La Mala Educación é, na carreira de Pedro Almodóvar, um objecto que percorre os últimos 20 anos. Escrito pela mesma altura de Matador (1986) e La Ley del Deseo (1988) e com vincados traços autobiográficos (também o cineasta espanhol estudou num colégio católico), Almodóvar optou por não o realizar enquanto não encontrasse o actor indicado para representar Juan Rodriguez/Angel Andrade. Em 2004, esse actor apareceu na pessoa bem apessoada de Gael Garcia Bernal (de irrepreensível sotaque castelhano), podendo o filme ser finalmente levado a cabo.
Contudo, tamanho desfasamento temporal leva a que este seja um filme que dificilmente se enquadra na produção pós-Kika (1992), muito mais votada ao melodrama que a este simulacro de film noir, passado numa Espanha ainda à procura da paz interior – entre os anos 60 e o principio dos anos 80. Sobretudo, na medida em que há um claro choque entre a forma de Almodóvar, cada vez mais assente num cinema tranquilo e formalmente perfeito, e um argumento que denota a energia de outros tempos e que se quer mais ardido que contido. Um objecto fora de tempo, então, mas que não deixa, de todo, de ter as suas qualidades.
História de um (pretenso) reencontro entre dois colegas de um colégio católico, um dos quais principal objecto de desejo do padre director, aquando de uma adaptação cinematográfica, realizada por um, do conto escrito pelo outro, La Mala Educación é, no limite, um filme sobre a transferência do desejo e a sua relação com a memória pessoal. Com a excepção da já referida personagem de Bernal (esse é um escravo do seu desejo de sucesso, e o seu corpo é apenas um meio de o conseguir), quer o cineasta Enrique Goded (Fele Martinez) quer Padre Manolo /Sr. Berenguer (Lluis Homar) andam em busca de substitutos daqueles que desejaram, tornado o desejo numa identidade – aquele que deseja – que inclusivamente se sobrepõe à identidade social, sempre mutável.
Não é, então, muito difícil ver aqui a influência de Vertigo (1958), que afinal mais não fazia do que transferir o desejo de uma mulher morta para uma mulher viva, se possível moldando a segunda ao aspecto da primeira. E, em mais do que um aspecto, a frieza que percorre La Mala Educación pode inclusivamente estar relacionada com esta parecença: do mesmo modo que no filme supra-citado, Hitchcock teve de diminuir o efeito emocional presente, por exemplo, em Notorious (1946) ou em Rear Window (1954), filmes de forte componente melodramática, também Almodôvar tem aqui de sobrepor o tratamento das personagens a uma qualquer emoção sensorial, para melhor ilustrar a sua queda.
Filme-súmula, em termos temáticos, de muitas das obsessões do realizador, La Mala Educación não deixa nunca de ser muito bem filmado (atente-se na sequência do jogo de futebol com padres e pupilos, ou no kitsch insuperável da versão espanhola de Moonriver) e uma descida às profundezas da alma humana, daquelas em que Almodôvar se tem especializado. Já fez melhor – os filmes da época em que foi escrito o argumento, por exemplo – mas não desce nunca abaixo daquilo a que nos habituou.
1 comentário:
É um dos meus Almodovar preferidos. Aliás, acho que é o mais ambicioso e conseguido ao nível do argumento.
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