Numa altura em que, em mais do que um aspecto, aparece como fundamental limpar a casa e começar de novo, aqui fica a primeira parte de uma uma lista de filmes que tenho visto. A segunda parte, a publicar nos próximos dias, integrará também filmes vistos em casa.
The Adjustement Bureau de George Nolfi – Um dos piores do ano. Um blockbuster sem alma, que desbarata as enormes ideias de Philip K Dick (um escritor que, cada vez mais me convenço, é de ideias muito superiores à sua concretização) num thriller banal e mal amanhado, uma pretensa reflexão sobre o destino que não vai a lado nenhum. Resta apenas a invulgar química no ecrã entre Matt Damon e Emily Blunt, a serem futuramente emparelhados por um cineasta digno desse nome.
Winter’s Bone de Debra Granik – É um filme que pode ser visto como o salto do neo-neo-realismo (na terminologia do crítico norte-americano AOL Scott) na direcção do grande público. De narrativa menos esparsa do que Wendy and Lucy ou Shotgun Stories, é no entanto uma tocante história de superação e de sobrevivência, filmada de forma económica e ríspida, como filmaria Kaurismaki não fosse a sua ironia escarninha sempre presente. Cinzento e violento, road movie, melodrama e filme de terror num só, não poupa o espectador à dura realidade da vida dos esquecidos pela globalização e serve como mais uma demonstração da vitalidade deste cinema de guerrilha, apostado em mostrar-se como a fase menos vísivel mas mais vital do cinema americano contemporâneo.
Tournée de Mathieu Almaric – Estranhamente baseado em Paulo Branco, numa visão diametralmente oposta à que aqui temos dele, Almaric continua o seu percurso superlativo tratando a fuga em frente de um produtor de um espectáculo itinerante de burlesco, a última oportunidade de alguém que desbaratou todas as anteriores e que continua em frente por ser a única coisa que sabe fazer. Misturando a seu bel-prazer a ficção e o documentário, através dos interlúdios que focam os números das artistas que interpretam as personagens, é um filme enérgico, ciente da sua dimensão e de um realismo estilizado que contrasta com muito do que se vê por aí. Não tinha visto O Estádio de Wimbledon, mas para além de actor fiquei convencido de que temos cineasta.
Kaboom de Greg Araki – Mais um belíssimo filme de Gregg Araki. Depois do mais comercial, mais “aberto” Mysterious Skin, este Kaboom é um filme mais de acordo com as coordenadas habituais do cinema de Araki, queer, pequeno, furiosamente independente e enérgico nas suas ideias. Misterioso, encena com orçamento reduzido e criatividade em roda livre um percurso de iniciação sexual num contexto universitário que funciona como período intermédio entre a adolescência e a idade adulta, ainda por cima sem medo de focar literalmente, em registo de fábula alucinada, o carácter apocalíptico das inquietações sentimentais da pós-adolescência, adicionando ainda um saudável lado lúdico na sua intriga. Uma boa surpresa e um bom caminho para o cinema Nimas, que pode bem continuar a mostrar, por períodos de tempo limitados, este objectos mais idiossincráticos.
Les Amours Imaginaires de Xavier Dolan – É demasiada a moda, é demasiado o lado chique, é demasiado o kitsch, é de menos o talento. Esgotadíssima a fórmula La maman et la putain, restam as cores, a música em formato pastiche e os péssimos interlúdios confessionais, a tentar dar uma ideia geracional que, valha a verdade, até pode haver – é um filme “da cena”, fácil de imaginar a ter lugar entre o Bairro Alto e o Cais do Sodré – mas que não substitui a falta de cinema que aqui se vê.
The Hangover II de Todd Philips – O primeiro já de si não era genial, longe disso, mas tinha uma premissa interessante, nomeadamente a reconstituição de uma “noite branca”, o último momento de perdição antes do mais prezado ritual de entrada na idade adulta. O segundo mais não é do que uma perfeita cópia do primeiro, mudando o contexto de modo a atrair mais espectadores, aproveitando o potencial turístico da Tailândia e tentando aproveitar o lado escuro da cidade de Banguecoque para extremar a acção. Falha redondamente. São muito menores os momentos de comédia (os gags envolvendo o brilhante comediante que é Zach Galiafinakis são quase todos desaproveitados) e, de caminho, chama de novo a atenção para o pudor que está por detrás da sua premissa: se é a noite que é de perdição, porque não mostrá-la, em vez de se focar na sua reconstituição elíptica? Resposta possível: porque assim, passa-se por transgressor e faz-se dinheiro ao mesmo tempo, não chocando muita gente. Fraquíssimo.
