16 janeiro 2011

Eram os anos 90 (I)


Eram os anos 90. Não havia sinal do FMI, acreditávamos que podíamos ser prósperos, o futebol passava em canal aberto e o terrorismo era coisa que acontecia em países pouco civilizados. Havia empregos para lá dos call centers, a cerveja era mais barata e os GNR eram uma banda de topo. Para o que interessa aqui, havia também um canadiano de ascendência arménia chamado Atom Egoyan que encantou muito boa gente com dois “clássicos” da década. Exótica (1994) e The Sweet Hereafter (1997). Filmes escuros, subtis, baseados ambos em eventos traumáticos que limitam as vidas das personagens, cujos calvários pessoais acompanhamos, foram dois protótipos de um certo “cinema Atalanta”, aquilo que era concebido como alternativo durante essa década, filmes de um grão muito próprio na imagem e quase sempre vistos nas salas de Paulo Branco (lembram-se do Naked de Mike Leigh ou do Breaking the Waves de Lars von Trier?).

A partir de Felicia’s Journey (1999), Egoyan perdeu-se um pouco. Não vi o seu projecto-fétiche, Ararat (2002), sobre o genocídio arménio às mãos dos turcos, mas o anterior Where the truth lies (2005) era um banalíssimo exercício hollywoodiano, algo que parecia ter como objectivo mostrar aos produtores que conseguia cumprir prazos e orçamentos bem como gerir um elenco de actores de primeira linha. Na mesma senda, o canadiano atira-se agora a Chloe (remake do francês Nathalie de Anne Fontaines). Com Julianne Moore inexcedível e Liam Neeson e Amanda Seyfried em bom plano, esta é mais alguma história de alguém preso num momento de que não consegue sair e com alguns dos toques habituais de Egoyan: a sexualização do imaginário, a imagem escura e granulada, a filmagem da disrupção do quotidiano familiar e pessoal, no fundo, os cenários de crise a que nos habituou. Há talento na filmagem (caso raro, as cenas de sexo não são nem pirosas nem ordinárias), o filme vê-se bem e envolve o espectador do início ao fim mas saí-se da sala com a sensação de que nada ultrapassava uma normalidade auto-imposta, como se Egoyan se houvesse rendido à mediocridade do sistema e lá sentisse inteiramente confortável, no meio de um cinema comercial do qual, há pouco mais de dez anos, se encontrava confortavelmente à margem. Até na sua intriga proto-telenovelesca de uma mulher abastada que suspeita da infidelidade do marido e contrata uma jovem prostituta para o testar, encontra um toque final de reconciliação e retorno à normalidade que o coloca nos antípodas do Intimidade de Patrice Chéreau – todo ele um filme sobre rupturas.

Não posso dizer muito mal dele, mas posso dizer o seguinte: fiquei com algum receio de rever aqueles dois filmes, que tanto me fascinaram no início da minha cinefilia.

2 comentários:

Ricardo disse...

Tenho curiosidade em ver este filme.

Uma coisa é certa: por mais telenovelesca que seja a influência no filme, pelo trailer não me pareceu uma telenovela da tvi, e isso já é bom.

Miguel Domingues disse...

Isso não é, de todo. É até bastante elegante. Mas podia ir mais longe e ser melhor, ficando-se, creio que propositadamente, pela mediania. É pena.