31 janeiro 2010

Sumaríssimos (10)


Quando vi Invictus pela primeira vez, num visionamento de imprensa, gostei bastante. Contudo, na manhã desse mesmo dia, havia visto Antichrist, o equivalente cinematográfico de uma arbitragem do Carlos Xistra num jogo do Porto. Há a hipótese de, perante o asco que o filme de Von Trier me provocou, o de Eastwood ter saído beneficiado. Já revisto, percebo pouco o clamor de mediocridade: não sendo nem de longe o melhor Eastwood, mantém a classe a que nos habituámos, expandindo-a na direcção da História e da enorme figura de Nelson Mandela, bem como o requinte classicista, linear e popular do costume. Tirasse o cineasta aquelas duas horríveis canções e seria tão seco quanto qualquer outro. É normal: de quando em vez, Eastwood faz filmes de grande qualidade que são “engolidos” pelas suas obras-primas (basta ver os casos de Absolute Power e True Crime, entre outros). Invictus é só mais um. Mas, já agora, permitam-me realçar dois momentos superlativos do filme: a sequência do avião, a lembrar o 11 de Setembro; e, acima de tudo, Mandela ao espelho com espuma de barbear a cobrir-lhe meia face, reflexo perfeito de um país metade negro e metade branco.
Ainda assim, e dado que estamos a falar da crítica de cinema nacional, importa perguntar se não estamos perante um caso de diminuição por motivos políticos. Exemplos: na crítica da Time Out, lida na diagonal numa banca de jornais, João Miguel Tavares compara o filme a um discurso de Hugo Chávez. Ousadia de Eastwood, a de não nos revelar o bandido que é Mandela!

29 janeiro 2010

Salinger RIP


Among other things, you'll find that you're not the first person who was ever confused and frightened and even sickened by human behaviour. You're by no means alone on that score, you'll be excited and stimulated to know. Many, many men have been just as troubled morally and spiritually as you are right now. Hapilly, some kept records of their troubles. You'll learn from them - if you want to. Just as someday, if you have something to offer, someone will learn something from you. It's a beautiful reciprocal arrangement. And it isn't education. It's history. It's poetry.


A Catcher in the Rye, Penguin Books, ed. 1994, pag.170

26 janeiro 2010

Sumaríssimos (9)


Zombieland levará na cabeça da maioria da crítica até ao dia em que Quentin Tarantino disser bem dele numa qualquer entrevista. História de uma família afectiva criada em pleno apocalipse de mortos-vivos nos EUA, a estreia de Ruben Fleischer na realização esconde por trás da sua alegoria de união entre seres solitários o desejo de ser o mais divertido arraial de porrada que alguma vez vimos num filme. E consegue: vísceras espalhadas, sangue vomitado, bastonadas nas trombas, um uso em elipse de um tesoura de podar sequóias, balázios nos cornos, atropelamentos, marteladas na cachimónia de um palhaço ou quedas de máquinas em parques de diversões, não há virtualmente nada que aqui esteja ausente. Retirando ao filme de zombies a carga política que George Romero lhe deu no seminal A Noite dos Mortos-Vivos (1968) e que foi seguida por Joe Dante no magnífico Homecoming (2005) da série Masters of Horror ou na metade Planet Terror de Grindhouse (2007), diferente da genial comédia Shaun of the Dead (2005) de Edgar Wright, Zombieland é o filme grunho por excelência, onde a chalaça convive com a violência e o cuidado artístico “cibernético”com o uso não muito requintado do bastão de baseball. Para o fim, no entanto, guarda-se o melhor: o extraordinário cameo de certo e determinado mito de Hollywood, também ele apostado em entrar na parvoíce e fazendo-o a custas de certa imagem “indie” cultivada nesta década. Não convém criar habituação, mas de vez em quando sabe bem ver um filme sem pensar na Política dos Autores ou no formalismo russo e ser grunho. Só um bocadinho, para não criar habituação.

25 janeiro 2010

TAKE 21 - Dezembro / Janeiro


Aqui está mais um numero da Take. De entre as diversas coisas que fiz, aqui aproveito para destacar os artigos sobre os anos de 2005 e 2009 no especial da década. Disfrutem do número na íntegra, que vale bem a pena.

21 janeiro 2010

Oportunidade única!

Numa das maiores iniciativas culturais dos últimos dias, o Youtube resolveu disponibilizar alguma da melhor poesia da década passada. Vejam e vejam depressa, antes que sejam retiradas por infracção dos direitos de autor (ou algo parecido). Vão ver que vale a pena. Aqui.

20 janeiro 2010

Já vi muita coisa depravada no meu tempo...


...mas como isto ainda não tinha visto nada.


(A elaborar num futuro número da Take)

Rendido!


14 janeiro 2010

O melhor do mundo são as crianças?


Thomas Mann escreveu um dia que a génese do nazismo podia ser encontrada no romantismo e no consequente insuflar do sentimento nacional. Conhecendo um pouco a época, parece óbvio que tinha razão. Mas agora Michael Haneke vem dar outra hipótese, concomitante com a primeira: e se na sua génese estivesse também o puritanismo, com os seus mecanismos sociais e ideológicos? O resultado é O Laço Branco, mais um excelente filme de um dos maiores cineastas europeus da actualidade.

