Romain (desde já digo, extraordinário Melvil Poupaud) está a morrer. Sabe-o depois de um desmaio durante uma sessão onde fotografa duas modelos em cenário parisiense. Um médico cordato e amigável diz-lhe que tem um cancro metastasiado e que as suas hipóteses são poucas, mas reais. Romain não quer passar pela degradação física causada pela quimioterapia, nem tão pouco prestar-se à comiseração e preocupação dos outros. Assim, corta com o companheiro e esconde a doença de todos menos da avó, porque esta “também vai morrer em breve”. E é neste pressuposto de morte iminente que Le temps qui reste, filme pequeno e solar, se desenvolve.
Como a sua personagem principal, Le temps qui reste é um filme que se joga todo na contenção e na recusa do pathos habitualmente presente nas histórias de morte. Seco e despojado, com pouco menos de 80 minutos, rejeita em larga medida a encenação das cinco fases da morte (que tanto fez, por exemplo, pelo All that Jazz de Bob Fosse) para encenar sobretudo as tarefas necessárias para que Romain atinja a paz que procura. É como se, mais do que a austeridade no olhar ser um método, esta fosse o próprio objectivo central do filme: o de mostrar o turbilhão emocional de alguém confrontado com a sua própria morte da forma menos lacrimejante possível. O que, se torna compreensível a ideia de distanciamento emocional de que o filme foi acusado – pejorativamente – por alguma crítica à época da sua estreia, só pode ser tido como feitio e não como defeito.
A juntar a este despojamento, refira-se a capacidade de encenação de Ozon, nomeadamente no aproveitamento das potencialidades do scope (até nas suas potencialidades metafóricas – veja-se os dois planos, em momentos cirúrgicos, dos passos de Romain da esquerda para a direita do plano, como que a simbolizar a sua caminhada para a morte) e o lado berrante, cromaticamente, que o filme tem, com uma enorme profusão de amarelos, verdes e vermelhos. O melhor do filme é, contudo, a sequência final, extraordinário momento de paz interior a contrastar com os 70 e tal minutos de dor que vimos antes. Não deixa de ser estranho que François Ozon, uma das maiores esperanças do cinema europeu no início desta década, se tenha eclipsado e desde este filme só tenha feito obras ignoradas por meio mundo. Quem faz filmes destes, com este controlo, esta subtileza e esta inteligência, não pode ser considerado mau cineasta.
2 comentários:
Grande filme, deixou-me tão desolado que nem soube bem o que dizer sobre ele, na altura. Estou de acordo contigo.
http://www.cineroad.net/2012/01/le-temps-qui-reste-2005.html
Roberto Simões
CINEROAD.net
Bom filme, mas um concorrente sério a filme mais deprimente de todos os tempos.
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