27 março 2010

Carta Aberta a Inês Oliveira


Cara Inês Oliveira,

Em bom rigor, não sou a melhor pessoa para falar de Cinerama. Quando me dirigi ao cinema King para o ver, acompanhado que estava na sala por meia dúzia de indefectíveis do decadente espaço lisboeta, tive de recorrer ao mais profundo do meu ser para aguentar uma mísera meia hora do seu filme de estreia. O meu tempo, apesar do desemprego e da atitude fácil que tenho para com ele, é demasiado precioso para ser perdido com bailarinos esvoaçantes e actores de telenovela com pastas em cima da cabeça, num pós-modernismo de pacotilha equivalente a eu comparar os meus textos aos de Marcel Proust. Lá saí, remoendo internamente que tinha usado 30 minutos da minha vida que não mais voltariam, num caminho de auto-recriminação e desencanto. A estação de Entrecampos parecia mais longe da Avenida de Roma do que alguma vez estivera. Assim, considero legítimo pedir-lhe uma indemnização pelo agravamento da minha miopia. E pela gargantuesca quantidade de água de rosas que tive de usar para lavar os olhos depois daquilo.

Serve, então, esta carta aberta para lhe fazer apenas uma pergunta: está contente por ter dado porta aberta e carta-branca a António-Pedro Vasconcellos e ao simiesco Alberto Gonçalves para continuar a dizer o que dizem do cinema português contemporâneo? É que cada vez que encontrar algo a demonizar a nossa cinematografia, lembrar-me-ei do seu filme.

Grato pela atenção,

Miguel Domingues

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