Encomendado, em 1966, pelo governo argelino, La Bataille d’Algiers permanece hoje como pedra de toque do cinema político europeu, especificamente, de um cinema de cariz marxista e revolucionário que entretanto desapareceu – nem Nanni Moretti, cineasta de esquerda se algum houve, pode merecer o epiteto de revolucionário. No retrato da tentativa de descolonização forçada pela Frente Nacional de Libertação (FLN) entre 1954 e 1957, mal-sucedida mas percursora da revolução que se deu em 1962, o que se observa é a crença marxista de que a História se desenrola inexorávelmente no sentido da libertação e igualdade. Na estrutura episódica do filme, progressivamente mais violento, na pontuação do filme pela música de Ennio Morricone, com motivos recorrentes a sublinharem a carnificina e nos sucessivos planos do luto feito pelas mulheres argelinas, a sensação é a de uma maré imparável de acontecimentos a redundarem na libertação, que o espectador sabia já ter acontecido quatro anos antes da saída do filme.
Quer o realizador Gillo Pontecorvo quer o argumentista Franco Solinas eram membros do Partido Comunista Italiano e, como marxistas, sabiam também que uma estética equivale a uma ética. A ideia inicial de ter Paul Newman como um jornalista francês ex-combatente na Indochina e que reporta o crescendo da luta dos argelinos pela independência foi posta de parte, bem como o argumento comissionado por membros da FLN, considerado pelo realizador como demasiado propagandístico. La Bataille d’Algiers acabou por ser algo de estranho e incomum, para os pressupostos do filme político revolucionário: uma crónica tanto da batalha dos colonizados quanto da concomitante reacção dos colonizadores, mas estirpando qualquer pathos ou qualquer agit-prop, como que dizendo que se a ética já pressupõe quer a inevitabilidade da libertação quer a reacção de colonizados, é desnecessário sublinhar emocionalmente qualquer destes factores e antes vê-los como realidades inevitáveis no rumo da História.
Assim sendo, o retrato é o do conflito em toda a sua brutalidade, potenciado pelas escolhas estéticas de Pontecorvo. Reminiscente tanto da Nouvelle Vague francesa na sua urgência e febrilidade, quanto do neo-realismo italiano na sua preferência por intérpretes não-profissionais (somente o coronel Mathieu é interpreteado por um actor profissional, Jean Martin; Saadi Yassef, lider da FLN, participa no filme como o líder El-hadi Jaffar, versão ficcionada de si próprio) e nos cenários reais, quer na Argel colonizada quer nas regiões guetizadas do Casbah, onde viviam a maior parte dos autóctones, no que se junta a câmara à mão a fotografia granulada e as técnicas como o zoom constante, da responsabilidade do director de fotografia Marcello Gatti, que lhe dão o ar documental que contribui para a sua enorme urgência e febrilidade. Adicionalmente, o desenrolar dos episódios foca as atrocidades de ambos os lados, desde os atentados indiscriminados contra civis por parte da FLN até às cenas gráficas de tortura por parte das tropas francesas, arriscando até por caminhos ambíguos – veja-se o extraordinário discurso do coronel Mathieu afirmando, a meio termo entre a amoralidade e o pragmatismo, que o cerne da questão é que os argelinos querem a independência e os franceses o domínio colonial e tudo farão para a manter, e que isso incluirá necessáriamente o uso de todos os métodos à disposição). Apesar de, ideologicamente, Pontecorvo e Solinas estarem claramente do lado dos independentistas, o olhar é equilibrado, crú, informativo, até próximo da objectividade documental, para o que muito contribui, por exemplo, a influência de Roma Cidade Aberta (Roberto Rosselini, 1945) no modo como os acontecimentos se parecem desenrolar à nossa frente. Não é, afinal, coincidência que tenha sido incluído no filme um aviso inicial de que nenhuma imagem de newsreel da época foi usada na sua feitura, porque para quem vê, poderia perfeitamente ter sido.
É certo que há aspectos problemáticos no filme: os argelinos são sempre mais humanizados que os franceses, mormente os combatentes gauleses, que aparecem sempre como linhas na imagem e sem nunca terem direito a um grande plano, um pouco como fez Eisenstein na sequência da escadaria de Odessa n’ O Couraçado Potemkin (1927) ; que La Bataille d’Algiers parte de um princípio ideológico bem firmado e que poderá desagradar, por esse motivo, a espectadores do lado oposto da barricada; e que o filme é um produto do seu tempo, retratando, por exemplo, a imposição das leis islâmicas como necessário ao estabelecimento de uma identidade argelina e não como um factor problemático, sendo anacrónico face a questões como o laicismo social ou o multiculturalismo. Porém, parece claro que na sua energia, nas técnicas empregadas e no seu lado documental e informativo de um conflito hoje considerado pouco importante, La Bataille d’ Algiers representa o apogeu do cinema político de esquerda e uma poderosa obra-prima do cinema mundial dos anos 60 do século XX.
