07 dezembro 2008

Notas da 'teca (5)


The Tarnished Angels (1958) partilha alguns pontos com o grosso da obra norte-americana de Douglas Sirk. Num aspecto, no trio central, que repete o de Written in the Wind– os inefaveis Robert Stack, Dorothy Malone e Rock Hudson, este ultimo, como de costume, o elemento estranho a uma situação que tenta trazer com ele um novo padrão moral, falhando quase sempre na tarefa. Noutro, é um filme que se joga, mais uma vez, no âmbito do “melodrama social” (a designação é muito discutível, daí as aspas), procurando uma marcada tendência económica e um óbvio contexto temporal onde situar os sentimentos.

Inversamente, as mudanças são suficientes para tornar este um dos mais esdrúxulos filmes de Sirk nos EUA. O presente da acção não é os anos de Eisenhower, mas a época da Grande Depressão. Semelhante mudança provoca desde já uma alteração e termos dos caracteres tratados, que longe de serem os ricos são o proletariado quase “lumpen” que arrisca a vida em espectáculos aéreos pelo rendimento essencial à sobrevivência. Este é, então, um filme tão emocional quanto Imitation of Life (1959) ou All that Heaven Allows (1956), mas que aposta num erotismo e numa violência (ver, respectivamente, a queda de pára-quedas onde o vento levanta as saias de Dorothy Malone a níveis muito inesperados e a brutal cena em que, através de dados desenhados em cubos de açúcar, Stack disputa com o ajudante o casamento com Malone) dando um aspecto mais cru e cortante que o habitual. Finalmente, duas mudanças técnicas acompanham as mudanças tematico-sociais: o preto-e-branco, que em muito contribui para que se creia no horizonte temporal do filme (onde a reconstituição de época é feita com muita simplicidade e com poucos meios), e um prodigioso uso do scope, de uma racionalidade perfeita e de uma profundidade de campo notável, sobretudo nas prodigiosas cenas de corrida aérea.

Filme de morte como poucos na carreira do alemão e que Sirk terá feito como complemento ao vício e decadência retratados em Written in the Wind, é mostra de algo extraordinário: um cineasta que consegue interromper o seu tecido contínuo, não perdendo por um momento o domínio da sua arte. Se por mais nada (e há aqui muito mais), The Tarnished Angels é uma obra-prima que demonstra cabalmente a versatilidade do seu autor.

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