(Antes de mais, um pequeno reparo: dada a falta de tempo e a estreia para breve de Essential Killing de Jerzy Skolimowski, o filme do polaco, a ser tratado, sê-lo-à aquando da sua estreia. A série sobre o IndieLisboa terminará em breve com o texto sobre Meek's Cutoff de Kelly Reichardt).
Enquanto os vejo, não gosto dos filmes de Pablo Larraín. Como poderia? Tudo é sórdido e viscoso, a um nível em que mesmo a mundaneidade dos acontecimentos se torna surreal e detestável. Tudo é, a um tempo, terrível e ridículo, sonâmbulo e hiper-real. É quando os filmes acabam que a experiência pode ser contextualizada, doseada e tornada suportável pela memória. E é nessa altura que, como afirmei aqui há alguns tempos, que o chileno, com Kelly Reichardt e Brillante Mendoza, se torna um dos nomes mais idiossincráticos e estimulantes a trabalhar no cinema contemporâneo, dos poucos nos últimos anos a terem o verdadeiro sabor a novidade.
Post mortem, exibido numa tarde sufocante do IndieLisboa, perante uma razoável assistência no (demasiado) Grande Auditório da Culturgest, faz com que encontremos o cineasta no exacto ponto em que o encontrámos no anterior Tony Manero. De novo uma história passada em Santiago do Chile, intimamente ligada com a ditadura do facínora Augusto Pinochet mas que a mescla com a história pessoal, de um homem (em ambos os filmes interpretado pelo excelente actor Alfredo de Castro), sempre um ser ridículo em busca da sua própria felicidade. Desta vez, Castro interpreta o funcionário do gabinete do médico-legista pusilânime Mário, que se apaixona pela corista decadente Nancy Puelma num cabaret pulgoso. Tem algum sucesso com ela, embora não tanto quanto pense, pois esta continua amigada de um jovem comunista a lutar plenamente pelos sonhos que a eleição de Allende trouxe. Quando explode o 11 de Setembro de 1973, Mário continua pusilanime, embora seja mergulhado de cabeça na barbárie dos que queriam salvar a civilização. Só quando a sua derrota se torna evidente se dá a revolta, na melhor cena final que vi em muito tempo, genial e longuíssimo plano-sequência fixo, com apenas uma pessoa a entrar e a sair do enquadramento.
Pablo Larrain é, indiscutivelmente, um excelente cineasta, de inegáveis recursos estilisticos utilizados para inserirem a perturbação no espectador. Os seus tons escuros, os planos de câmara fixa de duração esticada até ao limite, os travellings em túneis e a atmosfera malsã geral servem para transmitir a sua mundividência da época, um pequeno apocalipse num país periférico da América do Sul preso em jogos de poder bem maiores e para acossar quem vê os filmes, num método arriscado que, longe de procurar o belo, encontra a confrontação com o espectador. O perigo, dada a proximidade estética, temática e moral do anterior Tony Manero é mesmo a repetição, a mesma de que padece o escritor Luís Sepúlveda, narrador dotadíssimo de discurso repetitivo. Nesse aspecto, discretamente, há algo neste novo filme que pode passar despercebido mas que pode ser sintomático: o facto de a cena, insuportável, do choro entre Mário e Nancy decorrer antes da tomada do poder por Pinochet. Nesse sentido, o golpe de estado poderia ser visto não como o gerador do desconforto mas como a sua derradeira consequência. Espero que seja este o caminho por que Pablo Larrain seguirá, mostrando, mais do que os seus resultados, o que no Chile permitiu a chegada de uma ditadura brutal e que muitos ainda hoje defendem.
Gostei imenso. Mas só depois de acabar.