26 junho 2007

Notas da 'teca (1)


Custa a creditar que, como diz a respectiva folha da Cinemateca, Luís Buñuel tenha hesitado em fazer Viridiana em Espanha, depois de mais de vinte anos de exílio nos EUA, no México e em França, devido à censura estatal. A elevada ignorância dos censores ibéricos originou a oportunidade ideal para uma dinamitação por dentro dos atavismos religiosos que, em larga medida, ajudaram a suportar o franquismo. Viridiana é, assim, a desconstrução das virtudes católicas da caridade e a história da imersão de uma jovem freira na perversão sexual. Grotesco e subversivo, é uma sucessão de provocações por parte de um ateu blasfemo. Síntese de todas as obsessões buñuelianas, falta-lhe a inovação de Un Chien Andalou (1929), a transformação das narrativas literárias de Abismos de Passion e Robinson Crusoe (ambos de 1954), o jogo de massacre interior de La Belle de Jour (1967) ou a vertigem de Cet Obscur Object du Désir (1977). Contudo, não desce nunca abaixo daquilo que um Buñuel deve ser. Tem uma notável componente simbólica, de que a coroa de espinhos a arder é o melhor exemplo. É elegantemente fetichista, mesmo que para isso descure as suas personagens. E quantos alguma vez arriscaram indignar com finais deste tipo? Uma coisa é certa: em Viridiana, primeiro repara-se nos defeitos; com o tempo, decerto crescerá.


1 comentário:

sandra torres disse...

Ainda não tive a oportunidade de ver nada de Luis Buñuel. Já me falaste muitas vezes de Belle de Jour. Fui pesquisar ao IMDB e achei deveras interessante aquilo que li sobre o realizador. Interessante ver que ele se enquadra no que o IMDB reporta como "cinematic Surrealism". Interessante é, também, verificar como o Surrealismo permite ousar a crítica social e política, através de imagens oníricas, como aquela que referiste na cena da coroa de espinhos a arder.

A ver, com certeza. ***