The Tree of Life de Terrence Mallick – Não há, em 2011 nem na última década, filme mais complexo, mais discutível nos seus propósitos e significados nem filme que dure mais além da sua visão, que gere dúvidas e inquietações em quem vê. No meu caso, tenho dois problemas, interligados, com ele: por um lado, a sua tentativa de evocação demiúrgica, darwiniana, que causa alguns dos mais penosos momentos de tédio que vivi numa sala este ano; e, por outro, como já me havia acontecido em The New World, a poesia visual de Mallick é-me, pelo menos de momento, bastante indegesta. Não tenho a mais pequena dúvida de que há nele um grande filme – o da família em luta consigo mesma – mas não contem comigo para entrar nos momentos iniciais e finais, onde essa mesma poesia visual atinge o seu expoente. Quem sabe como o verei daqui a alguns anos.
Valhalla Rising de Nicolas Winding Refn– Na projecção, a primeira coisa que vemos, em garrafais letras brancas sob fundo negro, é o nome do seu cineasta. No caso, mais do que declaração autoral, é um flagrante caso de narcisismo, confirmado pela estética vazia e insuflada desta história de um guerreiro zarolho que se escapa dos pagãos e vai como mercenário dos cristão nórdicos numa peregrinação à Terra Santa que se perde e acaba no Novo Mundo. De personagens e ideias uni-dimensionais, resta uma panóplia de recursos estéticos francamente irritantes, de tintagens a composições de planos a armar ao bergmaniano, de tons cinzentões e lutas alegadamente estilizadas a uma música que dá vontade de arrancar os tímpanos pelas orelhas. Falou-se de Mallick e Herzog, mas o pior lado da estética pessoalíssima destes cineastas é que se aplica a tudo o que tente armar ao pingarelho – eu apontaria mais o narcisismo e a vacuidade do von Trier de Antichrist como influência (deve ser coisa nórdica). Por mais que se o tente polir, no fim do dia um excremento é um excremento.
The Adjustement Bureau de George Nolfi – Um dos piores do ano. Um blockbuster sem alma, que desbarata as enormes ideias de Philip K Dick (um escritor que, cada vez mais me convenço, é de ideias muito superiores à sua concretização) num thriller banal e mal amanhado, uma pretensa reflexão sobre o destino que não vai a lado nenhum. Resta apenas a invulgar química no ecrã entre Matt Damon e Emily Blunt, a serem futuramente emparelhados por um cineasta digno desse nome.
Winter’s Bone de Debra Granik – É um filme que pode ser visto como o salto do neo-neo-realismo (na terminologia do crítico norte-americano AOL Scott) na direcção do grande público. De narrativa menos esparsa do que Wendy and Lucy ou Shotgun Stories, é no entanto uma tocante história de superação e de sobrevivência, filmada de forma económica e ríspida, como filmaria Kaurismaki não fosse a sua ironia escarninha sempre presente. Cinzento e violento, road movie, melodrama e filme de terror num só, não poupa o espectador à dura realidade da vida dos esquecidos pela globalização e serve como mais uma demonstração da vitalidade deste cinema de guerrilha, apostado em mostrar-se como a fase menos vísivel mas mais vital do cinema americano contemporâneo.
Tournée de Mathieu Almaric – Estranhamente baseado em Paulo Branco, numa visão diametralmente oposta à que aqui temos dele, Almaric continua o seu percurso superlativo tratando a fuga em frente de um produtor de um espectáculo itinerante de burlesco, a última oportunidade de alguém que desbaratou todas as anteriores e que continua em frente por ser a única coisa que sabe fazer. Misturando a seu bel-prazer a ficção e o documentário, através dos interlúdios que focam os números das artistas que interpretam as personagens, é um filme enérgico, ciente da sua dimensão e de um realismo estilizado que contrasta com muito do que se vê por aí. Não tinha visto O Estádio de Wimbledon, mas para além de actor fiquei convencido de que temos cineasta.
