1) Still Life é, se não me engano, a terceira obra de Jia Zhang Ke a estrear comercialmente em Portugal, depois de Plataforma (2000) e O Mundo (2004). Para mim, Still Life marca uma estreia, na medida em que ambos os outros filmes se encontram ainda a apanhar o pó da minha estante, à espera que haja tempo.
2) O cenário é a cidade de Fengji, prestes a ser submergida pela polémica Barragem das Três Gargantas, simbolo de uma China ancestral que desaparecerá para dar lugar a uma incógnita industrializada e desumanizada. Muito simples e, à maneira oriental, com imagens dolorosamente belas (a ponte que se acende no escuro ou o prédio que vemos implodir por entre um buraco na parede), é a observação das viagens de duas personagens, um homem que busca a filha e a ex-mulher e uma mulher que busca o marido traidor.
3) Comecemos pelos defeitos do filme: a sua organização interna e os extraterrestres. Por um lado há uma divisão em capítulos (alcóol, tabaco e chá), denotando hábitos da vida naquela zona, que é completamente inútil para a narrativa; por outro, a interrupção da história de Han Sanming para se concentrar em Zao Tao (Shen Hong, a mulher traída), voltando àquele antes da conclusão, não complicando o desenrolar da história, simultaneamente sentimental e cartesiano, também pouco acrescenta. Por último, aquelas aparições de OVNI's em dois momentos do filme, podendo ser simbolos de outros mundos desconhecidos pelas personagens, acabam por ser excrescências num filme bastante depurado.
4) Contudo, o mais importante aspecto que salta à vista em Still Life, aquilo que o torna realmente importante, é o seu lado documental, deambulatório. Poético e flutuante, ganha a sua razão de ser, mais do que nas histórias centrais à narrativa, nas imagens dos colegas de Han: gente curtida e moldada pelo sol e pelo trabalho, a esquecerem os seus fantasmas, trabalharem em ruínas e a darem lugar a essas mesmas ruínas, a ligarem-se ao tabaco, ao alcóol e à comida como paliativos da dor presente e da ainda por vir. Será este o neo-realismo do futuro?
5) Não vi nenhum outro filme do cineasta chinês. Este, sendo bom, não me satisfez completamente. Mas, ao vê-lo, uma expressão imediata me veio à mente: tecido contínuo, um pouco à imagem do cinema dos Dardenne. Parece ser, cada vez mais, essa a construcção do realismo no cinema moderno, em altura e não em profundidade, como se a primeira trouxesse a segunda. Só será, em princípio, possível de compreender o cinema de Jia Zhang Ke vendo-o como um conjunto, um fresco da China "a dois tempos" de que falava Deng Xiaoping. Estarei errado?
1 comentário:
"Poético e flutuante". Ora nem mais Miguel. Em Still Life vemos espectros que se arrastam entre beleza e melancolia. A mim convenceu-me, tendo também sido para mim uma estreia no cinema de Jia Zhang-ke.
Abraço ;)
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