A Bullet in the Head pode não ser o melhor John Woo. Mas é de certeza dos mais pessoais.
O filme começa parecendo uma reconstituição idílica de uma juventude feliz. Uma boda molhada, logo abençoada, segue-se a um exemplo de um sacrifício pessoal (uma tareia que possibilita o desenrolar da cerimónia) em prol de um amigo, que se segue a um trajecto de bicicleta onde parece existir total harmonia entre os três companheiros (um novíssimo Tony Leung, o cantor Jackie Cheung e Waise Lee, dos dois primeiros filmes da saga A Better Tomorrow). Contudo, desde logo a violência toma conta dos acontecimentos, mesclando-se com a convulsa realidade política da Ásia dos anos 60 – a acção passa-se em 1967. Nesse aspecto, note-se por exemplo a execução de um jovem bombista, em citação da célebre fotografia da execução de um prisioneiro pelo chefe de uma esquadra da polícia de Saigão, e perceberemos que é pela profusão de mortes que Woo recorda este tempo.
Desequilibrado, A Bullet in the Head tem momentos verdadeiramente sádicos – veja-se as cenas passadas num Hilton de Hanói, onde os diversos prisioneiros dos vietcong têm se matar uns aos outros para o divertimento dos carcereiros. É um filme virtuoso, é certo, com momentos de grande espectacularidade, mas que peca às vezes pela multiplicidade de eventos e locais, longe da concentração espacial que tantas maravilhas fazem pela última hora de Hard Boiled. Sobretudo, parece algo atabalhoada a montagem, da responsabilidade do próprio cineasta, demasiado veloz e confusa. Mas é um filme que encontra dois aspectos que o redimem de (estranhamente) até ser um pouco canhestro. O primeiro desses aspectos é a relação dúplice que Woo parece ter com a violência. A dada altura, esta transcende o contexto temporal de que faz parte, tornando-se símbolo de uma mal mais geral, de uma negra visão generalista da vida. Como nos filmes de Pedro Almodovar do início da década de 90, parece que o cineasta está contaminado por um pessimismo quase ontológico, que expande a ideia da impossibilidade de felicidade já presente no final de The Killer. Se em Hard Boiled há um bebé que salva o dia urinando para a perna de Chow Yun Fat, aqui o que há é fogo e uma caveira por onde passaram duas balas e três amigos mortos. Esta violência é, então, parte da época, mas muito mais profunda e muito menos erradicável, impedindo a existência de amanhãs melhores. E, contudo, paradoxalmente, nesta violência está também a hipótese de catarse que o cineasta parece encontrar. A momentos de tristeza pela mortandade sucedem-se claros momentos de retribuição, de justiça, até de vingança. Longe da estetização pura e dura de alguns dos seus filmes, Woo aqui expele a sua bílis em muitos dos planos de corpos despedaçados. Por cada bala na cabeça, sobretudo dos vilões, parece haver um demónio mais perto da derrota.
Na caveira supracitada reside o outro aspecto que salva o filme: o seu lado shakesperariano. Pode parecer que é uma ligação fácil, não só pelo simbolismo hamletiano como pelo tom apocaliptico do seu final, a lembrar peças como Titus Andronicus e King Lear. Mas pensemos no seguinte: por muito que seja duplice na sua relação com a barbárie, não há gota de ambiguidade em A Bullet in the Head. Como todo o cinema de Woo, este filme foca-se em valores simples, postos em prática por bons e por maus. Contudo, parece que, para Woo, se os bons podem ser (e são quase sempre) vítimas de um destino que não controlam, os maus acabarão, sem sombra de dúvida, por sofrerem as consequências das suas acções. Querem moral mais shakesperiana?