Kaboom de Greg Araki – Mais um belíssimo filme de Gregg Araki. Depois do mais comercial, mais “aberto” Mysterious Skin, este Kaboom é um filme mais de acordo com as coordenadas habituais do cinema de Araki, queer, pequeno, furiosamente independente e enérgico nas suas ideias. Misterioso, encena com orçamento reduzido e criatividade em roda livre um percurso de iniciação sexual num contexto universitário que funciona como período intermédio entre a adolescência e a idade adulta, ainda por cima sem medo de focar literalmente, em registo de fábula alucinada, o carácter apocalíptico das inquietações sentimentais da pós-adolescência, adicionando ainda um saudável lado lúdico na sua intriga. Uma boa surpresa e um bom caminho para o cinema Nimas, que pode bem continuar a mostrar, por períodos de tempo limitados, este objectos mais idiossincráticos.
Les Amours Imaginaires de Xavier Dolan – É demasiada a moda, é demasiado o lado chique, é demasiado o kitsch, é de menos o talento. Esgotadíssima a fórmula La maman et la putain, restam as cores, a música em formato pastiche e os péssimos interlúdios confessionais, a tentar dar uma ideia geracional que, valha a verdade, até pode haver – é um filme “da cena”, fácil de imaginar a ter lugar entre o Bairro Alto e o Cais do Sodré – mas que não substitui a falta de cinema que aqui se vê.
The Hangover II de Todd Philips – O primeiro já de si não era genial, longe disso, mas tinha uma premissa interessante, nomeadamente a reconstituição de uma “noite branca”, o último momento de perdição antes do mais prezado ritual de entrada na idade adulta. O segundo mais não é do que uma perfeita cópia do primeiro, mudando o contexto de modo a atrair mais espectadores, aproveitando o potencial turístico da Tailândia e tentando aproveitar o lado escuro da cidade de Banguecoque para extremar a acção. Falha redondamente. São muito menores os momentos de comédia (os gags envolvendo o brilhante comediante que é Zach Galiafinakis são quase todos desaproveitados) e, de caminho, chama de novo a atenção para o pudor que está por detrás da sua premissa: se é a noite que é de perdição, porque não mostrá-la, em vez de se focar na sua reconstituição elíptica? Resposta possível: porque assim, passa-se por transgressor e faz-se dinheiro ao mesmo tempo, não chocando muita gente. Fraquíssimo.
The Tree of Life de Terrence Mallick – Não há, em 2011 nem na última década, filme mais complexo, mais discutível nos seus propósitos e significados nem filme que dure mais além da sua visão, que gere dúvidas e inquietações em quem vê. No meu caso, tenho dois problemas, interligados, com ele: por um lado, a sua tentativa de evocação demiúrgica, darwiniana, que causa alguns dos mais penosos momentos de tédio que vivi numa sala este ano; e, por outro, como já me havia acontecido em The New World, a poesia visual de Mallick é-me, pelo menos de momento, bastante indegesta. Não tenho a mais pequena dúvida de que há nele um grande filme – o da família em luta consigo mesma – mas não contem comigo para entrar nos momentos iniciais e finais, onde essa mesma poesia visual atinge o seu expoente. Quem sabe como o verei daqui a alguns anos.
Valhalla Rising de Nicolas Winding Refn– Na projecção, a primeira coisa que vemos, em garrafais letras brancas sob fundo negro, é o nome do seu cineasta. No caso, mais do que declaração autoral, é um flagrante caso de narcisismo, confirmado pela estética vazia e insuflada desta história de um guerreiro zarolho que se escapa dos pagãos e vai como mercenário dos cristão nórdicos numa peregrinação à Terra Santa que se perde e acaba no Novo Mundo. De personagens e ideias uni-dimensionais, resta uma panóplia de recursos estéticos francamente irritantes, de tintagens a composições de planos a armar ao bergmaniano, de tons cinzentões e lutas alegadamente estilizadas a uma música que dá vontade de arrancar os tímpanos pelas orelhas. Falou-se de Mallick e Herzog, mas o pior lado da estética pessoalíssima destes cineastas é que se aplica a tudo o que tente armar ao pingarelho – eu apontaria mais o narcisismo e a vacuidade do von Trier de Antichrist como influência (deve ser coisa nórdica). Por mais que se o tente polir, no fim do dia um excremento é um excremento.
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