e apurado, que, sustentado pela divisão em capítulos, completa um circulo em termos de acontecimentos. Sobretudo, há tempo e conhecimento para cada uma das personagens ser compreendida pelo espectador. Ajudadas por um excepcional grupo de actores (Allen, Farrow, Sydow, Barbara Hershey, Diane Wiest e o fantástico Michael Caine), tudo aqui ganha um realismo digno de algo que está realmente a ser vivido.

Acessível e quente, apesar de sempre complexo, Hannah and her sisters é, sem dúvida, um dos melhores Allens de sempre (ao lado de Annie Hall, Manhattan, Crimes and Misdemeanours e Everyone Says I Love You). A todos estes junta a sua crença de que tudo se resolverá, a esperança nas qualidades redentoras das relações humanas e o simples prazer de estar vivo. Quem diria que Woody Allen nos conseguiria reconciliar com a vida.