Parece impossível, mas houve um tempo em que as pessoas, quando algo não lhes agradava e a situação chegava ao limite do impossível, pegavam em armas e saíam à rua. Bombeavam, matavam e toda uma outra série de comportamentos inaceitáveis, mas ao menos não baixavam as calças e esperavam que doesse pouco. E, muitas vezes, faziam-no por todos os motivos errados: jovens burgueses, com a barriga cheia, viam na luta armada o paliativo para as suas existências ennuiées, como o caminho mais acessível para a glória ou como catalisador sexual. Carlos, o Chacal, desde 1997 numa prisão francesa a cumprir uma sentença perpétua pelo assassinato de quatro pessoas num apartamento parisiense, foi, mais até do que Guevera, homem de convicções profundas, o paradigma deste tipo de guerrilheiro. Sex symbol, fashion icon e ladies man de excelência, só era ultrapassado nestes campos pela sua falta de renitência em matar em nome de uma luta que, a certo ponto, já nem o próprio sabia qual era. Uma daquelas pessoas que mascara sob a abnegação um narcisismo absolutamente doentio, ajudou a cristalizar a imagem do terrorista na moda (a boina, a barba e o casaco de cabedal não enganam), teve alguns atentados irreais de tão desastrosos e deixou-se amigar por alguns dos regimes mais podres da história recente, tendo sido a principal vedeta do terrorismo islâmico-chique a soldo, por exemplo, da Síria e do Iraque de Saddam Hussein. Carlos, biopic realizado, primeiro enquanto série de televisão de cinco horas e agora enquanto filme de quase três, mostra-o assim, o definitivo sexy motherfucker, naquele que é um dos melhores filmes da carreira de Olivier Assayas.
Carlos corresponde claramente a um esforço de internacionalização de Olivier Assayas. Depois de dois filmes realizados em inglês (Clean e Boarding Gate) e depois daquele que considero o seu melhor filme (L'heure d'été, magnífico), surge agora o filme, filmado on location por todos os locais que na realidade viram os acontecimentos. E apetece-me dizer que era o filme de acção por que esperava: frenético, inteligente e que faz o tempo passar a correr, sempre num permanente sobressalto. Sempre achei que o cinema de Assayas, os seus enquadramentos sempre muito juntos dos actores e os seus movimentos de câmara constantes, longe da religião cinematográfica francesa do plano fixo, poderiam dar azo a algo de mais enérgico, de mais virulento, e foi aqui que o conseguiu. De fazer corar os filmes da saga Borne com o seu virtuosismo, aplicando diferentes tons cromáticos às diferentes épocas, lembrando os tons queimados do cinema americano da década de 70 e com sequências antológicas (todo o ataque à sede da OPEP em 1975, o maior de todos os seus muitos falhanços), nem sequer se esquiva a dar uma curiosa leitura freudiana à carreira do seu objecto de estudo - repare-se em como, aquando dos primeiros sucessos, vemos Carlos nú, saído do banho, contemplando a sua pujante masculinidade e como, no fim, gordo e desterrado no Sudão como relíquia do pós-Guerra Fria, sofre de... uma infecção nos testículos! Mesmo electrizante, Carlos não deixa de sofrer dos seus defeitos, nomeadamente a falta de aprofundamento das personagens, quase todas demasiado planas, bem como a falta de aprofundamento histórico das situações, o mais das vezes mais enunciadas do que contextualizadas, provavelmente o contexto cortado da série para dar origem ao filme. Ainda assim, é tão mais sério e mais atraente que os filmes de acção que por aí andam, é tão bem interpretado (Edgar Ramirez é pura e simplesmente genial, até ver o actor-revelação de 2011) e o seu ritmo é tão estonteante que merece todas as loas que lhe dêem.
E obviamente, é um filme ideologicamente complexo. Há uns anos, Slavoj Zizek referia que um dos aspectos complicados do cinema americano era que as únicas figuras carismáticas eram os vilões e Carlos mantém e amplia esse factor. E tem sucesso, porque todos gostamos destas figuras que pegam no seu destino e forjam a espada pela qual acabarão por morrer. Pelo Chacal da realidade, dificilmente mexeria uma palha. Pelo Chacal do filme, que como Aureliano Buendía nos Cem Anos de Solidão de Gabriel García Marquez, parece ter promovido dezassete levantamentos militares e tê-los perdido todos, de bom grado levava um balázio.
Carlos corresponde claramente a um esforço de internacionalização de Olivier Assayas. Depois de dois filmes realizados em inglês (Clean e Boarding Gate) e depois daquele que considero o seu melhor filme (L'heure d'été, magnífico), surge agora o filme, filmado on location por todos os locais que na realidade viram os acontecimentos. E apetece-me dizer que era o filme de acção por que esperava: frenético, inteligente e que faz o tempo passar a correr, sempre num permanente sobressalto. Sempre achei que o cinema de Assayas, os seus enquadramentos sempre muito juntos dos actores e os seus movimentos de câmara constantes, longe da religião cinematográfica francesa do plano fixo, poderiam dar azo a algo de mais enérgico, de mais virulento, e foi aqui que o conseguiu. De fazer corar os filmes da saga Borne com o seu virtuosismo, aplicando diferentes tons cromáticos às diferentes épocas, lembrando os tons queimados do cinema americano da década de 70 e com sequências antológicas (todo o ataque à sede da OPEP em 1975, o maior de todos os seus muitos falhanços), nem sequer se esquiva a dar uma curiosa leitura freudiana à carreira do seu objecto de estudo - repare-se em como, aquando dos primeiros sucessos, vemos Carlos nú, saído do banho, contemplando a sua pujante masculinidade e como, no fim, gordo e desterrado no Sudão como relíquia do pós-Guerra Fria, sofre de... uma infecção nos testículos! Mesmo electrizante, Carlos não deixa de sofrer dos seus defeitos, nomeadamente a falta de aprofundamento das personagens, quase todas demasiado planas, bem como a falta de aprofundamento histórico das situações, o mais das vezes mais enunciadas do que contextualizadas, provavelmente o contexto cortado da série para dar origem ao filme. Ainda assim, é tão mais sério e mais atraente que os filmes de acção que por aí andam, é tão bem interpretado (Edgar Ramirez é pura e simplesmente genial, até ver o actor-revelação de 2011) e o seu ritmo é tão estonteante que merece todas as loas que lhe dêem.
E obviamente, é um filme ideologicamente complexo. Há uns anos, Slavoj Zizek referia que um dos aspectos complicados do cinema americano era que as únicas figuras carismáticas eram os vilões e Carlos mantém e amplia esse factor. E tem sucesso, porque todos gostamos destas figuras que pegam no seu destino e forjam a espada pela qual acabarão por morrer. Pelo Chacal da realidade, dificilmente mexeria uma palha. Pelo Chacal do filme, que como Aureliano Buendía nos Cem Anos de Solidão de Gabriel García Marquez, parece ter promovido dezassete levantamentos militares e tê-los perdido todos, de bom grado levava um balázio.
1 comentário:
Esta crítica mereceu destaque na rubrica «A "Polémica" do Mês» do Keyzer Soze's Place, disponível aqui: http://sozekeyser.blogspot.com/2011/06/polemica-do-mes-3.html
Cumps cinéfilos!
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