22 abril 2008

31 da Armada

Na vida de alguém que vê filmes, chega sempre a altura do dilema: se um filme deve ser compreendido e apreciado ou rejeitado mediante a reacção à conjugação entre forma e conteúdo, o que acontece quando um filme se dedica a destruir qualquer hipótese de conciliação entre ambos? Quando, no fundo, um filme é tão panfletário que cedo nos esquecemos do encadeamento e da construção das suas formas fílmicas?

Tropa de Elite, vencedor da última edição do Festival de Cinema de Berlim, ainda consegue fazer o espectador focar-se no cinema durante a sua primeira obra. Para que não haja dúvidas: José Padilha é bom cineasta. O seu filme é voraz, e são largos os momentos em que, perante a torrente de imagens poderosas que o assola, o espectador mal tem tempo para respirar. Sobretudo, é uma obra muito inventiva do ponto de vista estrutural, dividindo-se em dois segmentos que se intersectam por diversas vezes e que, por sua vez, se dividem em capítulos mais pequenos. O primeiro segmento mostra os preparativos para uma operação de segurança dos BOPE (a polícia paramilitar que “trata” da segurança das favelas cariocas) aquando de uma visita de João Paulo II em que o Papa resolve ficar hospedado em casa do arcebispo do Rio de Janeiro, junto às favelas. O segundo, o processo de formação de um líder de uma das brigadas da mesma força, quando o narrador do filme começa a ter problemas emocionais com o seu trabalho, até por estar à beira de ser pai e que desemboca numa vingança por um assassinato de um dos membros da Brigada.

Ninguém dúvida da podridão, da violência e da criminalidade (aliás, do banditismo) que grassa nas favelas do Rio de Janeiro. Mas Tropa de Elite não vai no sentido da denúncia (inútil pelo motivo supracitado) nem tão pouco tenta mostrar como é a vida numa favela ou as dificuldades daqueles que de lá tentam sair. Pelo contrário, avança pela glorificação dos supostos super-homens que compõem os BOPE, para quem a violência extrema, a tortura e o sadismo são males menores se comparados com a criminalidade e com o tráfico de droga. O problema é que entre um traficante que prende uma pessoa com pneus, a irriga com gasolina e a ateia e um polícia que ameaça enfiar vassouras em orifícios, que sufoca pessoas com sacos de plástico e assassina traficantes pelas costas depois de dar a um subalterno a ordem de o “botar na conta do Papa”, não parece haver grande diferença. A não ser que se esteja tão podre por dentro quanto parece estar a cabeça de José Padilha.

Eu, por mim, não vou estar atento aos blogues de esquerda. Vou, pelo contrário, ignorar os blogues de direita e os seus orgasmos com a cena em que, numa aula de faculdade, se vê uma discussão onde alguns dos melhores pensadores do século XX (Foucault e Deleuze, por exemplo) são mostrados como tontos. E não vou pensar no Pacheco Pereira a tentar arranjar paralelismos entre isto e um certo “prisioneiro político” que supostamente cá temos. Vou apenas lamentar que um cineasta com talento se perca numa tentativa impossível de distinção entre um criminoso com farda e outro sem vestimenta adequada.



Vai ser o fim da picada: num ano, o quadragésimo aniversário do Maio de 68 – uma espinha na garganta da direita – e a estreia deste Tropa de Elite, futuro filme preferido de muito má gente e por todos os motivos errados. A direita vai cantar vitória e nem a crise em que os mais queques dos partidos dos meninos do Restelo e do eixo Lisboa/Cascais se encontram os vai impedir de cantar vitória. E, no fim de contas, vai tudo estar na mesma. O objectivo, aliás, nunca foi outro.

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