02 março 2011

A primeira vez não volta mais




A melhor característica do cinema de Sofia Coppola é a sua omnipresente "coolness". Simultaneamente "high tech" e artesanal, comercial e independente, emocional e distanciado e sempre com uma patine indie a coordenar estas vertentes, o cinema da filha de Francis marcou indelevelmente a última década com a sua frescura e originalidade. Que são precisamente as duas características ausentes do novo Somewhere.

Vencedor do Leão de Ouro em Veneza, Somewhere é Sofia Coppola em modo remix: passado num hotel (como Lost in Translation), trata de um actor (como Bob Harris) em plena crise de identidade, à espera que o vento mude, vivendo no Chateau Marmont (com o luxo e o glamour da Versailles de Marie Antoinette) entre sexo casual, cerveja e os compromissos da vida de actor. Inclusivamente, há uma cena, perto do final do filme, com o muito competente Stephen Dorff ao telefone que parece decalcada da chamada telefónica que Scarlett Johansson faz no início de Lost in Translation.

Estamos, então, em pleno território do baralhar e voltar a dar, da utilização conspícua de uma receita ganhadora e os resultados, até ver, não têm sido brilhantes. Exceptuando o Leão de Ouro em Veneza, bilheteira e crítica têm sido moderadas, relevando precisamente essa pouca frescura actual de uma carreira que, lembremos, ainda só vai no quarto filme. Apesar de tudo, lembremos também que este é o mais seco e depurado de todos os filmes de Sofia Coppola, chegando a trazer à mente, nalguns momentos, a depuração e o carácter rarefeito dos filmes de Jim Jarmusch.

Como em todos os cineastas de universo (demasiado) definido, a opinião de cada um dependerá do seu apreço por esse universo. Eu, fã da filha de Francis desde The Virgin Suicides, consegui passar por cima da repetição e da pose (afinal, Sofia fala do mundo a que sempre pertenceu, denunciando a sua vacuidade sem demonstrar qualquer vontade de sair dele) e dificilmente me senti insatisfeito. Ainda que, como em todos os filmes de um cineasta cuja obra me marcou, tenha sentido pena de que a primeira vez não volta mais.

1 comentário:

Álvaro Martins disse...

Tenho muita curiosidade em ver o filme mas começo a ficar de pé atrás porque quase tudo o que tenho lido sobre ele é-lhe desfavorável.