13 setembro 2011

Moral de Guerra



Baseado numa história verídica, retirada de uma peça publicada na revista New Yorker em 1969, Casualties of War (1989), um dos dois filmes de guerra de Brian DePalma (sendo o outro Redacted), é vincadamente um filme de tese, até anunciada em grande plano pela personagem de Michael J. Fox: a de que numa situação-limite como a guerra, é ainda mais importante do que normalmente os intervenientes regerem-se por claras regras morais. O relato feito por um soldado acabado de chegar ao Vietname de uma patrulha de rotina em que um sargento acaba por ordenar o rapto, a violação e o posterior assassinato de uma civil autóctone prende-se com a hipótese de uma moral de guerra, ainda para mais uma travada, supostamente, para defender a população local, e a forma como essa moral esbarra com a falta de força prática para a ímpor. Assim, pode-lhe assistir toda a razão, mas é o seu superior, interpretado com uma dose brutal de overacting por Sean Penn, com a força das armas, que leva a sua avante. E todas as suas atitudes, bem como do seu ajudante de campo, demonstram um contexto em que o ódio sentido pelos soldados americanos é já tão vincado que estes deixaram completamente de ver os vietnamitas como pessoas e vivem a guerra como um jogo, uma sucessão de acções com vista a prolongar as suas demonstrações de masculinidade e poder.

Lançado em 1989, depois de The Untouchables e antes do genial descalabro de The Bonfire of Vanities, Casualties of War apresenta-nos um DePalma mais contido do que habitualmente, apagando, o mais das vezes, o seu virtuosismo exibicionista em detrimento de um virtuosismo mais contido, mais focado na narrativa do que nas formas fílmicas. Existem momentos de suspense muito bem conseguidos (veja-se a sequência inicial, com a progressão de um vietcong num túnel em direcção a Michael J. Fox) e este, sendo temáticamente um filme de escopo pequeno, é tecnicamente um filme que deverá ser visto em ecrã grande para se apreender totalmente a qualidade dos enquadramentos de DePalma em scope bem como os seus travellings de aproximação e distanciação e, por último, a sua utilização criteriosa mas abundante do plano subjectivo, essencial numa história que parte do confronto de um ponto de vista pessoal com uma realidade exterior. De realçar também a sequência, abstracta, grandes planos com vozes fora de campo, do tribunal marcial, económica e eficaz. A novidade aqui é que mais do que filmar bem com qualquer principio exibicionista ou até lúdico (como faz em Raising Cain, 1992, ou em Femme Fatale, dez anos depois) fá-lo em pleno controlo e com o propósito único de dar a ver os dilemas morais que o interessaram no filme. Deste ainda para Michael J. Fox, muito mais contido do que Penn e que num desempenho subtil consegue largar a sua imagem de comediante adolescente, granjeada na mítica sitcom Family Ties.

O pior de Casualties of War acaba mesmo por ser a sua estrutura em flashback, complementada com prólogo e epílogo passados no início dos anos 70, em que a personagem de Fox encontra absolvição num pequeno diálogo com uma jovem asiática radicada nos EUA. Se o objectivo parece ser o de consubstanciar uma absolvição nacional de uma América que ultrapassou os traumas do Vietname (facto desmentido pela profusão de filmes sobre esta guerra que foram feitos na década de 80) bem como a garantia de que Fox agiu correctamente, também é verdade que a existência deste apêndices retiram tensão à narrativa, ao garantir desde o início ao espectador que a personagem principal sobreviverá às agruras da guerra. Na generalidade, um DePalma algo menor, sabendo que os seus filmes menores nunca deixam de ser interessantes.

1 comentário:

O Narrador Subjectivo disse...

Sim, DePalma é geralmente interessante, ainda que seja inconsistente :P Nunca vi este filme, mas fico curioso.

http://onarradorsubjectivo.blogspot.com/