Tento, e por mais que tente não consigo fazer sentido da infame Portaria 4-A-2011, que mutila gravemente os fundos da Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, tendo-a já obrigado a reduzir as sessões diárias de 5 para 3 e forçado à não emissão do belíssimo depliant a que os cinéfilos lisboetas se habituaram. Por um lado, reconheço, num tempo de abismo tão grande como o que vivemos, a necessidade de um esforço partilhado, que terá forçosamente de passar também pela cultura. E depois entra a torrente de pensamento em sentido contrário: lembro-me do despesismo constante da administração central; dos gestores das empresas públicas com salários que dificilmente teriam no sector privado; de que a sub-orçamentação da cultura em Portugal é permanente e já de si limitadora quando a economia não está tão mal. Sobretudo, pela evidente função formadora da Cinemateca, pelo modo como um espectador bem preparado se torna mais lúcido e exigente de um ponto de vista de cidadania e penso que este corte de verbas exemplifica cabalmente a forma como esta crise (e todas as anteriores) está a ser tratada, procurando resolver de imediato sem olhar para a criação de um futuro. No fundo, é como Rui Tavares escreveu no Público: quando se quer perder peso, ou se faz o caminho mais longo da dieta e do exercício ou se opta pela solução rápida e se corta uma perna. O problema é que depois é difícil andar.
Fora isto, apenas mais dois pontos:
1) Para quem colocou, aquando da sua nomeação, a possibilidade de Maria João Seixas ser uma “girl” do PS, das duas uma: ou não o é e o corte das verbas prova-o, ou é e isso não adiantou nada. Pelo contrário, importa perguntar: será que influência política mais ampla e mais forte de João Bénard da Costa não teria sido útil nesta situação?
2) A referida portaria põe em causa o desenvolvimento do Arquivo Nacional das Imagens em Movimento, que inclui o espólio da RTP, o mais completo do século XX português. E aqui, a utilidade política da decisão é óbvia. As imagens dos últimos 55 anos, controladas, amaciadas e normalizadas pelo ridículo que é a RTP Memória mostram-se assim menos propícias a demonstrar os caminhos, as causas e os responsáveis por Portugal se ter tornado nesta estrumeira à beira-mar plantada.
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