O texto anterior, bem como todos os desta série, foi inspirado pela exibição recente de Colorado Territory de Raoul Walsh na Cinemateca. É que foi numa passagem deste western, antecedida de The Great Train Robbery de Edwin S. Potter, que fui pela primeira vez à Barata Salgueiro. Pouco me lembro do filme (ficou-me na retina uma muito bem construída sequência ilustrativa da convivência com a morte, onde um agente da autoridade acende um fósforo na sola da bota de um enforcado recente), mas voltei uma e outra vez e outra e outra. E espero voltar muitas mais.
No entanto, antes de lá ter ido ver ainda ontem A tree grows in Brooklyn, (estreia de Elia Kazan e, como assistente de realização, de Nicholas Ray), há muito que lá não ia. Numa altura em que tenho de conciliar dois empregos para pagar as despesas mais elementares, dificilmente lá voltarei, nos próximos tempos, com a regularidade com que gostaria. E, de certo modo, ainda bem.
A Cinemateca deu-me a ver grandes filmes de cineastas como Pasolini (O Evangelho Segundo S. Mateus), Preminger (Where the sidewalk ends), Ozu (Floating Weeds) Rosselini (Europa 51), Ford (Stagecoach, The grapes of wrath, The quiet american), Malle (Les Amants) e Ray (Bitter Victory e Bigger than life). E foi lá que tentei dar um impulso mais académico à minha cinéfilia, com a pesquisa bibliotecária sobre O Couraçado Potemkin (para Análise de Imagem, a re-publicar aqui em breve), The bend of the river (para História do Cinema) e sobre Once upon a time in America de Sérgio Leone (para Análise Fílmica).
Quando vou à Cinemateca, saio de lá com vontade de ver as sessões seguintes ou de voltar no dia a seguir. De escolher os filmes, escrever sobre eles, vê-los e revê-los, ler e organizar os documentos da biblioteca, escolher os títulos a vender na livraria, como se tudo me pertencesse. Como se eu aí pertencesse. Ainda assim, apesar de todas as vantagens, quando de lá saio sinto-me também como o narrador do texto de Almada Negreiros que, ao ver as obras expostas numa livraria, afirma ser a salvação impossível se esta depender de ler todos os livros. Por outras palavras, ao percorrer aquele longo corredor em direcção às salas, penso: “Conseguirei ver todos os Ford? Todos os Hawks? Todos os Fassbinder?" E com essas perguntas vejo a salvação afastar-se.