31 janeiro 2012

Estranho bailado


No percurso de PT Anderson, Punch-Drunk Love representa, de forma muito concreta, um "back to basics". Depois de Sidney/Hard Eight, filme de câmara, focado essencialmente em três personagens, os magníficos Boogie Nights e Magnolia era objectos de maior fôlego, narrativas corais inspiradas, respectivamente, em Scorsese e em Altman mas demonstrando sempre o virtuosismo e a visão particulares do seu autor . Punch Drunk Love regressa a um escopo mais pequeno, centrando-se num par romântico composto por Emily Watson e Adam Sandler e, sendo um filme que, mesmo numa revisão, mantém uma lado esdrúxulo e fora do normal, é um cabal exemplo de como a renovação que Anderson tem imposto no cinema americano se pode aplicar também a filmes menos épicos e mais focados numa particular (mesmo que minimalista) história.


Misto de melodrama com comédia romântica com um sentido particular de espaço (é um filme que não tem horror ao vazio no enquadramento), é também um filme de estrutura e organização musical. A banda-sonora de Jon Brion, mais do que constituída por pedaços musicais propriamente ditos, é composta por sons e ruídos que se articulam e influenciam o desenvolvimento visual da narrativa mais do que o enredo, facilmente resumível. Tudo isto redunda num estranho bailado, num filme em que as personagens, sobretudo a de Adam Sandler, parecem dançar ao som de uma musica que eles ouvem.


Punch Drunk Love resume-se também como história de amor pouco comum, não por ser a mulher o elemento dominante, mas porque genuínas duvidas sobre o desenlace deste romance (contrariamente ao que acontece na maioria das comédias românticas, que não deixam qualquer duvida quanto ao final feliz que espera o espectador), bem como uma sensação de perigo extraordinariamente bem conseguida na intriga que opõe a personagem principal ao gang dos telefones eróticos. Há muita competência no modo como PT Anderson organiza a narrativa idiossincrática que escreveu para este filme.


Na senda dos filmes anteriores, também este é um filme inspirado na memoria de antanho do cinema americano. Onde os anos 70 eram reis, aqui a referência parece ser mais as comédias românticas dos anos 50 e 60, os filmes garridos, por exemplo, de Doris Day e Rock Hudson. Embora haja espaço para outras influencias (Sandler a correr lembra Ben Gazzarra no The Killing of a Chinese Bookie de Cassavettes), a cena central do encontro do casal no aeroporto no Hawai, com um azul metalizado contra as cores da paisagem natural e com o grupo de passageiros a passar por trás é a que melhor sintetiza as características estéticas do filme.


Não sendo uma obra-prima, Punch Drunk Love apresenta-se como um passo em frente na carreira de um dos mais interessantes mavericks do cinema americano dos últimos vinte anos, uma prova dada à saciedade de que consegue fazer filmes diferentes dos anteriores e de que não ficaria preso ao sucesso que a formula coral usada em Boogie Nights e Magnolia. De referir, para finalizar, que muito do filme assenta também no talento de Adam Sandler, que mostra o quanto, depois de passarem pelo crivo dos brilhantes sketches de Saturday Night Live, o problema de muitos destes actores de comédia é não encontrarem material ao seu nível. Aqui, Sandler é ultra-credível e pelo seu embaraço e timidez passa muito do que torna este filme num objecto pungente sobre a conquista do amor verdadeiro.


25 janeiro 2012

Angelopoulos RIP

Para mim, a culpa foi do árbitro!

E pronto, este blogue foi eliminado da copa A Angústia do Blogger Cinéfilo no Momento do Penálti. Apenas por um voto, a equipa do numa paragem do 28 venceu justamente, num jogo marcado por 17 penáltis por marcar a nosso favor e a expulsão perdoada a pelo menos dez jogadores da equipa adversária. Agora, é levantar a cabeça e pensar no futuro.

