A minha cinefilia começou nos cinemas King. Já gravava filmes, já ia ao cinema – algum S. Jorge e muito Lusomundo, o primeiro por ser no centro da magnífica Lisboa, os segundos por serem os mais publicitados e pelo facto de o Olivais Shopping e o Vasco da Gama serem perto onde apanhava transportes para casa – mas foi aí que que tive o primeiro vislumbre do que o cinema pode dar e de como se passa a ver a vida através de margens rectangulares.
Da primeira vez que fui ao King, para ver O Grande Lebowski (no tempo em que ainda me interessava o que faziam os irmãos Coen) não tive o espaço em grande conta. Comparado com a sofisticação “pipoqueira” dos Lusomundo ou com a imponência do edifício do S. Jorge, pareceu-me encolhido, antiquado, refém de não ser um cinema para as massas. A segunda experiência foi determinante, para a minha cinéfilia e para o meu desenvolvimento pessoal.
Da primeira vez que fui ao King, para ver O Grande Lebowski (no tempo em que ainda me interessava o que faziam os irmãos Coen) não tive o espaço em grande conta. Comparado com a sofisticação “pipoqueira” dos Lusomundo ou com a imponência do edifício do S. Jorge, pareceu-me encolhido, antiquado, refém de não ser um cinema para as massas. A segunda experiência foi determinante, para a minha cinéfilia e para o meu desenvolvimento pessoal.
Sábado à noite. Estava em casa, desesperado – como quase sempre acontece quando temos 15 anos – com a sensaboria dos sábados à noite. E resolvi chagar os meus pais para me levarem ao King, para ver o “Tudo sobre a minha mãe” de Pedro Almodôvar. A minha capacidade inata para chatear quem quer que seja conseguiu vergá-los, e lá me foram levar e, passadas duas horas, buscar.
Fui a última pessoa a comprar bilhete para aquela esgotadíssima sessão. Fiquei com uma coxia bafienta, daquelas antigas do King em que se o ocupante se inclinasse demasiado toda a fila corria o risco de ceder. A sala estava expectante e o filme instalou nela um silencio reverente. Não falarei aqui do “Tudo sobre a minha mãe”, um dos meus preferidos de sempre, mas filme e circunstância fundiram-se num momento único, ao ponto de hoje não me saber tão bem vê-lo em casa.
A partir daqui o King foi, no meu glossário, sinónimo de descoberta contemporânea. Lá, vi Rosetta dos irmãos Dardenne, Breaking the waves de Lars von Trier, O Quarto do Filho de Nanni Moretti, entre muitos outros. E foi lá, creio que numa sessão de A Pianista de Michael Haneke, que descobri o tremendo prazer invernil de entrar num filme à luz fria da tarde e sair dela na limpidez luminosa da noite gelada. Mais recentemente, vi lá diversas sessões do IndieLisboa, com um ambiente frenético. E ultrapassei o trauma de uma época menos bem conseguida na história daquele cinema, documentada aqui.
Finalmente, foi no King que, durante um momento, até pensei em ser crítico de cinema. A junção da palavra posterior com o cinema anterior é o mais belo coito existente. Foi naquele hall, entre as páginas dos jornais e as suas fotocópias, que o percebi. Para o bem e para o mal, foi lá que me nasceu o sonho.