E como em tudo nos filmes de Haneke, nada é simples: uma vila alemã no início do século começa a ser palco de ocorrências estranhas, desde um atentado à vida do médico local ao incêndio do celeiro dos latifundiários da vila. Narrado pelo professor, em processo de corte de uma jovem dificultado pelos acontecimentos, coloca-se uma hipótese: e se as crianças da vila, aparentemente inocentes e constantemente lembradas dos ideais de pureza a que supostamente respondem (o uso de um simbólico laço branco na roupa ou no cabelo é um castigo por travessuras pouco condizentes com a prática social da época), estivessem por trás dos acontecimentos? Como habitual, não é dada uma resposta taxativa – ser taxativo com acontecimentos históricos a um século de distância é complicado - mas o papel dos petizes nos filmes do austríaco foi sempre de disrupção, agindo para perturbar o mundo padronizado e confortável dos adultos. O que parece pouco inocente é o término temporal do filme no início da Primeira Guerra Mundial: se a um contexto de repressão e de medo (vejamos a fantástica cena em que o pai castiga a masturbação do filho com o amarrar das suas mãos à cama) juntamos uma juventude à vontade com a prática do mal e as agruras trazidas pelo Tratado de Versailles, podemos ter, década e meia depois, com os mesmos jovens a caminho dos 30, a semente do nazismo. As declarações de Haneke na promoção ao filme vão nesse mesmo sentido.

Ascético, duro e sem momentos explosivos, num olhar clínico e distante, ajudado pelo imenso contraste do seu preto e branco, O Laço Branco é um filme cerebral e quase “de tese”. A reconstituição é óptima mas o melhor é como o rigor da mise-en-scène se conjuga com o tom uniforme, formando um objecto sem qualquer cedência relativamente ao modo de pensar e de enquadrar a História como hipótese de arte e a estética como demonstração de ética. O espectáculo histórico, na figura de super-produções que simplificam processos históricos e substituem a qualidade estética pela imponência das super-produções, não passa por aqui. Ainda bem.


Apenas uma nota final para os distribuidores: se o filme for num preto e branco constrastado, por favor coloquem as legendas a amarelo, azul, vermelho ou lilás, mas nunca a branco. Vão ver que os espectadores que não falam a lingua das personagens agradecem.

11 janeiro 2010

E ainda dizem que não há insubstituíveis (III)









Rohmer RIP


É certo que Truffaut morreu há mais de 25 anos, mas foi um caso isolado. Sinto que com a triste notícia de hoje, se marca o início do desaparecimento da geração que dos Cahiers se transformou em Nouvelle Vague.

Sumaríssimos (8)


Há muito a gostar em Where the Wild Things Are. Dos monstros criados pela companhia de Jim Henson à música de Karen O, passando por todo o imaginário fantástico criado por Maurice Sendak e adaptado por Spike Jonze ao cinema, pela primeira vez sem a companhia de Charlie Kauffman – aquele cão gigante é magnífico. Sobretudo, pelo lado psicológico dado à infância, mostrando já conceitos éticos e morais e plena noção de afectos e rivalidades embora a traço largo. Porém, o lado que mais me atrai é o contrário: as sequências de movimento, com saltos enormes e criaturas que se atiram umas às outras e se digladiam com bocados de terra. Porque é nesta que vejo a liberdade de se ser criança e o modo como esta se manifesta na irrequietude, no bicho-carpinteiro que as crianças têm nos momentos de felicidade. Sobretudo na sequência dos festejos da coroação do miúdo, em que a música parece carregar e sublinhar a acção. Parece que Jonze viu com atenção o Marie Antoinette (2006) da ex-esposa… Being John Malkovich (1999) e Adaptation (2002) eram melhores, mas este é encantador.

05 janeiro 2010

TOP 2009

Com algum atraso, aqui vai o meu top de filmes 2009. 12 filmes, idealmente um por mês. E com a devida penitência por ter perdido, entre eventuais outros, o Ne Change Rien de Pedro Costa.

1 - Gran Torino
2 - Singularidades de Uma Rapariga Loura
3 - Andando
4 - Un Prophète
5 - Inglorious Basterds
6 - Up
7 - L'Heure d'Été
8 - The Curious Case of Benjamin Button
9 - Shotgun Stories
10 - Ponyo à beira-mar
11 - Two Lovers
12 - Milk

04 janeiro 2010

Do sexy no masculino

Na antevéspera de Natal, tomo café com duas primas, uma de 33 anos e outra de quase 29, no bar da FNAC do Vasco da Gama. No intervalo da troca de prendas e das conversas, elas folheiam esfomeadamente um livro de fotografias de Robert Pattinson, por entre mil e um comentários embevecidos.
No dia de Ano Novo, vejo alguns minutos de Astérix e os Jogos Olímpicos, enquanto como e bebo qualquer coisa. Alain Delon, no papel de César, velho mas ainda magnético, envenena acidentalmente o seu leopardo de estimação e diz ter feito bem, pois “havia um leopardo a mais na sala”…

No que concerne ao padrão de beleza masculino e ao seu decréscimo nas últimas décadas, só me apetece perguntar:

Como é possível passarmos disto




para isto




?