28 junho 2012

Revisão da Matéria Dada - VI

2 Days in Paris de Julie Delpy - Como o recente Le Skylab, o filme anterior da actriz e realizadora francesa colmata os seus defeitos com uma dose notável de charme que o torna encantador. Bem-humorada crónica de umas férias parisienses de uma francesa radicada em nova-iorque e do seu namorado americano, é uma comédia sobre as diferenças culturais nas relações amorosas e, no limite, sobre as dificuldades de um homem em lidar com o passado sexual da sua companheira. Nada de novo, mas enquanto dura entretém e diverte.

O Ditador de Larry Charles - O pior filme que vi este ano em sala. Se os anteriores Borat e Bruno tinham o lado relevante de sátira social, este filme tenta ter um lado de sátira política ao totalitarismo mas cedo se transforma numa sucessão de piadolas entre o sexual e o escatológico. Também é, dos filmes feitos até agora a partir de personagens de Sacha Baron Cohen o menos anárquico e o mais controlado. A esquecer, depressa.

A Queda de Oliver Hischbiegel - Ao contrário de Pier Paolo Pasolini, que encena o fim do fascismo num clima de terror absoluto e dantesco, o cineasta alemão prefere antes a reconstituição histórica e o ambiente de telefilme, sem qualquer espessura de personagens e de enredo. Mesmo relativamente ao "polémico" retrato de Hitler enquanto ser humano, nada há a declarar: o Hitler de Bruno Ganz, tecnicamente perfeito em termos de imagem e maneirismo, é uma figura plana e tautológica. Sobra a personagem de Martha Goebbels, que escolhe assassinar os seus filhos para os poupar ao que virá depois e que, no seu ethos trágico, daria um filme interessante por si só. Pouco mais há.

Saw de James Wan - Lembram-se dos tempos em que os filmes de terror americanos não eram, visualmente, um misto de uma cópia de 3ª categoria do Se7en de David Fincher misturado com um videoclip nu metal de uns Mudvayne? Eu lembro, e em vez de escrever mais sobre isto vou tirar uns minutos para pensar nesses tempos.

[Rec] de Jaume Baleguero - Este sim um bom filme de terror, todo ele filmado em plano subjectivo, o do operador de câmara de uma equipa de reportagem que acompanha os bombeiros de uma cidade durante a noite que se transforma num pesadelo dentro de um prédio... Não vale a pena dizer muito mais, para não estragar o filme a quem o queira ver, resta dizer apenas que se as personagens não têm espessura, o realizador espanhol aproveita frequentemente o abanar da câmara como meio de tapar a visão ao espectador, minorando a necessidade de efeitos especiais, num método económico e sugestivo. Este é também, dos filmes que vi nos últimos tempos, aquele que melhor cria uma tensão palpável e um incómodo de grandes proporções. Numa época em que a esmagadora maioria dos filmes de terror são para miúdos, já não é nada mau.  

15 junho 2012

Chasing Amy (Kevin Smith, 1997)



Chasing Amy é um filme de um tempo diferente, em que os nerds se preparavam para dominar o mundo. Se hoje já o conseguiram (veja-se o sucesso da trilogia Lord of the Rings e dos livros da saga Game of Thrones, por exemplo) e se o cinema independente americano contribuiu decisivamente para esse sucesso (é perfeitamente possível imaginar Tarantino, Solondz e PT Anderson de óculos de massa a discutir os méritos dos seus filmes e livros de eleição), este é ainda um filme que, apesar do poder da Miramax na época, se desenha como independente, com valores de produção intermédios e com actores que, à época, ainda não eram estrelas de lista A. Esse é definitivamente parte do seu encanto, como o é o ambiente geração x e a enfase na vida sentimental de personagens que, habitualmente são gozadas por não terem vida sentimental. Kevin Smith, realizador entretanto caído em relativa desgraça, realiza aqui um conjunto de conversation pieces admiravelmente escritas acerca de sexo, cultura pop e sentimentos, num conjunto de diálogos que não perdem a coerência e a qualidade estéticas mesmo apesar da coloquialidade e do vernáculo, que Smith manipula habilmente. Sobretudo, na história de um desenhador de bd que se apaixona por uma rapariga lésbica com uma história de experimentalismo sexual, há aqui uma estupenda comédia romântica escondida com o rabo de fora, mormente na forma como elimina a esmagadora maioria dos piores vícios do sub-género: mais do que uma construção artificiosa no sentido de colocar obstáculos à frente das personagens para as juntar no fim de uma maneira previsível e inconsequente, este é um filme que levanta questões pertinentes acerca da bagagem sentimental nas relações amorosas e que não entra na facilidade de acabar com as personagens juntas apesar de tudo. No geral, uma interessantíssima surpresa vinda de um realizador de quem nunca esperei muito, actualmente a ser exibida no canal Hollywood.   

13 junho 2012

The Narrow Margin (Richard Fleischer, 1952)



A edição em dvd de The Narrow Margin (1952) de Richard Fleischer mostra o quanto, mercê dos turcos da Cahiers du Cinéma, o estatuto do film noir se alterou desde a feitura dos filmes. De séries-b feitas com o minimo de meios possíveis para mostrar em double-bills que potenciassem um espectáculo barato e que durasse um serão inteiro aos espectadores, saem hoje edições dvd cuidadas, com comentários audio e com transcrições de imagem e som imaculadas, dignas de coleccionistas criteriosos. O filme, diga-se desde já, merece amplamente esse estatuto, ao ser exemplificativo de muitas das melhores técnicas e tendências do noir série-b. História de um detective que tem de levar a viúva de um mafioso de comboio de Chicago a Los Angeles para testemunhar em tribunal enquanto a protege dos antigos comparsas do marido, prontos a matá-la, é também um belo exemplo do thriller de comboio, que aproveita toda a claustrófobia e a exiguidade espacial de um comboio, bem como a inevitabilidade do fim da viagem para potenciar a tensão no espectador. Claro, curto e consiso (72 minutos de duração), como os melhores exemplos do género, é um filme sempre em movimento, deslocando-se constantemente entre as diferentes partes do comboio e que aposta num interessante jogo com o exterior, não só continuando durante as paragens da viagem o mesmo jogo de gato e de rato que tem lugar dentro do comboio, como também interagindo com o que é visto pela janela. Metodicamente realista, é um filme sem música, que utiliza os sons e o constante jogo de luz e sombra para dar a sensação de movimento do comboio que poderia faltar aos cenários de estúdio. No geral, é um belíssimo filme, emocionante até ao fim e que aproveita da melhor forma as vantagens de uma equipa rotinada e de actores habituados a estas personagens-tipo, pouco trabalhadas mas credíveis (destaque para Charles McGraw, actor em Spartacus e The Birds, entre outros) para nos dar uma obra ultra-eficiente e que não perde nunca de vista a criação de uma tensão quase palpável no espectador.