27 maio 2010

30 de Agosto de 1992



Ao fim de uma porrada de tempo lá consegui ver a emissão do programa Palcos, da RTP-2, dedicada ao mítico concerto dos Nirvana no festival de Reading. E aquilo que a gravação mostra coincide, em parte, à visão entretanto construída: um momento charneira, uma banda no topo da sua forma, o zeitgeist do último grande sub-género que o rock produziu (assim entendido, que não há nome para o que na última década fizeram Strokes, Interpol, Queens of the Stone Age ou White Stripes). Por outro, é inegável que a realização, competente mas algo indiferente, e o esbater do papel do público, com o ruído diminuído e os planos de conjunto escassos, tornam o documento menos marcante do que poderia ser. Por outras palavras, se jamais os Nirvana foram melhores do que naquele momento, pelo concerto é por vezes difícil apreende-lo como cúmulo do grunge.

Porém, enquanto via, não pude deixar de pensar nas seguintes coisas:

i) Há algo de estranho em ver os Nirvana num festival inglês, como há em pensar neles numa cidade/subúrbio norte-americano. Aquela música tresanda a pinhais, rios, frio ou, na pior das hipóteses, a um bairro white trash com condições meteorológicas dignas da cidade de Twin Peaks. Quem o terá percebido melhor foi mesmo Gus van Sant – outro distinto habitante do noroeste dos EUA - no seu brilhante Last Days (2005).

ii) Há muito quem pense que Kurt Cobain se suicidou por ter sido vítima da ideia que criou de si mesmo, a estrela de rock torturada e intransigente para com os seus valores. Melhor dizendo, também Cobain se poderá ter convencido de que era o que os outros viam nele. Puro erro. Aquela música já soava a morte muito antes de 4 de Abril de 1994. Se calhar, a morte é isso mesmo: uma guitarra em perpétuo fuzz.

iii) Comecei a ver, adorei “Aneurysm”, “Drain You” comoveu-me com memórias de outros tempos, “Come As You Are” lembrou-me porque foi esta a primeira banda rock de que verdadeiramente gostei e “Smell’s Like Teen Spirit”, constatei, não perdeu pingo de actualidade. Mas, a meio de um alinhamento arriscadíssimo, que deixa para o fim não os hits mas diversas canções de Bleach (1989) e Incesticide (1992) e antecipa In Utero (1993), algo na minha atenção se perdeu, regressando apenas para a destruição final dos instrumentos, surpreendentemente mais lúdica do que revoltada. Parece que já não consigo levar uma banda tão a sério quanto os Nirvana queriam ser levados, nem os épicos Arcade Fire, nem os sacrossantos The National, nem os actualíssimos LCD Soundsystem. Hoje, até Kurt Cobain é vitima do meu cinismo.

2 comentários:

Back Room disse...

Muito bom.

Aconselho a ver, se nunca viste, o About a Son, já que falas aí nesse ambiente do Noroeste do Estados Unidos.

Miguel Domingues disse...

Vou-me informar ;)