14 janeiro 2010

O melhor do mundo são as crianças?


Thomas Mann escreveu um dia que a génese do nazismo podia ser encontrada no romantismo e no consequente insuflar do sentimento nacional. Conhecendo um pouco a época, parece óbvio que tinha razão. Mas agora Michael Haneke vem dar outra hipótese, concomitante com a primeira: e se na sua génese estivesse também o puritanismo, com os seus mecanismos sociais e ideológicos? O resultado é O Laço Branco, mais um excelente filme de um dos maiores cineastas europeus da actualidade.

E como em tudo nos filmes de Haneke, nada é simples: uma vila alemã no início do século começa a ser palco de ocorrências estranhas, desde um atentado à vida do médico local ao incêndio do celeiro dos latifundiários da vila. Narrado pelo professor, em processo de corte de uma jovem dificultado pelos acontecimentos, coloca-se uma hipótese: e se as crianças da vila, aparentemente inocentes e constantemente lembradas dos ideais de pureza a que supostamente respondem (o uso de um simbólico laço branco na roupa ou no cabelo é um castigo por travessuras pouco condizentes com a prática social da época), estivessem por trás dos acontecimentos? Como habitual, não é dada uma resposta taxativa – ser taxativo com acontecimentos históricos a um século de distância é complicado - mas o papel dos petizes nos filmes do austríaco foi sempre de disrupção, agindo para perturbar o mundo padronizado e confortável dos adultos. O que parece pouco inocente é o término temporal do filme no início da Primeira Guerra Mundial: se a um contexto de repressão e de medo (vejamos a fantástica cena em que o pai castiga a masturbação do filho com o amarrar das suas mãos à cama) juntamos uma juventude à vontade com a prática do mal e as agruras trazidas pelo Tratado de Versailles, podemos ter, década e meia depois, com os mesmos jovens a caminho dos 30, a semente do nazismo. As declarações de Haneke na promoção ao filme vão nesse mesmo sentido.

Ascético, duro e sem momentos explosivos, num olhar clínico e distante, ajudado pelo imenso contraste do seu preto e branco, O Laço Branco é um filme cerebral e quase “de tese”. A reconstituição é óptima mas o melhor é como o rigor da mise-en-scène se conjuga com o tom uniforme, formando um objecto sem qualquer cedência relativamente ao modo de pensar e de enquadrar a História como hipótese de arte e a estética como demonstração de ética. O espectáculo histórico, na figura de super-produções que simplificam processos históricos e substituem a qualidade estética pela imponência das super-produções, não passa por aqui. Ainda bem.


Apenas uma nota final para os distribuidores: se o filme for num preto e branco constrastado, por favor coloquem as legendas a amarelo, azul, vermelho ou lilás, mas nunca a branco. Vão ver que os espectadores que não falam a lingua das personagens agradecem.

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