24 janeiro 2012

Gangsta frouxo


Quando realizou The Untouchables (1987), Brian DePalma exibia, nos seus filmes, claros sinais exteriores de riqueza: no elenco luxuoso (aos joven Kevin Costner e Andy Garcia juntavam-se os já reconhecidos Robert DeNiro e Sean Connery) ou nos colaboradores que trouxe para o filme, como Giorgio Armani para o guarda-roupa e Ennio Morricone para a música. Prestes a entrar na primeira divisão do mainstream americano, DePalma perdeu a oportunidade: por uma lado, com o falhanço genial de The Bonfire of Vanities (1989), por outro, com este mole panegírico do heroísmo americano.

Nos antípodas da amoralidade e do sentido de tragédia dos filmes de gangsters dos anos 30 (que tinha transformado no muito bem conseguido remake de Scarface, 1982), The Untouchables joga-se todo no maniqueísmo mais básico, na bondade insossa dos bons e na maldade desinteressante dos maus. Semelhante posicionamento moral demasiado evidente prejudica o desenvolvimento das personagens, que aqui parecem meras folhas planas onde nada foi escrito. E naturalmente que isso prejudica o trabalho dos actores, mormente o Al Capone de Robert DeNiro, salvando-se apenas o polícia duro interpretado por Sean Connery.

Não conhecendo eu os bastidores da feitura de The Untouchables, parece-me que das duas uma: ou DePalma desaproveitou um bom argumento de David Mamet ou o dramaturgo e cineasta norte-americano escreveu aqui uma das suas obras mais fracas. Pouco imaginativo, previsivel e sem a dimensão verbal rápida e obscena que caracteriza os seus melhores textos, em boa hora Mamet se lançou no seu próprio cinema e deixou de operar tarefas destas.

Salva-se a sequência na escadaria da estação de comboios, clara piscadela de olho a O Couraçado Potemkine (1927), mas não chega para fazer um bom filme.

18 janeiro 2012

Romain meurt


Romain (desde já digo, extraordinário Melvil Poupaud) está a morrer. Sabe-o depois de um desmaio durante uma sessão onde fotografa duas modelos em cenário parisiense. Um médico cordato e amigável diz-lhe que tem um cancro metastasiado e que as suas hipóteses são poucas, mas reais. Romain não quer passar pela degradação física causada pela quimioterapia, nem tão pouco prestar-se à comiseração e preocupação dos outros. Assim, corta com o companheiro e esconde a doença de todos menos da avó, porque esta “também vai morrer em breve”. E é neste pressuposto de morte iminente que Le temps qui reste, filme pequeno e solar, se desenvolve.

Como a sua personagem principal, Le temps qui reste é um filme que se joga todo na contenção e na recusa do pathos habitualmente presente nas histórias de morte. Seco e despojado, com pouco menos de 80 minutos, rejeita em larga medida a encenação das cinco fases da morte (que tanto fez, por exemplo, pelo All that Jazz de Bob Fosse) para encenar sobretudo as tarefas necessárias para que Romain atinja a paz que procura. É como se, mais do que a austeridade no olhar ser um método, esta fosse o próprio objectivo central do filme: o de mostrar o turbilhão emocional de alguém confrontado com a sua própria morte da forma menos lacrimejante possível. O que, se torna compreensível a ideia de distanciamento emocional de que o filme foi acusado – pejorativamente – por alguma crítica à época da sua estreia, só pode ser tido como feitio e não como defeito.

A juntar a este despojamento, refira-se a capacidade de encenação de Ozon, nomeadamente no aproveitamento das potencialidades do scope (até nas suas potencialidades metafóricas – veja-se os dois planos, em momentos cirúrgicos, dos passos de Romain da esquerda para a direita do plano, como que a simbolizar a sua caminhada para a morte) e o lado berrante, cromaticamente, que o filme tem, com uma enorme profusão de amarelos, verdes e vermelhos. O melhor do filme é, contudo, a sequência final, extraordinário momento de paz interior a contrastar com os 70 e tal minutos de dor que vimos antes. Não deixa de ser estranho que François Ozon, uma das maiores esperanças do cinema europeu no início desta década, se tenha eclipsado e desde este filme só tenha feito obras ignoradas por meio mundo. Quem faz filmes destes, com este controlo, esta subtileza e esta inteligência, não pode ser considerado mau cineasta.