O filme começa parecendo uma reconstituição idílica de uma juventude feliz. Uma boda molhada, logo abençoada, segue-se a um exemplo de um sacrifício pessoal (uma tareia que possibilita o desenrolar da cerimónia) em prol de um amigo, que se segue a um trajecto de bicicleta onde parece existir total harmonia entre os três companheiros (um novíssimo Tony Leung, o cantor Jackie Cheung e Waise Lee, dos dois primeiros filmes da saga A Better Tomorrow). Contudo, desde logo a violência toma conta dos acontecimentos, mesclando-se com a convulsa realidade política da Ásia dos anos 60 – a acção passa-se em 1967. Nesse aspecto, note-se por exemplo a execução de um jovem bombista, em citação da célebre fotografia da execução de um prisioneiro pelo chefe de uma esquadra da polícia de Saigão, e perceberemos que é pela profusão de mortes que Woo recorda este tempo.
Desequilibrado, A Bullet in the Head tem momentos verdadeiramente sádicos – veja-se as cenas passadas num Hilton de Hanói, onde os diversos prisioneiros dos vietcong têm se matar uns aos outros para o divertimento dos carcereiros. É um filme virtuoso, é certo, com momentos de grande espectacularidade, mas que peca às vezes pela multiplicidade de eventos e locais, longe da concentração espacial que tantas maravilhas fazem pela última hora de Hard Boiled. Sobretudo, parece algo atabalhoada a montagem, da responsabilidade do próprio cineasta, demasiado veloz e confusa. Mas é um filme que encontra dois aspectos que o redimem de (estranhamente) até ser um pouco canhestro. O primeiro desses aspectos é a relação dúplice que Woo parece ter com a violência. A dada altura, esta transcende o contexto temporal de que faz parte, tornando-se símbolo de uma mal mais geral, de uma negra visão generalista da vida. Como nos filmes de Pedro Almodovar do início da década de 90, parece que o cineasta está contaminado por um pessimismo quase ontológico, que expande a ideia da impossibilidade de felicidade já presente no final de The Killer. Se em Hard Boiled há um bebé que salva o dia urinando para a perna de Chow Yun Fat, aqui o que há é fogo e uma caveira por onde passaram duas balas e três amigos mortos. Esta violência é, então, parte da época, mas muito mais profunda e muito menos erradicável, impedindo a existência de amanhãs melhores. E, contudo, paradoxalmente, nesta violência está também a hipótese de catarse que o cineasta parece encontrar. A momentos de tristeza pela mortandade sucedem-se claros momentos de retribuição, de justiça, até de vingança. Longe da estetização pura e dura de alguns dos seus filmes, Woo aqui expele a sua bílis em muitos dos planos de corpos despedaçados. Por cada bala na cabeça, sobretudo dos vilões, parece haver um demónio mais perto da derrota.
Na caveira supracitada reside o outro aspecto que salva o filme: o seu lado shakesperariano. Pode parecer que é uma ligação fácil, não só pelo simbolismo hamletiano como pelo tom apocaliptico do seu final, a lembrar peças como Titus Andronicus e King Lear. Mas pensemos no seguinte: por muito que seja duplice na sua relação com a barbárie, não há gota de ambiguidade em A Bullet in the Head. Como todo o cinema de Woo, este filme foca-se em valores simples, postos em prática por bons e por maus. Contudo, parece que, para Woo, se os bons podem ser (e são quase sempre) vítimas de um destino que não controlam, os maus acabarão, sem sombra de dúvida, por sofrerem as consequências das suas acções. Querem moral mais shakesperiana?
2 comentários:
O Woo da pomba branca nos últimos anos parece andar um bocado arredado do bom cinema (diz quem já viu que o Red Cliff é um regresso à boa forma), mas o homem aí até ao M:I tinha lá qualquer coisa que agora se perdeu. Este ainda não vi, mas está marcado há uns tempos.
O Face/Off e muito bom mas o grande Woo e asiatico. Como o Wong Kar Wai, ha uma essencia que se dilui fora do minusculo mas hiper-povoado territorio que e Hong Kong. A ver vamos com o Red Cliff.
Quanto a nao teres visto, creio que se podera arranjar facilmente no emule (embora gente cumpridora da lei como nos nao faca dessas coisas...). A copia que tenho, de som e imagem ate um pouco fracos, tirei da rtp ha uns anos.
Abraco
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