Era simpático, Juno (2007). Filme pequenino, orgulhoso de si mesmo, que sofria apenas com um certo “fazer independente”, um conjunto de tiques que, no limite, por vezes formatam o cinema independente norte-americano de uma forma tão opressiva quanto o mais banal cinema comercial. O orgulho mantém-se em Nas Nuvens, mas este é um filme crescido, para adultos e que será decerto recompensado, pelo menos em nomeações, pela Academia. Filme sobre estratégias de sobrevivência e a forma de as ultrapassar em direcção a algo mais, conta com um extraordinário desempenho de George Clooney, versão crápula irresistível, no papel de Ryan Bingham, profissional do despedimento que estruturou toda a sua vida em redor da eficiência nas constantes viagens de avião e que anseia por angariar dez milhões de milhas de passageiro frequente. Até que o contacto com um equivalente feminino (regular Vera Farmiga) e com uma recém-licenciada da Ivy League (a revelação Anna Kendrick) o lembrarão do que anda a perder.
Vamos por partes: metade de Nas Nuvens é absolutamente fascinante e eminentemente recompensadora. Nela, explora-se Bingham, os mecanismos que povoam o seu mundo, o seu isolamento e a sua perturbante amoralidade, pessoal e profissional, que o tornam um delicioso exemplo máximo do capitalismo que, a um tempo, conduziu à presente crise e dela colhe os lucros – Billy Wilder teria gostado da personagem. Sobretudo, é nesta parte que há exemplos, do mais humano e comovente que vimos, dos efeitos reais da crise, na pessoa daqueles que são despedidos. Com The Girlfriend Experience de Steven Soderbergh é, até agora, o mais pertinente olhar sobre as alegrias que Wall Street nos trouxe nos últimos anos. No entanto, o realizador Jason Reitman (filho do tarefeiro Ivan), que filma com competência e alguma personalidade, não resiste a puxar Bingham para o reino da moral familiar e comezinha, que tem todo o seu encanto mas, esteticamente, é uma opção desinteressante, que acaba por amputar o efeito do filme.
Se o final o redime parcialmente, devolvendo Bingham à solidão que o caracteriza, deve-se prezar menos a coragem de um final infeliz moralista (a oportunidade de Bingham ser como os demais perdeu-se, devia ter pensado nisso antes) do que a tal componente “política” do filme: Bingham, enquanto emissário da crise, estará condenado ao purgatório das viagens constantes enquanto esta continuar. Afinal de contas, Nas Nuvens é um filme de época. A nossa.
2 comentários:
Basicamente não me podia rever mais neste texto. Apenas um ou dois pormenores me incomodaram: aquele "twist" com uma das personagens femininas perto do final pareceu-me demasiado a brupto e algo deslocado (percebo a intenção, mas não gostei da forma como nos foi revelado; e depois, acho que ainda permanecem alguns tiques indie algo irritantes (neste caso o dos zooms aleatórios especialmente na cena da festa) dos quais Reitman se deveria desfazer definitivamente.
De resto, o teu último parágrafo é perfeito :-)
Subscrevo o comentário do Paulo e junto-me aos elogios ao teu texto. Quero só acrescentar que este Reitman já fez igualmente bom em Thank you for smoking, sendo Juno o seu filme menos conseguido.
Enviar um comentário