24 março 2009

Escalar a montanha do Serra


Pasme-se: este blogue também fala de cinema e sem usar comentários de mau gosto de jogadores de futebol como piadas parvas no título.


É o seguinte: quando saiu Honra de Cavalaria fui ver ao cinema. Adormeci e sai da sala quando o filme ia a meio, assim que acordei. Na passada segunda-feira, tentei ver O Canto dos Pássaros. Passado três minutos comecei às cabeçadas no ar, rés-vés com o sono, como se estivesse numa tarde de Verão a ver a Volta a Portugal em Bicicleta. Quando olhei para o telefone e vi que, dos 35 minutos de filme que já se tinham passado tinha visto, com atenção, meramente 10, sai.


Duas tentativas. Dois falhanços, qual Sporting a marcar pénaltis. O que me leva a expor aqui duas pequenas reflexões.


Primeira: haverá alguém que mantenha o mesmo nível de capacidade cinefila, nomeadamente a lidar com os filmes ritmicamente mais difíceis, quando passa um dia inteiro a mexer em papelada, a resolver broas, a pagar contas? O cinéfilo faz o seu mundo, é certo. Mas quanto do mundo faz o cinéfilo?


A segunda: creio que só conseguirei ver o Honra de Cavalaria, que tenho gravado da RTP na box do Meo desde há algumas semanas, vinte minutos hoje, dez amanhã, meia hora no sábado. Pode um filme, por muito bom que seja, sobreviver a um contexto tão adverso?


Finalizando: num país onde a magna obra de Andrei Tarkovski continua a ser desconsiderada ou remetida para livros poerentos em obscuras bibliotecas, como pode Serra ser tão prezado? Não me confundam: Serra, do que vi, parece poder vir a ser um mestre, tal qual o russo, que aparenta ser uma influência do catalão. Mas... a lentidão não é a mesma? O cuidado obssessivo em esculpir o tempo não é igual? Não serão irmãs estas duas formas maníacas compor os planos?


Que esta dúvida final seja respondida pelos poucos leitores deste espaço, entre eles por estes dois anti-tarkovskianos convictos.

2 comentários:

José Oliveira disse...

Miguel, acho que a capa do "Record" de hoje diz tudo: «Eles com o mal-estar e eu com a Taça».

q se fodam!

Quanto ao Serra, ainda não vi este filme, mas partilho contigo os sentimentos em relação ao "Honra de Cavalaria" - uma descomunal seca, um filme quase espertinho, um vazio deliberadamente/gratuitamente poético.

Pode ser bonito, mas a mim nada me provoca...

Quanto ao Tarkovski, bom, a coisa é mais complexa do que eu possa ter feito entender. É certo que os últimos filmes dele - nomeadamento "O Espelho" e "O Sacrificio", mesmo o "Stalker", não são filmes para mim, muita gordura e muita metafisica de algibeira, uma dilatação temporal que definitivamente não me interessa, entre outras coisas. Mas na altura gostei muito do "Solaris", esse sim, filme perdido, misterioso, complexo...

mas bom, não tenho certezas, quanto ao Serra, só mesmo depois de ver o novo filme,

Abraço.

Miguel Domingues disse...

Quanto à bola, totalmente de acordo. Tomem sais de fruto que isso passa.

Quanto ao Serra, o que me chateia não é que seja secante: é que isso me afecte. Em tempos conseguia ver filmes secantes até ao fim, que é a única forma de se ter moral para dizer que são secantes. Assim, é mais complicado. Já no caso do Carlos Reygadas, não adormeci no último filme dele, mas sai a meio cheio de raiva. E senti-me um pouco menos mal, pelo facto de não ter fechado os olhos.

Eu pessoalmente gosto imenso do Stalker - mais do que do Solaris ou do Espelo. Não sei, nesse caso agrada-me a lentidão e a distenção temporal.

Abraço