O primeiro desses filmes, logo na noite de abertura e perante casa cheia, foi o brilhante The Mission (1986), 'western' urbano a um tempo cinético e flutuante, sobre um grupo de homens contratados para proteger um chefe do crime ameaçado por um rival. Filmado com lentes potenciadoras da profundidade de campo e com momentos de 'empate técnico' nas sequências de acção geradoras de enorme tensão dramática (e muito diferentes das de John Woo, onde dois “pistoleiros,” a poucos centímetros de distância um do outro, apontam reciprocamente armas à cabeça), é um belo exemplo de como fazer grandes e pessoalíssimos filmes de acção sem inventar o que quer que seja, reorganizando apenas os elementos de acordo com a sua voz pessoal. Aqui, To vira-se para a amizade lacónica que surge entre o grupo de homens e que os leva, em última instância, a arriscar reputação e vida em prol do mais irresponsável dos membros do grupo. O IndieLisboa começou em grande…
… mas decaiu um pouco logo de seguida. Mad Detective (2007) está uns quantos furos abaixo do filme anterior. Esta história de um ex-detective que julga poder ver a verdadeira personalidade das pessoas começa devagar, com diversos por menores que nunca são bem explicados ou assimilados pela narrativa, ancorada numa encenação pouco mais do que eficaz. Apenas no seu explosivo final, roubo/homenagem a The Lady From Shanghai (1947) de Orson Welles, assume o seu potencial. A forma de definir as personagens através da personificação da sua personalidade é especialmente bem conseguida nos casos da ex-mulher do detective e do polícia investigado, mas parece que, até ao término, o filme pouco mais tem que esse truque. Felizmente, no fim tudo se transforma numa tragédia, o que acaba por salvar Mad Detective da irrelevância a que, durante uma hora, parece estar condenado.
O grande brinde desta retrospectiva foi, no entanto, Sparrow (2008), última obra de Johnnie To e que, pelo menos à data do festival, não estava comprado para exibição em Portugal. Homenagem assumida a Les Parapluies de Cherbourg (1964), encena, numa cadência vincadamente musical, a ajuda que quatro carteiristas dão a uma 'femme fatale' que se quer livrar do senhor do crime (velho e experiente carteirista) que sempre a sustentou. Bailado fílmico mais do que filme de acção, será lembrado pela sequência na passadeira, momento de confronto entre duas gerações e dois estilos de crime, longos minutos de seguríssima coreografia de qualquer coisa como “a arte de roubar”. Leve como um divertimento mas sério como a maior obra de arte, é talvez, de entre os já vistos, o melhor filme de Johnnie To, aquele onde um estilo pessoal e as componentes lúdica e, sem quaisquer receios, comercial da sua obra melhor coexistem. A estrear, o mais depressa possível.
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Fora do ciclo central do certame, destaque também para um Ferrara de muito bom nível. Go Go Tales (2007) pega no tema central e no contexto (decadente clube nocturno nova-iorquino) de The Killing of a Chinese Bookie (John Cassavetes, 1976) e volta a encenar a história da persecução de um sonho visto apenas por uma pessoa e por meia-dúzia de comparsas indefectíveis. Juntando um grupo de actores de grande nível (Willem Dafoe, Asia Argento, Matthew Modine, Bob Hoskins), acentua o lado capriano da revolta e da vontade de sucesso num homem comum e resulta num divertimento sensual, ritmado e perfeitamente integrado na estética nocturna e virtuosa do ítalo-americano.
No meio da qualidade cinematográfica que, a julgar por estes quatro filmes, terá pontuado esta edição do IndieLisboa 2008, pena que o último filme que tive a oportunidade de visionar nesta edição tenha sido o insuportável Charly (Isild LeBesco, 2007) lentíssima e desnecessária história de um jovem fugitivo que encontra numa prostituta azeitola…o quê? Não se percebe muito bem, mesmo depois de uma hora e meia onde uma das personagens onde uma das personagens não diz mais do que “je sais pas” e a personagem-título anda a cirandar pela roulotte onde vive a berrar por tudo e por nada. É um monte de merda, um daqueles filmes que mais não tem que a pose alternativa e “intelectual” ajudada pela câmara digital com que é feito. Se é bom ver filmes feitos com meia dúzia de tostões, outros há que não conseguiriam ser salvos por milhões de dólares. Este é um deles. Paciência.