Jafar Panahi parecia ter tudo encaminhado para ter uma boa vida. Casa ampla, bem decorada e numa zona nobre de Teerão; o iPhone e o Macbook parecem indiciar uma vida material confortável; nos diálogos com a família, sempre por telefone, é evidente a cumplicidade e a harmonia; e é um homem respeitado internacionalmente na sua vida profissional. Acontece que os tiranos barbudos do costume, postos no poder pela incapacidade das potências ocidentais em lidar com as complexidades do Irão, condenaram-no a seis anos de prisão e a proibição de filmar durante 20 anos, por alegada participação cinematográfica nas manifestações que se seguiram à “re-eleição” de Mahmoud Ahmadinejad. Não deixa de ser curioso que, no presente, seja uma teocracia totalitária a defender o cinema como as democracias há muito não fazem: dando-lhe a importância que se dá a uma arte que (ainda) consegue mudar o mundo.
Isto não é um filme, espécie de video-retrato de um dia na vida de Jafar Panahi, construído pelo próprio cineasta com a colaboração do documentarista Mojtaba Mirtahmasb, é uma obra simples, a maneira possível e limitada que um cineasta tem de continuar a produzir num contexto em que não resta mais do que a mera documentação da sua vida quotidiana e o cinema enquanto construção linguística e mental. No huis clos doméstico em que Panahi se encontrava, inaugurava-se então um novo género cinematográfico persa: aquele que explana, nas palavras do realizador, os argumentos que a censura iraniana proibiu de filmar. Sabendo que esta maqueta viva do que seria um filme não substitui o objecto a criar, mas que a sua feitura é, ao mesmo tempo, um acto de resistência e um acto de sobrevivência.
Assim, a solução encontrada por Panahi parece ter sido a de tornar tudo cinema, o mais banal, o mais feérico (os extraordinários momentos de Jafar à janela a ver o fogo de artifício do feriado iraniano) e mais doloroso, sabendo que o real está cheio de motivos para filmar. É assim que se justifica que Panahi filme tão sofregamente o estafeta (a juventude iraniana que se desmultiplica em empregos para estudar e que, corra tudo bem, fará a revolução) . A dada altura, o jovem sai do prédio e Panahi tem de ficar à porta, a ver uma fogueira gigante, das mesmas que as tiranias usam para queimar obras de arte. Acaba ali o seu percurso, pelo menos o que o deixam fazer. Até que o vento mude.
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