Pier Paolo Pasolini, por alturas da feitura do seu magnífico Saló ou Os 120 Dias de Sodoma e Gomorra (1975), afirmava: “O puritano é aquele que não se dá o prazer de ser escandalizado” (citação livre). Pensámos nisto à saída de Anticristo, depravadíssimo exercício de auto-complacência de Lars von Trier. E afiançamos desde já que não é por este motivo que consideramos o filme do dinamarquês um prodígio de abjecção e de asco, um filme que, na carreira do cineasta, apenas se compara em viscosidade e em nojeira ao ignóbil Os Idiotas.
Até ao momento, Lars von Trier tem feito a sua carreira num apreciável vazio ideológico. Tão depressa é um skinhead anti-europeu (Epidemia e Europa) como um europeu anti-americano (Dogville e Manderley); tão depressa é um beato dreyeriano (o magnífico Ondas de Paixão) quanto um rebelde niilista (Os Idiotas). E os casos em que tínhamos mais problemas com isso eram somente aqueles em que o alicerce era mais fraco e, por isso, se notava a ausência de argamassa – em Ondas de Paixão ou Dogville, belos filmes, nada disso nos importou. O que nos perturba é que neste filme parece haver falta de matéria, de uma base que sustente a estrutura. História, alegadamente, de um casal que se refugia numa cabana num bosque chamada Éden e cujo elemento feminino começa a sofrer de estranhas perturbações psico-sexuais, que pensa surgirem da natureza, é um filme que parece ter na sua misoginia infantil a sua única razão de ser. Paradoxalmente, é um filme que tem no extraordinário desempenho de Charlotte Gainsbourg o seu principal sustento, estando a actriz francesa disposta a cenas de sexo gráfico e a encenar obscenas mutilações genitais, dado que Willem Dafoe parece sempre um bocado perdido na parca personagem que lhe deram, estando lá apenas para ejacular sangue depois de ter os testículos esmagados pela esposa. Assim, é quase comovente: também o actor americano parece não perceber a metáfora dos três pedintes, porque teve de ter um duplo a fazer um plano de penetração peniana ou porque é que a câmara, em certas cenas, gera o “efeito fundo de garrafa”. Von Trier atira coisas à parede e quem leva com elas na tromba é o espectador.
Repetimos, noutros filmes não houve grandes problemas com isto, nem com sinos no céu nem com o musical da ceguinha islandesa. Mas nesses, o dinamarquês pretendia comover. Agora, no outro extremo da egomania (só Nanni Morretti parece, no cinema europeu actual, ser tão egomaníaco quanto von Trier), pretende chocar e falha miseravelmente (como havia falhado no supracitado filme de 1998). O que nos leva de novo a Pasolini: quando quiserem chocar, tenham alguma coisa para dizer. Os não-puritanos agradecem.
Até ao momento, Lars von Trier tem feito a sua carreira num apreciável vazio ideológico. Tão depressa é um skinhead anti-europeu (Epidemia e Europa) como um europeu anti-americano (Dogville e Manderley); tão depressa é um beato dreyeriano (o magnífico Ondas de Paixão) quanto um rebelde niilista (Os Idiotas). E os casos em que tínhamos mais problemas com isso eram somente aqueles em que o alicerce era mais fraco e, por isso, se notava a ausência de argamassa – em Ondas de Paixão ou Dogville, belos filmes, nada disso nos importou. O que nos perturba é que neste filme parece haver falta de matéria, de uma base que sustente a estrutura. História, alegadamente, de um casal que se refugia numa cabana num bosque chamada Éden e cujo elemento feminino começa a sofrer de estranhas perturbações psico-sexuais, que pensa surgirem da natureza, é um filme que parece ter na sua misoginia infantil a sua única razão de ser. Paradoxalmente, é um filme que tem no extraordinário desempenho de Charlotte Gainsbourg o seu principal sustento, estando a actriz francesa disposta a cenas de sexo gráfico e a encenar obscenas mutilações genitais, dado que Willem Dafoe parece sempre um bocado perdido na parca personagem que lhe deram, estando lá apenas para ejacular sangue depois de ter os testículos esmagados pela esposa. Assim, é quase comovente: também o actor americano parece não perceber a metáfora dos três pedintes, porque teve de ter um duplo a fazer um plano de penetração peniana ou porque é que a câmara, em certas cenas, gera o “efeito fundo de garrafa”. Von Trier atira coisas à parede e quem leva com elas na tromba é o espectador.
Repetimos, noutros filmes não houve grandes problemas com isto, nem com sinos no céu nem com o musical da ceguinha islandesa. Mas nesses, o dinamarquês pretendia comover. Agora, no outro extremo da egomania (só Nanni Morretti parece, no cinema europeu actual, ser tão egomaníaco quanto von Trier), pretende chocar e falha miseravelmente (como havia falhado no supracitado filme de 1998). O que nos leva de novo a Pasolini: quando quiserem chocar, tenham alguma coisa para dizer. Os não-puritanos agradecem.
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