08 setembro 2011

Carpenter vive!



Dez anos depois de The Ghosts of Mars, encontramos Carpenter exactamente no mesmo sítio onde o deixámos. Interessado em labirintos, pondo as personagens a percorrer corredores e a passar por portas, quase sempre perdidas entre as suas alucinações, filmando em tons metalizados e frios num perfeito classicismo. The Ward, como os seus outros filmes, caracteriza-se pela completa ausência de qualquer tipo de desconstrução; ao contrário de um Tarantino, eterna e genialmente perdido em desconstruções, reciclagens e regurgitações, Carpenter, no filme de monstros, no slasher, na ficção ciêntifica, na comédia de acção ou no filme de terror puro, faz os filmes não para citar ou considerar um género ou um grupo de cineastas de um ponto de vista histórico, mas para fazer um filme. Os seus filmes existem e são assim por visão autoral e por coerência pessoal, não para “fazer à maneira de”. E a ideia que dão é que seriam assim fosse qual fosse a época da sua realização. Nesse sentido, é insustentável a ideia de que Carpenter fez um filme que não parece ser seu. Em cada filme, em vez de se contruir e de inovar, Capenter, enquanto autor, é. Querer malabarismo autoral ou imagens de assinatura é trocar a personalidade pelo fogo de artifício. Carpenter nunca o faz.

Em The Ward, história de uma jovem internada num hospício de alta segurança depois de incendiar uma casa que começa a ser perseguida por uma estranha criatura que mata todas as suas companheiras de hospital, tem as suas coordenadas bem definidas. Por um lado, o filme de terror, neste caso aproveitando a herança de um filme de hospício como o Shock Corridor de Samuel Fuller. Por outro, no elenco predominantemente feminino e em cenas como a do duche, todas as personagens femininas nuas, a serem mostradas em travelling de costas pela câmara, há sempre a sombra do exploitation a espreitar ao perto. No entanto, o maior terreno é o do terror puro. Num argumento algo previsível (e com uma ou outra semelhança com o de Shutter Island de Scorsese), Carpenter burila no melhor das suas capacidades o susto, o medo e a emoção bruta e primal, utilizando como maior aliada a alucinação. Ao vermos a naturalidade com que se processa esta narrativa típica, o que sobressai é o trabalho de artesão de Carpenter nos ambientes e na potenciação dos efeitos perante o espectador, aqui amplificados pelos filtros de imagens azuis e cinzentos, relevando a frieza da instituição, e no aproveitamento da concentração espacial, propiciando uma exemplificação da claustrofobia a que as personagens estão sujeitas.

Há, efectivamente, um ou dois defeitos em The Ward: o já referido carácter estereotipado da narrativa, mormente no seu final, que parece uma saída fácil, e a música, da autoria do próprio Carpenter, pouco original e algo excessiva nos seus coros celestiais. Podemos até dizer, com propriedade, que não está no grupo das obras-primas de Carpenter, com The Assault on Precint 13, The Thing, The Fog, They Live!, Vampires, Ghosts of Mars ou o episódio Cigarrette Burns para a série Masters of Horror. Mas, por um lado, não conhecemos filmes maus a Carpenter e é uma honra ser colocado ao lado de supostos filmes menores como Starman, In the Mouth of Madness ou Children of the Damned. Mas aqui radica a inscrição de Carpenter no paradigma do cinema clássico americano: se virmos as filmografias de Hawks ou Walsh, vemos que as obras-primas são bem mais espaçadas do que pensamos e que havia filmes que apenas existiam e com toda a normalidade estavam ali para ser vistos. The Ward não pede mais do que a oportunidade de ser The Ward. Não o desmereçam.

1 comentário:

O Narrador Subjectivo disse...

Quero ver, mas algo me diz que The Fog vai continuar a ser o meu preferido. Ainda assim, é bom ter Carpenter de volta.

http://onarradorsubjectivo.blogspot.com/