A Angústia do Blogger Cinéfilo no Momento do Penalty - Meias Finais

Com sacrifício, força de vontade, tranquilidade e espírito de sacrifício e outros valores típicos do futebolês nacional, a equipa deste blogue levou de vencida a equipa do A Última Sessão. Nas meias finais, segue-se o fortíssimo conjunto do Numa Paragem do 28. Podem votar aqui ao lado.

15 janeiro 2012

Enquanto o vento não muda


Jafar Panahi parecia ter tudo encaminhado para ter uma boa vida. Casa ampla, bem decorada e numa zona nobre de Teerão; o iPhone e o Macbook parecem indiciar uma vida material confortável; nos diálogos com a família, sempre por telefone, é evidente a cumplicidade e a harmonia; e é um homem respeitado internacionalmente na sua vida profissional. Acontece que os tiranos barbudos do costume, postos no poder pela incapacidade das potências ocidentais em lidar com as complexidades do Irão, condenaram-no a seis anos de prisão e a proibição de filmar durante 20 anos, por alegada participação cinematográfica nas manifestações que se seguiram à “re-eleição” de Mahmoud Ahmadinejad. Não deixa de ser curioso que, no presente, seja uma teocracia totalitária a defender o cinema como as democracias há muito não fazem: dando-lhe a importância que se dá a uma arte que (ainda) consegue mudar o mundo.

Isto não é um filme, espécie de video-retrato de um dia na vida de Jafar Panahi, construído pelo próprio cineasta com a colaboração do documentarista Mojtaba Mirtahmasb, é uma obra simples, a maneira possível e limitada que um cineasta tem de continuar a produzir num contexto em que não resta mais do que a mera documentação da sua vida quotidiana e o cinema enquanto construção linguística e mental. No huis clos doméstico em que Panahi se encontrava, inaugurava-se então um novo género cinematográfico persa: aquele que explana, nas palavras do realizador, os argumentos que a censura iraniana proibiu de filmar. Sabendo que esta maqueta viva do que seria um filme não substitui o objecto a criar, mas que a sua feitura é, ao mesmo tempo, um acto de resistência e um acto de sobrevivência.

Assim, a solução encontrada por Panahi parece ter sido a de tornar tudo cinema, o mais banal, o mais feérico (os extraordinários momentos de Jafar à janela a ver o fogo de artifício do feriado iraniano) e mais doloroso, sabendo que o real está cheio de motivos para filmar. É assim que se justifica que Panahi filme tão sofregamente o estafeta (a juventude iraniana que se desmultiplica em empregos para estudar e que, corra tudo bem, fará a revolução) . A dada altura, o jovem sai do prédio e Panahi tem de ficar à porta, a ver uma fogueira gigante, das mesmas que as tiranias usam para queimar obras de arte. Acaba ali o seu percurso, pelo menos o que o deixam fazer. Até que o vento mude.

10 janeiro 2012

Torneio Interblogues

São estes os onze jogadores que escolhi para a minha equipa a participar na primeira edição do torneio interblogues cinéfilos, ainda por baptizar, organizado pelo Luís Mendonça. Um guarda-redes imperturbável, dois centrais rigorosos, dois laterais criativos e prolíficos, um trinco de raiz germânica auxiliado por um interior direito também germânico e que fecha no meio com a qualidade de um Ramires, um extremo esquerdo romântico (como os melhores extremos esquerdos), um número dez iconoclasta e que, como os grandes números dez, parece jogar num mundo só seu e dois pontas-de-lança eficazes e complementares. Os jogos serão decididos por sondagem e têm já aqui ao lado a primeira partida, que opõe este blogue ao A Última Sessão. Que ganhe o melhor!