03 julho 2012

Faustrecht der Freiheit (Rainer Werner Fassbinder, 1975)



As histórias de casais onde um ama demais e se sacrifica por um escroque explorador são abundantes na tradição ocidental. Em 1975, Rainer Werner Fassbinder transformou-as com o seu 23º (!!) filme, Faustrecht der Freiheit, ao ser capaz de colocar uma dessas histórias no meio homossexual, que ainda para mais é retratado com realismo: há drag queens, saunas e soirées, mas sobretudo a surpresa deste não ser um panegírico gay, mas antes um filme onde os homossexuais são retratados com os mesmos defeitos que os heterossexuais, numa formulação mais literal que propagandística. Fox, o protagonista, jovem homossexual proletário e intelectualmente limitado, trabalhador de uma deprimente feira ambulante e que acaba por ter um golpe de azar quando lhe saem 500 mil marcos na lotaria e que se passa a dar com a elite da comunidade homossexual de Munique é, então, vítima do amor que sente por Eugen, ao ser limitado, controlado e expropriado pelo objecto do seu amor, que nunca o deixa evoluir. Porém, Fassbinder tem a inteligência de dispensar o fait-divers e de inclusivamente dar um lado quase ontológico à sua narrativa: o que está em causa é também a forma como a sociedade capitalista, mesmo uma social-democracia à época evoluída como a Alemanha, é capaz de maltratar e espoliar os seus elementos proletários, não apenas espoliando-os mas também impedindo-os de se exprimirem na sua individualidade (é Fox, simbolicamente interpretado pelo próprio Fassbinder, que diz que só quer ser ele próprio e é belíssima a sequência do jantar com os pais de Eugen, onde todas as atitudes do protagonista são julgadas pelo crivo da posição social da família do seu amante). Vejamos também o seu pessimismo latente, senão atente-se na atitude das crianças que perpetram o último roubo contra o herói, símbolo de um futuro que não mudará. Filme subversivo no conteúdo mas não nas formas, competentemente clássicas e lineares, dá-nos porém algumas sequências superlativas – a melhor de todas a sequência final, a única em que o cineasta germânico opta por estilizar verdadeiramente e mostrar Fox na sua verdadeira luz: uma pietà gay e proletária que não encontra sequer mãe que a chore.     

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