Do ponto de vista temático, a filiação de Eastern Promises na obra de David Cronenberg é inequívoca. A metamorfose é aqui a transformação de Nikolai Luzhny (fabuloso Viggo Mortensen, será que a Academia o viu?) de um agente do FSB (antigo KGB), alguém que tenta acabar com a vertente russa do crime organizado em Londres, tornando-se precisamente num dos criminosos que tenta combater. Outra dessas metamorfoses é a de Anna, que de mulher que sente as alegrias da maternidade apenas por interposta pessoa passa a dona do seu próprio agregado familiar. Do lado físico, lembre-se a luta na sauna – a razão por que este filme será recordado no futuro? – onde o corpo humano é mostrado como uma arma, bem como o tradicional horror ao sexo (a única cena de sexo é com uma prostituta, Naomi Watts só se consegue “reproduzir” de forma assexuada, e um beijo é a única prova carnal dos sentimentos partilhados por Anna e Nikolai).
Se nada do que atrás aparece escrito é difícil de perceber, as relações entre essas temáticas e a mise-en-scène de Eastern Promises revela-se bem mais complicada. Porque, à primeira vista, este parece um filme académico, filmado com um classicismo que pouco ou nada parece acrescentar. A uma segunda visão, contudo, revela-se o quanto é esta estrutura lúcida e clínica que permite entrever as bonecas russas que são cada uma destas personagens, e o progressivo entrelaçar das suas ambições, das suas famílias e do seu uso particular da violência. Por outras palavras, mais do que um enunciar brusco da metamorfose e das restantes obsessões, há uma progressão elegante na revelação das diferentes matizes destas personagens que é potenciada precisamente por esta estrutura.
Mais do que uma crítica, este texto pretende ser uma resposta interior à dúvida levantada neste post. Pela minha parte, continuo com dúvidas relativamente á eventual inclusão de Eastern Promises no lote dos grandes filmes de 2007, mas após duas visões já faço parte do grupo que nele vê um interessantíssimo objecto de cinema.
Se nada do que atrás aparece escrito é difícil de perceber, as relações entre essas temáticas e a mise-en-scène de Eastern Promises revela-se bem mais complicada. Porque, à primeira vista, este parece um filme académico, filmado com um classicismo que pouco ou nada parece acrescentar. A uma segunda visão, contudo, revela-se o quanto é esta estrutura lúcida e clínica que permite entrever as bonecas russas que são cada uma destas personagens, e o progressivo entrelaçar das suas ambições, das suas famílias e do seu uso particular da violência. Por outras palavras, mais do que um enunciar brusco da metamorfose e das restantes obsessões, há uma progressão elegante na revelação das diferentes matizes destas personagens que é potenciada precisamente por esta estrutura.
Mais do que uma crítica, este texto pretende ser uma resposta interior à dúvida levantada neste post. Pela minha parte, continuo com dúvidas relativamente á eventual inclusão de Eastern Promises no lote dos grandes filmes de 2007, mas após duas visões já faço parte do grupo que nele vê um interessantíssimo objecto de cinema.
3 comentários:
De facto, a "reprodução" é assexuada e só existe essa prova carnal. Mas parece-me que a personagem de Watts não é, de todo, assexuada. Desde a primeira vez que ela e Nikolai partilham uma sequência, senti uma enorme tensão sexual. Mais do que ela ser "assexuada", achei que a encenação fria de Cronenberg (e o argumento, claro) obriga a essa repressão de desejo.
Ou então isto é o meu cérebro a reagir à imagem da Naomi Watts.
Sem dúvida. Eu não quis dizer que a tensão sexual não existia. Referia-me somente à representação sexual gráfica. Tensão existe, mas o facto de nunca ser concretizada também é uma marca cronenberguiana, ao manter aquela relação "pura".
"Por outras palavras, mais do que um enunciar brusco da metamorfose e das restantes obsessões, há uma progressão elegante na revelação das diferentes matizes destas personagens que é potenciada precisamente por esta estrutura."
Creio que é mesmo esse o grande triunfo do filme. Cronenberg consegue colocar-se por baixo da pele das personagens, e todo o filme é um revelar de camadas superficiais até chegarmos finalmente ao que cada personagem é verdadeiramente.
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