Quer o realizador Gillo Pontecorvo quer o argumentista Franco Solinas eram membros do Partido Comunista Italiano e, como marxistas, sabiam também que uma estética equivale a uma ética. A ideia inicial de ter Paul Newman como um jornalista francês ex-combatente na Indochina e que reporta o crescendo da luta dos argelinos pela independência foi posta de parte, bem como o argumento comissionado por membros da FLN, considerado pelo realizador como demasiado propagandístico. La Bataille d’Algiers acabou por ser algo de estranho e incomum, para os pressupostos do filme político revolucionário: uma crónica tanto da batalha dos colonizados quanto da concomitante reacção dos colonizadores, mas estirpando qualquer pathos ou qualquer agit-prop, como que dizendo que se a ética já pressupõe quer a inevitabilidade da libertação quer a reacção de colonizados, é desnecessário sublinhar emocionalmente qualquer destes factores e antes vê-los como realidades inevitáveis no rumo da História.
Assim sendo, o retrato é o do conflito em toda a sua brutalidade, potenciado pelas escolhas estéticas de Pontecorvo. Reminiscente tanto da Nouvelle Vague francesa na sua urgência e febrilidade, quanto do neo-realismo italiano na sua preferência por intérpretes não-profissionais (somente o coronel Mathieu é interpreteado por um actor profissional, Jean Martin; Saadi Yassef, lider da FLN, participa no filme como o líder El-hadi Jaffar, versão ficcionada de si próprio) e nos cenários reais, quer na Argel colonizada quer nas regiões guetizadas do Casbah, onde viviam a maior parte dos autóctones, no que se junta a câmara à mão a fotografia granulada e as técnicas como o zoom constante, da responsabilidade do director de fotografia Marcello Gatti, que lhe dão o ar documental que contribui para a sua enorme urgência e febrilidade. Adicionalmente, o desenrolar dos episódios foca as atrocidades de ambos os lados, desde os atentados indiscriminados contra civis por parte da FLN até às cenas gráficas de tortura por parte das tropas francesas, arriscando até por caminhos ambíguos – veja-se o extraordinário discurso do coronel Mathieu afirmando, a meio termo entre a amoralidade e o pragmatismo, que o cerne da questão é que os argelinos querem a independência e os franceses o domínio colonial e tudo farão para a manter, e que isso incluirá necessáriamente o uso de todos os métodos à disposição). Apesar de, ideologicamente, Pontecorvo e Solinas estarem claramente do lado dos independentistas, o olhar é equilibrado, crú, informativo, até próximo da objectividade documental, para o que muito contribui, por exemplo, a influência de Roma Cidade Aberta (Roberto Rosselini, 1945) no modo como os acontecimentos se parecem desenrolar à nossa frente. Não é, afinal, coincidência que tenha sido incluído no filme um aviso inicial de que nenhuma imagem de newsreel da época foi usada na sua feitura, porque para quem vê, poderia perfeitamente ter sido.
É certo que há aspectos problemáticos no filme: os argelinos são sempre mais humanizados que os franceses, mormente os combatentes gauleses, que aparecem sempre como linhas na imagem e sem nunca terem direito a um grande plano, um pouco como fez Eisenstein na sequência da escadaria de Odessa n’ O Couraçado Potemkin (1927) ; que La Bataille d’Algiers parte de um princípio ideológico bem firmado e que poderá desagradar, por esse motivo, a espectadores do lado oposto da barricada; e que o filme é um produto do seu tempo, retratando, por exemplo, a imposição das leis islâmicas como necessário ao estabelecimento de uma identidade argelina e não como um factor problemático, sendo anacrónico face a questões como o laicismo social ou o multiculturalismo. Porém, parece claro que na sua energia, nas técnicas empregadas e no seu lado documental e informativo de um conflito hoje considerado pouco importante, La Bataille d’ Algiers representa o apogeu do cinema político de esquerda e uma poderosa obra-prima do cinema mundial dos anos 60 do século XX.
5 comentários:
por acaso acho que, no geral, o filme consegue ser bastante imparcial, mas acho curiosa a comparação que fazes com o potemkin, não tinha pensado nisso. argel cidade aberta também é um bom título :D
Um grande filme político, um grande filme histórico e um grande filme, ponto. Felizmente, pelo que sei, ainda é mostrado e estudado, tendo a atenção que merece.
O Narrador Subjectivo: Obrigado :D
H.: Sem dúvida. Não há muitos filmes de que se possa dizer que sejam vistos por entidades políticas e militares, quer para estudar a insurreição quer para estudar a resposta a esta.
Caro Miguel, e, pelo que sei, também é mostrado aos alunos de história contemporânea na Nova ;)
H: Eh eh, essa parte já não sabia ;)
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