02 junho 2011

IndieLisboa 2011 - Edição FMI (3)






No Oregon de 1845, terra indómita, três grupos de peregrinos separam-se da caravana, contratam um guia fanfarrão chamado Meek e tentam cortar caminho por entre as ervas, os caminhos e os relevos do terreno. Com a progressiva falta de água, as desconfianças crescem, pensa-se em enforcar Meek e continuar sozinhos. Até que a presença de um índio, potencial informador de um batalhão de guerreiros mas também o único que sabe onde se encontra água potável, vem pôr em causa ainda mais o equilibrio precário do grupo.

O resumo faz-se em poucas linhas, mas explicar o que é a experiência de Meek's Cutoff, quinto filme de Kelly Reichardt mas apenas o terceiro ao qual foi dada alguma atenção, torna-se muito mais dificil. Porque é completamente contestada a narrativa tradicional, com um princípio in media res, onde somos lentamente informados do que se está a passar, e com um final em aberto, propositadamente ambíguo, que pode parecer uma fuga à incapacidade de fechar o filme mas que, bem visto, corresponde perfeitamente às relações entre culturas diferentes, sempre a ser trabalhadas e moldadas. É também estranho o ritmo lento de um filme sempre em movimento, o olhar distanciado de Reichardt, quase sempre em planos afastados ou médios, e o seu realismo extremo e sem maquilhagem, retirando qualquer poesia ou espectáculo ao western e tornando-o muito mais próximo do que a realidade da expansão americana deve ter sido: um caminho de homens e mulheres isolados, assustados, navegando à vista num mar de terra inóspita e onde as maiores dificuldades foram suportadas em nome de um futuro, sem heroismos mas apenas com um sentido de inevitabilidade, de que não há outro caminho.

Filmado em 4:3, entalando os actores nas margens do enquadramento e criando outros sinais visuais de limitação e isolamento (a barba e o cabelo longos de Bruce Greenwood, num dos papéis da sua vida, que o tornam enigmático e pouco digno de confiança ou a touca de Michele Williams, cobrindo-lhe o rosto inteiro num simbolo perfeito da limitação das mulheres na época), tudo aponta, circularmente, para a pequenez daquela gente na imensidão do espaço cruel que os rodeia. Narradora de prosas esparsas, incompletas e que limitam tudo às suas formas mais puras, Reichardt, de novo tratando a viagem em direcção ao Oeste (também a Wendy do filme anterior ia para o Oregon para começar de novo) faz um dos filmes, mau-grado a sua dimensão propositadamente pequena, mais ambiciosos que veremos em 2011 (felizmente, mostrando estar acordada, a Alambique vai exibi-lo em sala) e um que é muito difícil pôr em palavras.










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Não foi exactamente o Indie que eu queria e a organização terá de pensar numa estratégia que não inclua exibir no último domingo filmes tão importantes num ambiente já de descompressão e de fim de certame, um festival no seu modo pós-apocalíptico (o ano passado, a última sessão foi dedicada a Visage de Tsai Ming Liang, filme decerto relevante e interessante; alguém o viu?). Além do mais, se o Grande Auditório da Culturgest dá prestigio aos filmes que exibe, pela simples formalidade do espaço, também é verdade que o festival é muito mais vibrante no São Jorge. De resto, no eremitismo que caracteriza a minha vivência actual, este ano foi um mero desvio na rotina, onde vi dois belos filmes mas que dificilmente associarei a um momento marcante ou a um ambiente eléctrico. Veremos como será a edição 2012.

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